COM QUE ROUPA EU VOU

Andei muitos dias pelas serras, do mar às montanhas frias da Mantiqueira, em isolamento voluntário tal índio fugidio, sem rede, sem fake, tudo tão visual e tátil. Cantos lindos, diversos, tão real a tolerância entre as mentes que habitam antigos sertões. Tantos se ajudam, crescem em suas limitações e carências, tão simples entender-se.

 

Estava quase tudo pronto, a nave aguardava no terreiro, o mundo girava em nossas cabeças e o vento suave soprava.

De repente tudo mudou, voltei à metrópole. Tudo mente nesse momento. A ordem das coisas e sua lógica natural de sabedoria e progresso, desacreditou.

 

Dia bruto hoje, agridem-se meus compatriotas, como se os morros que andei mentissem no chão que pisei. Espalham no asfalto da cidade que a ditadura voltará, que queimarão os corpos nas esquinas, que tudo será a idade média inundando as praças, as vias, os apreços. Dizem que tudo que andamos adiante no tempo, que os grilhões que rompemos serão novamente atrelados.

Será a democracia tão vil assim, pergunta a alma em hora de escolha. O ovo da serpente estava na chocadeira há tempos, se vai vingar é cedo para saber, mas sei que não passarão aqueles que plantam a peste, a falsidade, a tortura, o domínio.

 

Vigiar é necessário hoje, tudo tem dono, aprendi com índios. Não há de ser tão simples jogar a liberdade no lixo, nossos olhos cegar ou nossa diversidade sufocar.

Músicos cantavam no pico da montanha aos anjos naquele domingo, enquanto mulheres protestavam em frente da antiga igreja de São Thomé das Letras.

 

Era uma tarde de domingo e tantos diziam ele não.

 

Do domingo escrevera Carlos Drummond de Andrade certa vez: 

 

Nenhum desejo neste domingo

nenhum problema nesta vida
o mundo parou de repente
os homens ficaram calados
domingo sem fim nem começo.

A mão que escreve este poema
não sabe o que está escrevendo
mas é possível que se soubesse
nem ligasse.

 

*imagens por Helio Carlos Mello©

 

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