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Bolsonaro e seu reino da mentira compulsiva

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ARTIGO

Alexandre Santos de Moraes, professor do Instituto de História da Universidade Federal Fluminense, com charge de Júnior Lopes

Durante a campanha de 2018, dizia-se à boca pequena que o maior inimigo de Bolsonaro era o microfone. Não sem razão, a facada no abdômen foi fundamental para sua vitória, menos pela comoção e mais pela oportunidade de ficar em silêncio. Mas, aparentemente, cometer gafes e vomitar impropérios é um problema apenas se se é candidato, pois uma vez eleito, Jair tem dito desaforos sem qualquer constrangimento, num duelo titânico e diário contra o bom-senso. O microfone deixou de ser seu algoz. Seu inimigo agora é outro: a realidade.

Em alguns casos, é difícil dizer com precisão quando as políticas públicas vão produzir resultados visíveis e aferíveis. Há iniciativas que só podem ser sentidas a médio e longo prazos. Investimentos em Educação, por exemplo, exigem tempo: não se constrói escolas do dia pra noite e conhecimento não se produz num estalar de dedos. Contudo, há situações específicas, especialmente de caráter administrativo, que produzem efeitos imediatos e geram prejuízos muitas vezes irreversíveis. Quando se bloqueia a verba de custeio das universidades, por exemplo, elas deixam de funcionar porque não podem pagar as contas mensais e o salário dos funcionários. Quando se cancela a produção e distribuição de medicamentos, pessoas que deles dependem para permanecer vivas não conseguem esperar. Em situações como essas, os problemas batem na porta e forçam a entrada. O problema é que Bolsonaro não admite conviver com os dados de uma realidade que ele próprio tem produzido.

A escolha sensata – caso a sensatez fosse um predicado desse governo – seria trabalhar para a solução dos problemas, mas esse enfrentamento exige também contrariar uma série de interesses corporativos que Bolsonaro não quer e não pode contrariar. O presidente da República, quando percebeu que estava entre a cruz e a caldeirinha, adotou uma atitude desesperada e infantil: decidiu sobreviver através de mentiras e simulacros, produzindo uma atmosfera desesperada de negacionismo que só convence seus mais fanáticos seguidores.

Não é difícil entender essa opção. Além de preservar os privilégios dos oligarcas para quem governa, seria necessário ter competência para resolver os problemas e coragem para enfrentá-los. Não dá para esperar nem uma coisa, nem outra. Bolsonaro foge dos problemas como foge de debates, e para isso adota a postura cínica do mentiroso convicto: nega veementemente, ainda que não haja meios de negar. Diz que tem, sim, a intenção de privilegiar o filho ao nomeá-lo embaixador, mas isso não é nepotismo; diz que não chamou os nordestinos de “paraíbas”, ainda que tenhamos registro em áudio e vídeo; para ele, é impossível que brasileiros passem fome, ainda que muitos sofram e morram por falta de acesso aos alimentos; e, quando o resultado das pesquisas não se curvam à sua vontade, Jair recusa a realidade e questiona as metodologias.

Essa tem sido uma estratégia comum, pelo menos, desde abril desse ano. Começou com os dados acerca de desemprego publicados pelo IBGE, cujas pesquisas seguem padrões internacionais e são fundamentais para o estabelecimento das séries históricas. Em maio, a vítima foi a Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), instituição de prestígio internacional e responsável por pesquisas de inegável impacto junto à comunidade científica.

A publicação de um estudo sobre o consumo de drogas foi censurada pelo Ministro da Cidadania, Osmar Terra, porque contradizia o prognóstico pessimista que o governo julgava necessário: de acordo com a análise, apenas 9,9% dos brasileiros entre 16 e 75 anos alegaram ter consumido drogas ilícitas ao longo da vida, número que nega a tão sonhada epidemia de drogas que justifica práticas violentas e repressivas do Estado. Mais uma vez, o alvo foi a metodologia, dessa vez na escusa do ministro Sérgio Moro, que também decidiu atacar os resultados ainda que não tivesse qualquer pesquisa consolidada que contrariasse os dados. Recentemente, os disparos foram feitos na direção do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE).

