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Carta comentada: Samuel Moncada envia carta à ONU denunciando o Brasil por negligência criminosa

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O Embaixador Samuel Moncada – representante da Venezuela na ONU – enviou uma carta ao Secretário Geral da Organização das Nações Unidas, Antônio Guterres, nesta segunda-feira (15), denunciando o que ele considera uma total negligência do Brasil em relação ao combate à pandemia. Além do risco em relação ao seu próprio país – já que a Venezuela tem mais de 2.000km de fronteiras com o Brasil – ele aponta o risco para toda a região da América Latina e do Caribe. Sobre isso eu converso com Roberto Goulart Menezes, que é professor do Instituto de Relações Internacionais da UnB e Coordenador do Núcleo de Estudos Latino-Americanos.

Bom, são vários pontos que ele coloca nesse documento, eu gostaria de tratar alguns com o senhor, mas primeiramente eu gostaria de saber no âmbito das relações internacionais, ou à luz do próprio direito internacional, qual é o efeito prático do envio desse tipo de carta denúncia considerando o cenário em que estamos, não só de pandemia como também das recentes hostilidades do Brasil em relação a Venezuela?

PROFESSOR ROBERTO GOULART MENEZES: Em primeiro lugar eu acho importante destacar essas hostilidades, como você bem mencionou, com o governo da Venezuela de Nicolás Maduro, primeiro com o Governo Temer no Brasil onde a temperatura já havia subido e que depois ganhou uma nova configuração, com o Governo Bolsonaro, a partir de janeiro de 2019. E nos últimos acontecimentos nessa relação que se tornou tensa entre o Brasil e a Venezuela, o Governo Bolsonaro tentou expulsar a representação venezuelana do Brasil em plena pandemia o que foi suspenso – ato de expulsão que é gravíssimo nas relações diplomáticas – pelo Ministro [Luís Roberto] Barroso do Supremo Tribunal Federal. O outro ponto é que o efeito prático dessa carta endereçada ao Antônio Guterres, Secretário Geral da ONU, é mais de um alerta e de manifestar uma preocupação no seio das Nações Unidas em relação ao combate à pandemia no mundo como um todo. O teor da carta, embora seja um documento curto, mas muito objetivo, traz preocupações que também no Brasil a imprensa tem discutido e nós estamos lidando diariamente com elas. E a principal delas é o negacionismo por parte do Governo Jair Bolsonaro e seus assessores, como inclusive parte também do seu Ministério. Dois Ministros da Saúde foram substituídos este ano, com um intervalo muito curto de tempo entre um e outro, por conta exatamente de se recusarem a negar a ciência. Ou seja, eles [Mandetta e Reich] não queriam manchar suas biografias, ainda mais numa situação tão incerta como essa que a pandemia nos impõe. Então, enquanto o mundo todo está recorrendo à ciência – com exceção de pouquíssimos países – o Governo Bolsonaro atua exatamente para tentar descontruir as ações que podem preservar vidas no Brasil e que está próximo já de 1 milhão de casos.

Em 31 de maio o Brasil tinha 500 mil casos, apenas 16 dias depois o Brasil quase dobrou isso, já temos mais de 900 mil casos e nos próximos dias passaremos de 1 milhão. Considerando a subnotificação, nós estaríamos já (de acordo com os especialistas na área de saúde) em torno de 4 milhões de casos no Brasil.

Então o efeito prático é mais de um alerta nas Nações Unidas para jogar luz sobre o que o Governo Bolsonaro tem emitido em termos de opiniões – e são opiniões porque não há fundamentos nesses argumentos que tem sido apresentados, infelizmente, pelo Governo. Como menciona o documento, em rede nacional de rádio e televisão o presidente se referiu à grave crise sanitária que o mundo todo enfrenta como uma “gripezinha”.

JULIANA MEDEIROS: Um dos pontos que ele menciona no documento é a discrepância de números entre o Brasil e a Venezuela, que mesmo considerando a diferença imensa de território entre os dois países, proporcionalmente é também gigantesca a diferença em relação ao contágio e ao número de mortes, não só do Brasil em comparação com a Venezuela, como em comparação com toda a região. O próprio documento [de Samuel Moncada] cita que o Brasil representa mais de 22% em relação à toda região da América Latina e do Caribe. O Brasil poderia, independentemente deste documento,  vir a ser responsabilizado pela forma como ele está tratando da pandemia, em nível internacional por alguma medida?

PRGM: Neste momento nós não temos em andamento nenhuma queixa contra o Brasil, poderia ser na Comissão Interamericana de Direitos Humanos, poderia ser levado ao próprio Conselho de Direitos Humanos da ONU. Inclusive a Michelle Bachelet, Alta Comissária de Direitos Humanos das Nações Unidas, em documento recente demonstra no caso do Brasil, dos EUA e da França, a forte relação entre a pandemia e a desigualdade, a pandemia e o racismo. E isso tem de fato, como estamos acompanhando, saltado aos olhos.

No caso do Brasil, por exemplo, quando foi lançado o Auxílio Emergencial – que o Congresso aprovou de 600 reais (em três parcelas) – descobriu-se que o Brasil tem um quinto da população, cerca de 40 milhões de pessoas, “invisíveis” do ponto de vista do cadastro, elas não estavam nem no Cadastro Único nem no Bolsa Família.

Mas o que pode ter ajudado a Venezuela a ter menos casos é sem dúvida nenhuma, a crise econômica. Empresas [de aviação] como a Latam e a Gol – e como se necessitam dólares para que a aviação civil atue em outros países – essas empresas já há mais de 2 anos pararam de voar para a Venezuela, sobretudo para a capital. Então a Venezuela tem muita dificuldade com voos porque tem dificuldade de acessar moeda estrangeira, sobretudo o dólar. A crise econômica na Venezuela também deixa a população mais exposta porque é uma crise também de desabastecimento, infelizmente. A Venezuela sem ter acesso aos dólares, enfrentando bloqueios da Inglaterra e [o confisco] de reservas em ouro do país, bloqueio nos EUA de ativos financeiros e físicos, inclusive de suas empresas e distribuidoras de petróleo como a CITGO (nos EUA) e que já dura alguns anos. Mas a crise econômica [fez com que] a redução do contato com estrangeiros, no que diz respeito a turistas, no que diz respeito à chegada do vírus e a velocidade com que ele chegou na Venezuela, tudo isso pode ter contribuído. É parecido, não igual, mas parecido com a situação da Argentina. Só que eles tomaram a medida de fechar rapidamente as fronteiras, inclusive suspenderam voos internacionais, o que num primeiro momento foi tomado por alguns países como uma medida radical. Então, a Venezuela nesse momento tem menos casos que o Brasil, certamente, mas há pessoas na Venezuela que estão próximas à fronteira com Roraima e há registros de que essas pessoas procuraram atendimento também em Boa Vista, na capital do Estado de Roraima.

JM: E ele até cita que tem um fluxo muito grande de pessoas, de Venezuelanos tentando regressar à Venezuela e eles se preocupam com esse fluxo porque eles estão saindo de Estados como o Amazonas e Roraima que estão extremamente afetados pela Covid-19.

