A Câmara Municipal de São Paulo aprovou, em primeira votação, o Projeto de Lei nº 520/2001, proposto pelo vereador Celso do Carmo Jatene, filiado ao Partido da República (PR), que “dispõe sobre o estabelecimento de convênio entre empresas privadas e as unidades escolares da rede municipal de ensino”. Em outros termos, o projeto visa permitir que empresas privadas estampem suas marcas nos uniformes escolares de alunos da rede pública municipal.
Como se pode perceber, o projeto, que é de 2001, não é novo, tendo sido proposto muito antes do nascimento das crianças que atualmente estudam no ensino fundamental das escolas paulistanas. A ideia surgiu no mesmo ano do início da segunda gestão do PT na Capital, com Marta Suplicy (hoje vendid… filiada ao PMDB). Antes da gestão petista, os uniformes escolares não eram uniformizados, tendo cada escola seu próprio padrão, sem caráter gratuito.
A questão foi transformada com a Prefeitura assumindo a responsabilidade pela distribuição gratuita dos uniformes escolares para as crianças. O uniforme do aluno da EMEF Sérgio Milliet, do Carrão, passou a ser igual ao da aluna da EMEF João de Lima Paiva, em Guaianases, ou de qualquer outro estudante do ensino fundamental da rede municipal. Deu certo, e esta tem sido a regra até os dias de hoje. O projeto de Celso Jatene já nasceu morto pela política pública que se sucedeu no mesmo período.
O que seria difícil justificar naquela época se tornou impossível defender hoje. O que faz com que este projeto de 2001 volta à tona em 2017 é o governo de pilhagem do prefeito João Doria Jr (PSDB), que está impondo a assimilação dos serviços públicos pelas empresas privadas. Propor o uso de logomarcas em uniformes infantis só é possível na cidade de um prefeito que defendeu a entrega de “ração humana” para as pessoas mais pobres da capital. Em menos de um ano de “gestão”, o absurdo passou a parecer normal.
Estampar logotipos de empresas em uniformes não é incomum, desde que se trate do uniforme de um time de futebol. O Palmeiras, por exemplo, recebeu cerca de R$ 50.000.000,00 de patrocínio em um mês, em 2015. Há quem não goste, mas se trata um ente privado que não recebe recursos provenientes de recolhimento de impostos, já que futebol não é serviço público. Ganha o time, que pode investir em jogadores caros, e as empresas. Mas quando se trata de escolas públicas e de crianças, a situação é radicalmente diferente. O investimento da empresa certamente será muito menor, em vista dos benefícios que terá.
Crianças não podem ser usadas para carregar em seus corpos o logotipo de uma empresa, andando de casa para a escola como “homens-placa”, comuns em grandes centros urbanos. Pois o que está sendo oferecido às empresas não são espaços em peças de roupas destinadas a ficarem guardadas; são os corpos de crianças que vão para a escola para estudar e aprender a viver em sociedade.
Em tempos de “Escola Sem Partido”, há em andamento um projeto de doutrinação e disciplina neoliberal, voltada à promoção do consumo e da descrença nas instituições públicas. Não que eu acredite religiosamente no Estado; mas é impossível que a democracia (já combalida) sobreviva à destruição do espaço público em detrimento do privado.
Sendo o uniforme de uso obrigatório nas escolas, pode uma criança ser obrigada a carregar a marca de uma empresa que nada faz por ela? Não duvidem: tal absurdo só é possível num país que até não muito tempo vendia corpos negros escravizados.
No “Apocalipse Paulistano de Doria”, eis aí a “marca da besta”.