PRGM: E o outro ponto importante, Juliana, é que as políticas que foram desenvolvidas sobretudo no Governo Chávez na área da saúde, elas contaram com a presença de médicos cubanos. E depois o Brasil também veio a ter um programa exitoso, chamado Mais Médicos pelo Brasil e que logo no início, houve um lobby de parte do Conselho Federal de Medicina e demais organizações que trabalharam junto ao Governo Bolsonaro para inviabilizar a continuidade desse programa. E isso é gravíssimo porque são regiões hoje no Brasil que estão exatamente necessitando agora desses médicos, desse atendimento. E nada foi posto no lugar desde a saída dos médicos cubanos e com o fim do Programa Mais Médicos e isso é um crime contra a humanidade, eu colocaria assim. Os Estados tem trabalhado muito, em que pese a oposição do Governo Jair Bolsonaro, os Estados em sua maioria tem trabalhado muito junto às Prefeituras para enfrentar a pandemia com os recursos que eles tem e que não são tantos vindos do Governo Federal porque este tem uma estratégia de retardar a chegada dos recursos. Quando era ainda o Ministro [Luiz Henrique] Mandetta, e estava começando a pandemia, o Brasil estava com uma boa equipe na área de saúde sobretudo técnicos concursados do Ministério da Saúde ou cedidos da Fiocruz ou de outros órgãos importantes da área de saúde do Brasil, e eles estavam preparando um plano de contingencia que se tivesse sido colocado em andamento certamente o Brasil teria muito menos mortes, teria muito menos casos registrados. Essas milhares de vidas estão se perdendo de maneira irresponsável e como você colocou, isso poderá vir sim, passada a pandemia, no pós-pandemia, ser motivo de algum tipo de ação ou no Brasil ou em alguma instância internacional contra o atual Governo. E nesse ponto, na questão do [Programa] Mais Médicos, a saída deles [cubanos] deixou diversas populações vulneráveis, inclusive populações indígenas.

Atualmente, 60% dos brasileiros estão distantes de uma UTI em média 700km então essa presença dos médicos de forma capilar através de programas como o Saúde da Família e reforçados com o Mais Médicos, teria ajudado muito o Brasil nesse momento e poupado muitas vidas, sem dúvida alguma.

E porque eu menciono o Mais Médicos, porque a Venezuela é um dos países que mais trabalhou junto à Cuba em relação a esse programa (que tem outro nome lá) exatamente para atender a população mais vulnerável, populações mais expostas a um conjunto de doenças e com necessidade de atenção básica à saúde. Então eu acredito que isso também pode ter contribuído, a disseminação por mais de uma década de um programa – que hoje deve estar mais debilitado pela falta de recursos da Venezuela – mas que contribuiu para a disseminação de práticas de higiene, cuidados básicos com a saúde e que a população rapidamente absorveu e que agora, mesmo com a falta de recursos materiais, faz com que estejam conseguindo contornar parte dessa grave crise sanitária.

JM: Sim, na verdade o Governo venezuelano conta desde sempre com um número expressivo de médicos cubanos que atuam dentro da Venezuela, esse programa nunca cessou na Venezuela e acho que é importante também mencionar que Cuba vem sendo um dos países que mais tem contribuído com essa força médica em relação também a outros países no mundo. Eles mandaram delegações [de profissionais de saúde] para países africanos, para a Itália, para o Vietnã, para vários países e acaba fazendo diferença esse apoio médico de uma maneira geral (para qualquer país). Mas a Venezuela tem reportado a atuação e o trabalho ou mesmo as estratégias de prevenção que eles vem usando, de testagem, tudo tem sido sempre em parceria com médicos e especialistas cubanos e agora, mais recentemente, com a delegação de médicos chineses que foi à Venezuela para ajudar nesse manejo técnico, de como tratar dessa situação de emergência sanitária.

O Embaixador Samuel Moncada destaca ainda as ameaças que o governo brasileiro vem fazendo em relação ao multilateralismo, seguindo principalmente as orientações do presidente Donald Trump. Os EUA anunciaram recentemente que iriam se retirar por exemplo, da OMS e o Brasil, como tem feito desde o início, ameaçou fazer o mesmo. Ou seja, tem tentado mimetizar decisões em nível diplomático e internacional que os EUA aplicam e também outras decisões em nível interno. Mas o que poderia ocorrer, professor, na prática conosco, porque os EUA são uma potência. Temos que lembrar que somos um país gigantesco em termos continentais mas não somos uma potência nem militar nem econômica como os EUA, que talvez pudesse sair de uma situação como essa sem maiores prejuízos (ainda que seja o primeiro hoje no mundo em número de casos e mortes) mas talvez pudesse “sobreviver”, digamos assim, à essa emergência sanitária sem o auxílio de uma organização como a OMS. Para o Brasil, o senhor entende que isso nos afeta, mais à frente poderíamos ser responsabilizados também por negligência no trato dessa situação?

PRGM: Desde 12 de março, quando a Organização Mundial da Saúde decretou o estado de pandemia por conta da Covid-19 rapidamente os países procuraram absorver essa recomendação e o caso é que os EUA, a saída que o Donald Trump anunciou (a retirada da OMS) é sim um baque muito grande porque os EUA é o país que mais contribui financeiramente, não só com a OMS mas também outras instituições do sistema ONU, então isso debilita economicamente a OMS. Mas qual é a base para a decisão do Trump? A base não é científica e não é de um estranhamento, ou seja, de tomadas de decisões da OMS que poderiam ser contrárias ao interesse dos EUA e, como você colocou, dado que são uma grande potência, uma potência hegemônica na ordem internacional contemporânea. O fato é que Donald Trump tem como uma das suas narrativas em relação à Covid-19, primeiro (através de fake news e informações que não são verdadeiras) de querer associar o vírus a uma estratégia chinesa, a algo pensado pelo Partido Comunista Chinês para dominar o mundo e debilitar as economias e assim por diante. E o segundo ponto é que a China, através da Sinopec – que é uma das empresas do estado chinês, um laboratório – está entre as dez vacinas mais promissoras no curto prazo para se combater a Covid. Então a China tem trabalhado em cooperação com outros países, inclusive o Brasil nesse momento. A China vem trabalhando ainda, com a Sinopec, junto ao Instituto Butantã de São Paulo, que provavelmente terá financiamento também da FAPESP (Fundação de Apoio à Pesquisa do Estado de SP) de tal modo que se o Governo de SP junto com o Estado Chinês, reforçando esse instrumento de cooperação na saúde (e que o Brasil também tem muito a contribuir com a expertise do Butantã, da Fiocruz etc.) se chegar a essa vacina, será um ganho para o mundo todo.

Inclusive depois essa vacina poderá ser produzida, tudo leva a crer, sem a proteção de patentes o que é outro dado geopolítico e econômico fundamental. Porque não basta ter a vacina, o problema é que sobretudo seja uma vacina de dose única para o custo ser menor e que consiga ter uma produção em massa que possa chegar a 7 bilhões de doses no mundo. Isso é um desafio muito grande e que sem a cooperação científica, tecnológica, é quase impossível pensar num cenário assim (embora não de todo impossível).

Um outro ponto que se apresenta aí Juliana, é a posição do Brasil [em relação à OMS], o Governo Bolsonaro com sua retórica negacionista, e nesse ponto ele também copia o Governo Trump (e claro que aquilo que o Brasil teria que aportar em termos de recursos não chega nem perto do que contribui os EUA para a entidade) mas o que o Governo Bolsonaro tenta fazer é somar forças ao argumento dos EUA de exatamente culpar a China. De que a OMS estaria “passando a mão” na cabeça da China. E [por conta disso] a União Europeia apresentou uma demanda na OMS de uma comissão independente para estudar o vírus, a origem, se o Governo chinês tinha conhecimento desde os primeiros casos até o momento da sua comunicação para a OMS. Mas o que os EUA querem é que a China assuma não só a culpa e a responsabilidade pela disseminação do vírus pelo mundo, mas que num futuro próximo ela tenha que reparar economicamente o mundo todo por esse dano. Então o que tem ocorrido internamente [em nosso continente] é que a China já passou a comprar mais carne da Argentina, a China – cumprindo acordo comercial assinado com Donald Trump – vem comprando mais soja dos EUA, então a resposta da China é na prática. Ela não quer estremecer as relações com o Brasil, mas também não vai ficar sofrendo ataques de Ministros do Governo Bolsonaro de forma permanente sem reagir. Até o próprio Ministro das Relações Exteriores do Brasil, Ernesto Araújo, chegou a batizar de “comunavírus” e assim por diante, uma série de insultos ao povo chinês e à República Popular da China que ele não vê nenhum problema de que isso tudo possa estremecer as relações com aquele que é o principal parceiro comercial do Brasil.

JM: Como disse, eu estou conversando com Roberto Goulart Menezes, que é professor do Instituto de Relações Internacionais da UnB e Coordenador do Núcleo de Estudos Latino-Americanos e eu queria finalmente professor que o senhor dissesse se acredita que essa situação de pandemia que a gente está vivendo acabou acrescentando claro, de uma forma inesperada mas real, um dado a mais na forma como o Brasil vem conduzindo isso também em nível internacional, um dado a mais na imagem do Brasil que já está tão arranhada nesse aspecto das relações internacionais, da forma como o Itamaraty vem sendo conduzido. O senhor acredita que isso veio se adicionar a esse dado histórico, que vai ficar essa marca para o Governo brasileiro?

PRGM: O Ministério das Relações Exteriores do Brasil a maneira como ele vem sendo conduzido pelo atual Ministro, não há dúvida nenhuma que mostra o desprestígio que o Ministério tem junto ao Governo Bolsonaro, primeiro por ter escolhido um diplomata tão insignificante como aquele que ocupa o cargo hoje, sem visão estratégica, sem elaboração conceitual, nunca divulgou um documento. Nesses quase dois anos de governo nós não temos um único documento com as diretrizes da política externa do Brasil. O assessor para assuntos internacionais do Governo Bolsonaro, Filipe Martins, a mesma coisa. O que nós temos é um Ministério das Relações Exteriores que está subordinado a um dos filhos do presidente, Eduardo Bolsonaro, um deputado que já presidiu a Comissão de Relações Exteriores da Câmara dos Deputados, uma importante comissão. Então, [o Ministro] está sujeito aos caprichos desse deputado, tanto é assim que nós tivemos o Bolsonaro, logo após a eleição, antes da sua posse e ao receber o John Bolton em sua casa no Rio de Janeiro, num condomínio, ele ofereceu ao John Bolton uma base militar dos EUA no Brasil. Isso pegou de surpresa todos os brasileiros, mas sobretudo os militares que estão, boa parte deles, na base de apoio ao Governo Bolsonaro. Depois nós tivemos no caso do chamado Grupo de Lima em que o Ministro das Relações Exteriores chegou a endossar uma proposta de invasão da Venezuela, e que depois na segunda reunião ele já não foi mais e quem foi representando o Brasil foi o vice-presidente, General Hamilton Mourão, que disse que não ia ter nenhuma aventura bélica desse tipo por parte do Brasil contra qualquer um dos seus vizinhos, ou país da América do Sul. Depois, o presidente dos EUA, ao se retirar do Acordo de Paris, o governo brasileiro também veio desmontando a política ambiental no Brasil e isso sem dúvida nenhuma, ainda mais no caso da Amazônia com as queimadas, o aumento do desmatamento, a tentativa de inviabilizar o Fundo da Amazônia com a Noruega e a Alemanha.

Então, o Brasil internacionalmente, como tem sido dito por muitos, está numa condição de pária internacional e o que vem sendo feito, não é que houve uma mudança ou continuidade do Itamaraty, houve sim uma destruição do que vem sendo feito desde 1985, pelo menos, no que diz respeito à presença do Brasil na cena internacional.

O [ex-Ministro] Celso Amorim chegou a usar uma expressão no início do Governo Temer, de que o Brasil iria para o “cantinho do mundo”, mas hoje nem no cantinho do mundo o Brasil está, não tem esse cantinho para ele. É deplorável o que ocorre com a política externa brasileira. Mesmo analistas mais conservadores da política externa brasileira, analistas mais próximos até desse governo, já tem dificuldade em identificar alguma linha racional ou lógica da atuação internacional do Brasil. O que esse governo faz com a política externa brasileira é condicionar e subordinar o Brasil, um país dessa importância, com essa magnitude, sem querer superestimar o Brasil mas há um alinhamento “nu e cru” quase similar ao que a Argentina chegou a expressar durante o Governo [Carlos] Menen de “relaciones carnales” com os EUA, ou seja, uma relação que coloca o Brasil em uma posição ainda mais vulnerável internacionalmente e não representa objetivamente a defesa de nenhum interesse nacional.

Há essa falta de uma linha, de uma diretriz da política externa brasileira, uma falta de racionalidade e de senso lógico, porque o Itamaraty vem sendo não só desprestigiado pelo Governo Bolsonaro, mais do que isso, vem sendo corroído por dentro por um Ministro que até esse momento não dá mostras de nenhuma linha de defesa dos reais interesses da política externa do Brasil.

A não ser essa [mais recente] em que assessores do Steve Bannon, que é um ideólogo da extrema direita nos EUA e que agora uma das pessoas do seu movimento está em processo, tentando se mudar [juridicamente] a assessoria do Itamaraty para que esse sujeito ligado ao Bannon venha ser assessor especial do Ministro das Relações Exteriores do Brasil! E ainda não há nenhuma reação infelizmente da sociedade brasileira, nem matérias na imprensa, mas também o próprio corpo diplomático que vem assistindo isso de maneira imóvel, e nós sabemos da dificuldade que eles têm de reagir. O fato é que está sendo confundido o Itamaraty, um Ministério que é de Estado com o Governo. E disso temos mostras diárias que vêm sendo dadas por aqueles que são responsáveis pela política exterior do Brasil.

JM: Muito obrigada professor, espero poder contar contigo em outra oportunidade também.

 

* Juliana Medeiros é jornalista, repórter de política da Rádio Cultura FM de Brasília.

 

Confira a íntegra da Carta enviada por Samuel Moncada em português:

 

No. 00136

 

Nova York, 15 de junho de 2020

 

Sua Exc.ª. Sr. António Guterres

Secretário Geral

Nações Unidas

 

Ilustre Secretário Geral,

 

Tenho a honra de dirigir-me a Vossa Excelência na oportunidade de me referir à perigosa situação que sofre a América do Sul, incluindo a República Bolivariana da Venezuela, como resultado do avanço agressivo da COVID-19 e da irresponsável atuação do Sr. Jair Bolsonaro, Presidente da República Federativa do Brasil, país onde hoje se encontra o principal foco da enfermidade em nossa sub-região.

Desde o momento em que a Organização Mundial da Saúde (OMS) declarou a evolução da infecção por COVID-19 como uma pandemia, o governo do Presidente Nicolás Maduro Moros lançou uma série de medidas para garantir a proteção e o bem-estar do povo venezuelano, incluindo seu direito à saúde e à vida, bem como para cooperar com os esforços globais destinados a conter a propagação desta terrível doença. A estratégia venezuelana foi coordenada com o Sistema das Nações Unidas, a fim de garantir sua eficácia e ajustá-la aos protocolos internacionais que foram estabelecidos.

Hoje, apesar da campanha de agressão a que nosso país está sujeito, a Venezuela é o país com a menor taxa de contágio e com o menor número de casos confirmados de COVID-19 por milhão de habitantes na América Latina e no Caribe, enquanto se encontra na vanguarda em número de testes de triagem administrados à milhões de habitantes em nossa região. Isso é possível graças à compreensão imediata do nosso governo da magnitude da emergência sanitária, bem como da solidariedade e assistência técnica fornecida por vários parceiros, incluindo o Sistema de Nações Unidas.

Excelência,

Segundo dados da Organização Pan-Americana da Saúde (OPAS), até 15 de junho, o hemisfério ocidental registrava mais de 3.841.609 pessoas infectadas, das quais a República Federativa do Brasil representa 22,13% do total. No período compreendido entre 29 de fevereiro a 15 de junho deste ano, o número de casos confirmados naquele país, alcançou a cifra preocupante de 850.5141¹ – ou seja, 10,87% de todos os casos relatados à OMS em todo o mundo -, com o lamentável falecimento de 42.720 pessoas. É por isso que a atual situação sanitária no Brasil coloca em sério perigo milhões de vidas, dentro e fora desse país, e afeta negativamente as ações que nosso governo implementou para controlar a disseminação da doença e suas consequências devastadoras.

Como o senhor bem sabe, o Brasil é o país com a maior extensão territorial da América do Sul, compartilhando fronteiras com nove (09) países da nossa região, incluindo 2.200 quilômetros com a Venezuela. Portanto, um fator que causa profunda preocupação a nossa nação é a porcentagem de casos confirmados de COVID-19 na população dos estados fronteiriços brasileiros do Amazonas e de Roraima, onde há uma intensa transmissão comunitária do vírus. Neste 15 de junho, por exemplo, toda a Venezuela registra 3.062 casos confirmados, enquanto apenas os dois estados fronteiriços do Brasil contabilizam mais de 62.000 casos confirmados.

À luz do exposto, permita-nos enfatizar que a negligência criminosa do governo brasileiro ao abordar essa realidade nas regiões limítrofes da fronteira sudeste de nosso país é motivo de grande alarme, considerando a alta mobilidade humana que se registra hoje nessa área, quando milhares de migrantes venezuelanos, fugindo da discriminação, da xenofobia e outras formas relacionadas de intolerância as quais tem sido vítimas no país vizinho, retornam voluntariamente à Venezuela, o que poderia desencadear a propagação do vírus em nosso território nacional, muito apesar dos protocolos que estão sendo implementados nas diferentes fronteiras nacionais diante do retorno voluntário de milhares de compatriotas.

Excelência,

A catástrofe sofrida pelo Brasil como consequência da COVID-19 afetará, sem dúvida alguma a República Bolivariana da Venezuela e a todos os países da região. Nesse sentido, permita-nos chamar sua atenção para algumas ações alarmantes do Governo do presidente Jair Bolsonaro, que são chaves fundamentais em relação à pandemia:

  1. Negação da severidade da pandemia: Em um pronunciamento que ocorreu em 25 de março de 2020, o presidente Jair Bolsonaro atacou o fechamento de escolas e comércios em algumas partes do seu país para conter a disseminação da COVID-19, que ele comparou com uma “gripezinha” ou um “resfriadinho”². Da mesma forma, enquanto outros países da região tomaram severas medidas de confinamento para retardar a propagação do vírus, o Presidente Bolsonaro participava de uma manifestação no dia 18 de maio de 2020³, na cidade de Brasília, contrária às medidas de proteção para a população promovidas pelos governadores das unidades federativas regionais, reafirmando assim seu menosprezo por dados científicos, por esforços dos trabalhadores da saúde e da comunidade internacional para salvar o maior número de vidas possível.
  2. Carência de uma política pública coerente para contenção da pandemia: Durante o primeiro trimestre de 2020, o mundo inteiro pôde observar como o presidente Jair Bolsonaro removeu dois (02) Ministros da Saúde pelo simples fato de apelarem ao bom senso que deve prevalecer frente a calamidades como a levantada pela COVID-19. Esse vazio se torna mais evidente quando, em 20 de março de 2020, o presidente Bolsonaro decretou a reversão da competência dos Estados para restringir os movimentos da população em um esforço para conter a propagação do vírus. Quatro dias mais tarde, o poder judiciário se viu obrigado a intervir para revogar a ordem, pois colocava em risco a saúde e mesmo a vida de toda uma nação. É claro que estamos diante de um Chefe de Estado e Governo que intencionalmente impede, com abuso de autoridade, a salvação das vidas de seu próprio povo.
  3. Ameaças ao multilateralismo: Nos últimos dias, o Presidente Jair Bolsonaro disse aos meios de comunicação que o Brasil poderia seguir o mesmo curso adotado pelos Estados Unidos e decidir retirar-se da OMS. Hoje, mais do que nunca, essa pandemia mostrou que a solidariedade e a cooperação internacional multilateral são fundamentais, tanto para salvar vidas como para proteger as conquistas da humanidade no último século. A retirada do Brasil da OMS, em meio ao terrível custo humano da pandemia, só pode ser entendida como um ato de desprezo do Presidente Bolsonaro contra a vida de seus cidadãos e contra as vidas de todos os povos da região.

À luz do exposto, podemos afirmar, sem medo de equivocarmo-nos, que hoje o presidente Jair Bolsonaro e seu governo se converteram no pior inimigo dos esforços para sairmos vitoriosos da pandemia da COVID-19 na região da América Latina e Caribe.

Em consequência, solicitamos muito respeitosamente os bons ofícios de Sua Excelência, para exortar as autoridades do Brasil a cessarem suas ações imprudentes na luta contra esta enfermidade mortal. A enorme importância do Brasil na região faz com que sua influência seja ampliada, tanto para fazer o bem quanto para fazer o mal. É doloroso ver como hoje está desperdiçando a oportunidade de liderar a luta para salvar milhões de vidas e, ao contrário, está se convertendo em um gigantesco agente regressivo e destrutivo. Dessa forma, hoje o Brasil é uma verdadeira bomba humanitária que põe em risco a saúde, o bem-estar e a vida de nossos povos.

Sem mais referências, e agradecendo antecipadamente a atenção que brinda a esta carta, aproveito para reiterar a Sua Excelência as garantias da minha mais alta estima e consideração.

 

SAMUEL MONCADA

Embaixador, Representante Permanente da

República Bolivariana da Venezuela perante as Nações Unidas

 

  • Tradução: Juliana Medeiros

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O caso Mariana Ferrer, por Honoré de Balzac

Enfim, “de todas as mercadorias deste mundo, a mais cara é sem dúvida a justiça”.

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O caso Mariana Ferrer por Honoré de Balzac

Por Dirce Waltrick do Amarante*

Quando o escritor francês Honoré de Balzac teve acesso ao vídeo da audiência de Mariana Ferrer, ele decidiu escrever o Código dos homens honestos, isso nos idos de 1875, mas só agora estou tornando públicas suas palavras, que estavam sob segredo de justiça.  

Em uma análise bastante rigorosa, Balzac lembra, em primeiro lugar, que sabemos perfeitamente bem que “em princípio, ficou estabelecido que a justiça seria para todos, mas […]” . A tradução é de Léa Novaes, pois Balzac tinha dificuldade em escrever em português.

Dito isso, ele fala da figura do procurador. Em tempos idos, diz Balzac, os procuradores “levavam tão a sério o interesse de um cliente que chegavam a morrer por eles”. Além disso, eles “nunca frequentavam a sociedade”, e se a frequentassem eram vistos como “monstros”, mas hoje, “hoje tudo está monetarizado: já não se diz que Fulano foi nomeado procurador-geral, vai defender os interesses de sua província […]. Não, nada disso; o senhor Fulano acaba de conquistar um belo posto, procurador-geral, o que equivale a honorários de vinte mil francos […]”.

Balzac ia falar da figura do juiz e do defensor público, mas depois de tudo que assistiu ficou sem as palavras justas para descrevê-los.

Então, o escritor francês decidiu se debruçar sobre o papel do advogado, que “frequenta bailes, festas […] despreza tudo o que não é elegante”. E, diz Balzac, “Justiça seja feita aos advogados […]! São os decanos, os chefes, os santos, os deuses da arte de fazer fortuna com rapidez e com uma sagacidade que os torna merecedores de muitos elogios”.

Enfim, “de todas as mercadorias deste mundo, a mais cara é sem dúvida a justiça”.

Não citei na íntegra o texto do Balzac, porque foram esses os únicos fragmentos aos quais tive acesso, os outros foram apagados.  

*Formada em Direito, em 1992, na Universidade Federal de Santa Catarina

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O show de Trump: renovação ou cancelamento?

A eleição nos EUA e o destino da democracia na condição atualista

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Nos EUA voto popular não significa vitória. Biden terá mais votos do que Trump e ainda assim o resultado da eleição continuará indefinido por algum tempo. Apesar dos descalabros que marcaram a gestão Trump antes e durante a pandemia, o seu desempenho na atual corrida eleitoral será muito forte.

Mateus Pereira, Valdei Araujo e Walderez Ramalho, professores da Universidade Federal de Ouro Preto (UFOP) em Mariana, MG

A disputa está sendo muito mais acirrada do que era inicialmente previsto pela maior parte dos institutos de pesquisa e da mídia americana, embora a cautela e o medo nunca deixaram de estar presentes. Sob esse ponto de vista, as eleições deste ano são como uma repetição do que vimos em 2016, ainda que o resultado possa ser a derrota eleitoral para Trump. Em 2016 foram os democratas que denunciaram a interferência russa, agora é o presidente-agitador que se apressa em questionar a legitimidade do pleito, sem mostrar nenhuma prova. Sabemos que no ambiente do atualismo provas têm como base apenas convicções.

Um sistema eleitoral que sobreviveu por séculos, sem grandes mudanças, pode ter se tornado obsoleto desde a eleição de Bush, em 2000. Um lembrete do possível declínio da democracia americana: das últimas oito eleições presidenciais desde 1992, os democratas venceram no voto popular as últimas sete, mas em apenas quatro ocasiões ganharam o colégio eleitoral e fizeram o presidente.

Acreditamos que as eleições nos EUA são um exemplo do confronto entre duas estratégias e duas concepções sobre fazer política: de um lado, Trump e sua promessa de eterna atualização da atualidade em modo nostálgico; e Biden, com sua aposta moderada no cansaço na agitação atualista que seu adversário republicano encarna e radicaliza, e a retomada da política em moldes liberais. Essa retomada é feita sem uma crítica efetiva ao modelo neoliberal abraçado pela cúpula do partido democrata. Uma aposta radical, como Sanders, teria se saído melhor? É difícil dizer, mas tudo leva a crer que não, tendo em vista o complicado xadrez do voto estado a estado.

A escolha entre as duas estratégias/concepções se mostrou muito mais difícil e apertada do que se imaginava. A tal “onda azul” anunciada por parte da imprensa estadunidense esteve longe de acontecer. De fato, Trump se mostrou eleitoralmente muito mais forte do que os analistas supunham. Considerando que esta não é a primeira vez que os institutos de pesquisa falharam em captar esse movimento no eleitorado americano, e considerando também que fenômeno semelhante ocorreu no Brasil em 2018, coloca-se a questão de saber se as tradicionais pesquisas de opinião tornaram-se de alguma forma obsoletas em um mundo atualista. Esse quadro muda pouco, mesmo com uma  eventual vitória de Biden ou pior, com uma inconveniente reeleição de Trump.

São vários fatores que devem ser considerados para avaliar essa questão. Os próprios institutos se apressaram a ensaiar algumas explicações ao público. O diretor da Trafalgar Group, Robert Cahaly, afirmou que muitos eleitores “esconderam”, como já havia acontecido, sua preferência por Trump por algum receio ou constrangimento social.[1] Não podemos desconsiderar algum tipo de boicote/sabotagem dos eleitores republicanos, já que na retórica do trumpismo as pesquisas de opinião fazem parte da mídia vendida. Outros recorreram à justificativa de que as pesquisas anteriores representavam apenas fotografias do momento específico em que as entrevistas foram feitas, e não o que se poderia esperar na eleição propriamente dita. Isso poderia ter sido de fato observado pela tendência de redução da vantagem de Biden nos últimos 15 dias. Afinal, o episódio da contaminação de Trump e sua rápida recuperação pode ter tido um saldo positivo, ao menos na mobilização de sua base, como já havíamos especulado em coluna anterior.

Aceite-se ou não essas justificativas, fato é que os institutos de pesquisa sairão dessas eleições com sua credibilidade e imagem pública mais arranhadas, sobretudo diante das especificidades do sistema eleitoral americano. Como afirmamos, muitos fatores concorrem para esse desgaste. Um deles está relacionado à condição atualista que caracteriza o nosso presente e como cada um dos candidatos se coloca frente a tal condição.

Trump é um político bastante sintonizado com o ambiente da comunicação atualista onde as provas dispensam comprovação factual. Seja nas redes sociais, seja em seus concorridos comícios, o presidente se revela um comunicador difícil de ser batido. Dentre os aspectos associados à condição atualista, destacamos a intensidade e velocidade sem precedentes do fluxo de notícias, em detrimento dos protocolos de verificação e checagem da informação veiculada. Esse ambiente infodêmico[2] é particularmente fértil para a produção de desinformação e sua disseminação como misinformação.[3] Além das informações imprecisas, para não dizer apenas falsas, que a infodemia trumpista ajuda a difundir, é preciso levar em consideração a agitação/ativação que produz. É como se a oposição se agitasse confusamente e a base trumpista se ativasse a cada um de seus comentários polêmicos. Assim, o uso constante das redes sociais para disseminar fake news ou comentários faz com que, seja de modo positivo ou negativo, o presidente esteja sempre no foco da mídia. O acúmulo de notícias sobre suas falas ou atos inconsequentes faz com que seja difícil recuperar qual foi o absurdo dito ou feito na semana anterior. Na condição atualista há um valor excepcional em estar mais atualizado (e exposto) que o seu adversário. 

Ainda assim, a manipulação das fake news como ferramenta política supõe uma linguagem organizada para se tornar eficaz. Essa afirmação pode soar chocante à primeira vista: como podemos atribuir coerência a um discurso fundamentado em desinformação e que frequentemente e sem o menor pudor afirma hoje o contrário do que disse ontem, como o exemplo do uso de máscaras na pandemia?[4] O ponto aqui é que a condição atualista coloca muitos obstáculos para que o passado, mesmo o mais recente, seja trazido à reflexão. Assim, quando confrontados com suas próprias contradições, políticos atualistas como Trump e Bolsonaro simplesmente atualizam suas narrativas e afirmações quando as anteriores se tornam insustentáveis. Com muita frequência, os seus discursos mudam em função da conveniência da atualidade, sem a mínima necessidade de se prestar conta da contradição com o que eles mesmos diziam no dia anterior.

Essa estrutura atualista do discurso político só se torna eficaz, porém, no interior de uma linguagem organizada e facilmente identificável pelo público que a compartilha, no interior de uma condição material de reorganização do mundo do trabalho e do capital. A crise de 2008, concentração de renda, neoliberalismo, capitalismo de vigilância e a formação do atual “precariado” são elementos, dentre outros, fundamentais para entender a emergência de líderes que governam e são eleitos por pequenas maiorias mobilizadas pela historicidade e ideologia atualista. Só assim podemos entender a força de Trump na eleição independente do resultado final, ainda que sua derrota  interesse a todos os democratas do mundo.

Trump lança mão de artifícios retóricos quando confrontado com suas afirmações evidentemente baseadas em mentiras e contradições, de tal maneira que ele consegue, mesmo em tais situações, transmitir e reforçar o código entre o seu público. O código se estrutura em uma lógica antagonista, na qual o portador é sempre vítima de perseguição por parte do establishment e da imprensa vendida para a “esquerda corrupta” ou as corporações globalistas.

O ponto principal a ser considerado é que para ser politicamente eficaz não é necessário que o código seja compartilhado por todos; mas que seja continuamente ativado junto aqueles que já o compartilham. Por mais que esteja sustentado em desinformações, o fato é que o código é bastante poderoso na ativação de afetos políticos centrais como o medo, ódio e ansiedade, vetores de forte engajamento e agitação política que Trump e Bolsonaro sabem tão bem promover.

O sucesso dessa estratégia se coaduna com a popularização das redes sociais e dos smartphones, bem como das novas tecnologias de processamento de dados manipulados para fins políticos. Nesse contexto, tornou-se possível criar e difundir mensagens sob medida para cada tipo de público, cada indivíduo ou grupo formula suas próprias percepções sobre o mundo a partir de narrativas (códigos) que não mais precisam ser expostos publicamente a todos para serem eficazes. Após alguns reconhecimentos iniciais, os algoritmos se encarregam de abastecer-nos das notícias que nos mobilizam, sempre com o mesmo teor e formato. Reforça-se, assim, o fenômeno das “bolhas”.[5] Esses códigos podem circular de forma subterrânea, de tal modo que o que parece absurdo e chocante para uns, é perfeitamente aceitável e normalizado para outros.

Esse ambiente de circulação de notícias e códigos é condizente com a ordem atualista de nosso tempo e, ao nosso ver, é um fator importante a ser considerado no desempenho surpreendente de Trump nestas eleições. E um dos preços a se pagar para tal sucesso é a radicalização do clima de agitação que tem marcado a nossa época. Esse quadro tem resultado inclusive em distúrbios psicológicos cada vez mais comuns, como o “transtorno do estresse eleitoral”, que segundo estimativas afeta sete em cada dez cidadãos estadunidenses.[6]

Os políticos atualistas claramente não se importam em pagar esse preço, na verdade eles têm lucrado com isso. Mas, ao fim e ao cabo, eles não podem evitar completamente os efeitos colaterais de suas apostas. Agitação e dispersão geram também cansaço no eleitorado. Biden e os democratas tomaram esse efeito como vetor de suas estratégias para estas eleições. Frente à irrefreável agitação de Trump, Biden se vendeu como a opção mais “centrista”, de moderação e convergência. A divergência entre as duas estratégias foi mais uma vez demonstrada logo após o fechamento da votação: enquanto Trump se apressou em declarar-se vencedor e dizer que irá judicializar a eleição em caso de derrota, Biden classificou tal postura como “ultrajante” e pregou calma aos seus apoiadores[7].

Mesmo que a vitória do democrata seja confirmada, é inegável que o preço desse lance foi bastante alto. A imprensa americana noticiou como parcelas importantes do eleitorado negro, que o próprio Biden afirmou ser “a chave para a vitória”, relataram estarem pouco motivados a votarem no candidato democrata.[8] O mesmo ocorreu entre parte do eleitorado hispânico, em especial na Flórida e no Texas. O conservadorismo nos costumes, a adesão a denominações evangélicas que tem crescido entre hispânicos e a tradição anticomunista dos cubanos, e agora também venezuelanos, na Flórida, são fenômenos a serem considerados. Enquanto fechamos essa coluna Trump ainda lidera na Pensilvânia, estado no qual o operariado branco migrou dos democratas para o trumpismo. No último debate, Biden acabou por reconhecer que teria que acabar com a exploração do altamente poluente gás de xisto, o que foi imediatamente explorado por Trump: “Eis uma declaração importante”, ironizou o presidente. Caso perca por margem apertada na Pensilvânia, onde os trabalhadores dessa indústria são amplamente sensíveis ao tema, talvez essa declaração tenha custado a eleição.

Para entender melhor essas flutuações teríamos que fazer algo pouco praticado durante a campanha, uma avaliação retrospectiva fundada em boa informação acerca das políticas públicas implementadas por democratas e republicanos, em especial nos governos Obama e Trump. O apoio ao republicano não é apenas resultado da mágica da comunicação, deriva também da tibieza das políticas democratas e dos acertos de Trump. Reforma do sistema criminal, política externa menos intervencionista, foco na economia e na criação de empregos, com bons resultados, ao menos até a pandemia.

A decisão das eleições primárias do Partido Democrata em nomear um candidato “centrista” para concorrer nessas eleições – ao contrário de uma opção mais radical do populismo de esquerda como Bernie Sanders – foi importante para unificar o partido (em especial o seu establishment) e angariar o apoio do eleitorado “cansado” da agitação radicalizada. Por outro lado, a figura moderada de Biden não se mostrou capaz de promover um grau de engajamento e mobilização do público à altura do seu adversário agitador, nem está claro ainda se seu discurso de união nacional conseguiu atrair eleitores de Trump. Essa diferença é importante em um contexto onde o voto não é obrigatório e, no caso particular das eleições deste ano, ainda mais desencorajado pela pandemia do coronavírus.

Mesmo assim, a moderação pode ter sido eficaz para para derrotar a agitação, mas não para desativá-la. E ainda não podemos assegurar como os EUA sairá dessas eleições, pois Trump continua sendo quem é. Há ainda o risco de o agitador perder e não aceitar sair, e as consequências disso poderão ser catastróficas. E mesmo que ele saia, o trumpismo – o negacionismo, o anti-esquerdismo, o desejo de retorno a um passado glorioso e mítico – ainda permanecerá em parcelas consideráveis da população.

O que tudo isso ensina para o campo democrático brasileiro, que tem de enfrentar a sua própria versão de agitador atualista? Desde o início da votação nos EUA, Bolsonaro disparou freneticamente uma série de tweets ressoando as alegações infundadas de seu ídolo sobre as eleições serem “fraudadas” a favor dos democratas, o que seria um risco para a “liberdade” e para o Brasil. Afinal, nosso agitador atualista tupiniquim sabe bem que a permanência de Trump é uma força de sustentação fundamental para ele. As relações entre EUA e Brasil deixaram de ser uma relação entre Estados, mas sim uma relação de “amizade” (leia-se emulação e, do nosso ponto de vista, subserviência) entre os chefes de turno da Casa Branca e do Palácio do Planalto.

Assim, e seguindo o estilo atualista de fazer política, Bolsonaro ressoa as afirmações sem fundamento de Trump, sem se preocupar com a veracidade e desprezando o princípio diplomático básico da impessoalidade. Mas Bolsonaro também tem seu próprio código “alternativo”, cujo enfrentamento é a tarefa prioritária das forças democráticas no Brasil, que deverá avaliar e tomar suas próprias escolhas para vencer o confronto. Assim como o trumpismo, nos Estados Unidos, o bolsonarismo é um fenômeno que não necessariamente depende da permanência de Bolsonaro no poder: ele mobiliza parcelas consideráveis da população através de seus discursos, que defendem o conservadorismo nos costumes, o liberalismo na economia, a luta contra “o sistema”, a religião e a admiração pelo militarismo.

Será que a aposta moderada e centrista será suficiente para derrotar o bolsonarismo aqui? Mesmo que por pouco? Ou, em nosso contexto particular, faz-se necessário redobrar a aposta na radicalização pela via da esquerda? Mesmo que a vitória de Biden seja confirmada, ainda não está claro qual das duas vias parece a mais indicada para o Brasil. Enfim, tudo indica um destino trágico da democracia liberal de “pequenas maiorias” em tempos de agitação atualista. Sem negar a nossa atual realidade, cabe a nós pensar e imaginar alternativas, por mais difícil que pareça ser em nosso atual nevoeiro e impregnados por uma sensação de asfixia. Além disso, a lentidão com que a apuração avança em alguns estados decisivos promete nos deixar hipnotizados pelos mapas eleitorais na expectativa da atualização decisiva.

(*) Mateus Pereira e Valdei Araujo escreveram o Almanaque da Covid-19: 150 dias para não esquecer ou o encontro do presidente fake e um vírus real com Mayra Marques. Ambos são professores de História na Universidade Federal de Ouro Preto, em Mariana (MG). Também são autores do livro Atualismo 1.0: como a ideia de atualização mudou o século XXI e organizadores de Do Fake ao Fato: (des)atualizando Bolsonaro, com Bruna Klem. Walderez Ramalho é doutorando em História na mesma instituição. Agradecemos à Márcia Motta e ao grupo Proprietas pelo apoio e interlocução nesse projeto.


[1] https://noticias.uol.com.br/colunas/thais-oyama/2020/11/04/o-eleitor-oculto-de-trump-e-o-novo-erro-dos-institutos-de-pesquisa.htm

[2] PEREIRA, Mateus; MARQUES, Mayra; ARAUJO, Valdei. Almanaque da COVID-19: 150 dias para não esquecer, ou a história do encontro entre um presidente fake e um vírus real. Vitória: Editora Milfontes, 2020.

[3] Usamos aqui um neologismo para dar conta da diferença que em inglês é mais clara entre a produção deliberada de notícias falsas (disinformation) e sua disseminação involuntária (misinformation).

[4] https://noticias.uol.com.br/internacional/ultimas-noticias/2020/07/20/trump-muda-discurso-e-agora-diz-que-usar-mascara-e-patriotico.htm

[5] EMPOLI, Giuliano Da. Os engenheiros do caos: como as fake news, as teorias da conspiração e os algorítimos estão sendo utilizados para disseminar ódio, medo e influenciar eleições. São Paulo: Vestígio, 2019.

[6] https://www1.folha.uol.com.br/mundo/2020/10/quase-sete-em-cada-dez-americanos-relatam-transtorno-do-estresse-eleitoral.shtml

[7] https://br.noticias.yahoo.com/em-pronunciamentos-biden-prega-calma-e-trump-faz-acusacao-de-roubo-065922289.html

[8] https://www.aljazeera.com/news/2020/9/12/biden-battles-trump-lack-of-enthusiasm-among-black-voters

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Feminismo

Que tal ajudar Mariana Ferrer a obter Justiça?

Não basta lacrar. Um chamamento a todas as feministas e a todas as mulheres para que enfrentemos a misoginia dos tribunais brasileiros

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Mariana Ferrer chora durante julgamento em que foi humilhada o ofendida

A reportagem do Intercept Brasil sobre a denúncia de estupro da influencer Mariana Ferrer tornou-se viral nas redes. Sob o título JULGAMENTO DE INFLUENCER MARIANA FERRER TERMINA COM SENTENÇA INÉDITA DE ‘ESTUPRO CULPOSO’ E ADVOGADO HUMILHANDO JOVEM, o texto da repórter Schirlei Alves serviu de base para milhares e milhares de postagens sobre a excrescência jurídica que teria embasado a absolvição do empresário André de Camargo Aranha. Até as 15h30 de ontem (4/11), o Google devolvia 781.000 resultados, quando se procurava pela expressão “estupro culposo”. Memes, charges, textões e textinhos foram produzidos em escala industrial para provar que um estuprador havia conseguido sentença absolutória graças a uma invencionice jurídica obrada pela Justiça, com vistas a proteger um macho branco, amigo de poderosos e, ele mesmo, “filho do advogado Luiz de Camargo Aranha Neto, que já representou a rede Globo em processos judiciais”, segundo a reportagem do Intercept.

Lida toda a sentença de 51 páginas do juiz do caso, Rudson Marcos, da 3ª Vara Criminal de Florianópolis, entretanto, constata-se que, em nenhum momento da sentença é dito que houve “estupro culposo” contra a jovem. Ao contrário, é dito que não existe essa tipificação e que o estupro é necessariamente doloso. Portanto, está errada a formulação do título do Intercept Brasil.

Está tão errada que o próprio site The Intercept Brasil foi obrigado, às 21h54, nada menos do que 19 horas e 50 minutos depois de publicada a história, a fazer uma “atualização” que diz assim:

“A expressão ‘estupro culposo’ foi usada pelo Intercept para resumir o caso e explicá-lo para o público leigo. O artíficio é usual ao jornalismo. Em nenhum momento o Intercept declarou que a expressão foi usada no processo.”

O Intercept faz como a música de Tom Zé: “Eu tô te explicando pra te confundir. Eu tô te confundindo pra te esclarecer.” Uma explicação que confunde. E, sim, o Intercept disse que a sentença inédita baseou-se no “estupro culposo”.

É só ler o título indigitado de novo:

JULGAMENTO DE INFLUENCER MARIANA FERRER TERMINA COM SENTENÇA INÉDITA DE ‘ESTUPRO CULPOSO’ E ADVOGADO HUMILHANDO JOVEM

Com as redes ajudando a espalhar a bobagem, todo mundo louco atrás de cliques, de “bombar”, da lacração, poucos deram-se ao trabalho de ler a sentença que, sim, absolveu o réu André de Camargo Aranha por “falta de provas”.

Uma pena.

Se, em vez da lacração, tivessem mirado no fato em si da absolvição do crime de estupro “por falta de provas”, talvez tivessem ajudado muito mais. Sabe-se que a cada 8 minutos uma mulher ou menina é estuprada no Brasil. Mas a maior parte desses crimes jamais será nem sequer investigada pela falta de indícios e elementos probatórios, já que ocorrem escondidos e, preferencialmente, sem testemunhas.

Mariana Ferrer, diz a sentença, não conseguiu provar a acusação que fez contra André de Camargo Aranha. Será? Está na sentença que o exame toxicológico não apontou o consumo de substâncias estupefacientes, como seria de se esperar se ela tivesse ingerido involuntariamente alguma droga do tipo “Boa Noite Cinderela”. A maioria das testemunhas ouvidas, várias mulheres inclusive, disse que a vítima não cambaleava e que não parecia dopada. As câmeras internas do Café de la Musique, onde teria ocorrido o estupro, mostram Mariana Ferrer subindo para um camarote e descendo, seis minutos depois, sem necessidade de ajuda (e de salto!!!!, como faz questão de ressaltar a sentença). Teria transcorrido nesses seis minutos o crime de estupro, de que Mariana Ferrer não tem memória.

Mas Mariana Ferrer diz ter inúmeras provas irrefutáveis do estupro e que nem sequer foram levadas em consideração pelo julgador.

E, no entanto, todas as mulheres sabem da dificuldade de “provar” a violência sexual, quando ela ocorre entre quatro paredes, sem testemunhas. Mariana Ferrer não seria exceção. Nos trechos da vídeo-conferência que foi o julgamento, assombra a solidão da menina que denuncia, vítima de outros homens violentos, que a acusam de ser (ela sim), um monstro querendo prejudicar a reputação de um “pobre milionário”.

Como sempre acontece, a vítima deixa de ser vítima para se transformar no monstro sensual e ardiloso que precisa ser contido. A qualquer custo.

A verdade é que Mariana Ferrer estava sozinha.

Desde o dia em que alega ter sido estuprada (15/dezembro/2018), Mariana Ferrer tem pedido ajuda pelas redes sociais e tem narrado todo o sofrimento e a depressão que a assolam em decorrência do fato.

Quem foi ajudá-la a reunir provas? Quem foi ajudá-la a colher testemunhos que aumentassem a credibilidade de sua acusação? Quem foi ao Café de la Musique, onde ocorreram os fatos julgados, procurar indícios de que ali funcionaria um “abatedouro” de meninas destinadas ao gozo masturbatório de machos alfa? Quem?

Ou achamos razoável condenar alguém sem elementos probatórios que apoiem a denúncia?

Não, não é razoável.

Apenas a voz da vítima não pode embasar uma condenação. E quem defende isso precisa saber que abdicar de provas é apenas a reedição do velho punitivismo, é vingança. Não é Justiça. Pior, resultará na condenação sem provas dos mesmos criminalizados de sempre: os pretos, pobres e periféricos.

A única forma de evitar a perpetuação desse ciclo perverso requer de nós nós, feministas, que encaremos o estupro, cada estupro, como um problema nosso!

Temos de ajudar as vítimas a robustecer as provas da violência que sofreram. Temos de afrontar a Justiça machista, exigindo a presença de mulheres no julgamento. Tem de ser um trabalho nosso enfrentar a misoginia cuspida e escarrada de gente como Cláudio Gastão da Rosa Filho, o advogado de defesa de André de Camargo Aranha, que humilhou e ofendeu Mariana Ferrer enquanto exibia fotos dela que nada tinham a ver com o processo! Que nenhuma mulher mais tenha de enfrentar um julgamento de estupro apenas diante de homens, na solidão absoluta, como acontecia com as antigas feiticeiras.

Temos de incentivar a solidariedade entre nós, mulheres, para que acolhamos as vítimas, em vez de fingir que se trata de um problema só delas. Não há mulher ou menina que não tenha sido atacada ao menos uma vez em sua vida pela violência sexual. E nós sabemos disso em nossos próprios corpos!

É o pai, é o tio, é o avô, é o tarado que mostra o pinto para a adolescente, é o abusador que se acha no direito de ejacular na mulher dentro do trem lotado…

Temos de organizar o “Socorro Feminista”, para apoiar as mulheres que decidem denunciar a violência sexual.

Os tribunais brasileiros são câmaras de tortura contra mulheres, negros, indígenas e pobres em geral. As cenas de humilhação de Mariana Ferrer não são, infelizmente, exceções. São a regra.

É preciso atuar sobre esse front.

Então, precisamos entender que não se trata de um problema privado de Mariana Ferrer o desenlace de sua denúncia. É de todas nós!

Lembro da França, em 1971, quando uma mulher foi presa e julgada pelo crime de aborto, na época punível com a pena de morte pela guilhotina!

Em vez de “solidariedades”, textões de repúdio, e essas lacrações inúteis, 343 mulheres, entre elas as atrizes Catherine Deneuve e Jeanne Moreau, assinaram o manifesto escrito por Simone de Beauvoir, e assumindo que haviam feito, elas também, um aborto. A força desse texto e a coragem das signatárias empolgaram intelectuais como Françoise Sagan e Annie Leclerc, jornalistas conhecidas, de muitas feministas, a começar por Antoinette Fouque, da advogada Gisèle Halimi ou ainda da deputada socialista Yvette Roudy. Todas declararam ter realizado um aborto, como forma de quebrar o tabu de uma injustiça social.

A Justiça no Brasil é machista, é racista e é classista. Só incidindo juntas sobre ela será possível mudar esse regramento que sempre condena a vítima e libera o agressor.

Mariana Ferrer deve recorrer da sentença em primeira instância. Agora, é organizar a luta para mudar o rumo da História. Quem se dispõe?

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