As pesquisas divulgadas pelo INPE têm demonstrado um aumento significativo no desmatamento da Floresta Amazônica, fato sensível para a comunidade internacional e que dificulta a consolidação de diversos acordos comerciais. Os dados comprovam um aumento de 286% na devastação de áreas nativas de floresta a partir de janeiro desse ano, e não há aí qualquer surpresa. Não se trata de um acidente ou simples enfraquecimento da fiscalização, mas do resultado direto do afrouxamento de leis de proteção ambiental, do incentivo à mineração e à atuação de madeireiras em áreas de proteção ambiental, da desvalorização de políticas públicas para comunidades indígenas, da saída do Acordo de Paris e da própria dissolução do Ministério do Meio Ambiente, supostamente incorporado ao Ministério da Agricultura.

Apenas um milagre faria com que os números contrariassem a disposição do governo. O problema é que essa realidade não é boa para os negócios, mas como não há como fazer diferente, a solução é seguir a vereda da bravata e das acusações enviesadas.

Nesse caso, a vítima das mentiras presidenciais foi Ricardo Magnus Osório Galvão, diretor do INPE. Bolsonaro levantou a suspeita de que ele estaria “a serviço de alguma ONG”, razão pela qual o resultado da pesquisa estaria equivocado. O dirigente, por sua vez, não se curvou diante das falácias e argumentou que tais críticas sem embasamento são “ofensivas, inaceitáveis e lesivas ao conhecimento científico”.

Ricardo Galvão não apenas reafirmou o reconhecimento internacional do trabalho do INPE, a adequação metodológica e o resultado das pesquisas, mas convidou o presidente para um debate em que pudesse esclarecer as dúvidas. Bolsonaro, obviamente, seguiu sua natureza e fugiu, mas não deixou de convocar mais um de seus asseclas, o silencioso ministro Marcos Pontes, que fez coro à mesma ladainha outrora praticada por Sérgio Moro e Osmar Terra. O astronauta, que deve estar em vias de se tornar terraplanista para sustentar seus pequenos poderes, despiu-se do capacete espacial que usa para se esconder e questionou (adivinhem!) a metodologia do estudo, sem também oferecer uma alternativa metodologicamente mais adequada que mostrasse a inadequação dos números.

Tudo indica que, ao longo dos meses, a necessidade compulsiva de contrariar a realidade se consolidará como uma das marcas mais patéticas desse governo. Não há nem como alegar que Bolsonaro vive na ficção típica dos mitômanos que têm imensa dificuldade de achar seu lugar no mundo. O reino de Jair é o da mentira compulsiva, da negação permanente, da recusa abusiva, do descaramento irrefreado de quem se reconhece como inepto, mas não pode admitir as próprias fraquezas. Quando a realidade não serve, faz a opção por recusá-la, vivendo em um mundo que parece existir apenas como narrativa barata fabricada para as redes sociais. Dá-se, porém, que a realidade é visceral e inescapável, e se a realidade não serve a Bolsonaro, a recíproca é totalmente verdadeira.

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2 Comments

2 Comments

  1. Maurício De Souza Fonseca

    15/09/19 at 9:11

    Um verme arrastando todos para o inferno.

  2. Angela

    12/08/20 at 10:25

    Um ano depois e o “mito” só piora.

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Projeto Futuro do Presente, Presente do Futuro #5 – Carol Quintanilha: Reflorescendo

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Carol Quintanilha

Carol Quintanilha

Reflorescendo

Com este passar de tempos estranhos, estou começando a ficar mais otimista.
Impossível realisticamente. Mas utopicamente, para conseguir viver.
Estudando sobre possibilidades de mundos novos que florescerão.
Das ideias novas que crescem nas cabeças dos artistas,
renovadores de sonhos.
Dos nossos corpos, do corpo dos nossos filhos.
Precisamos voltar a sonhar
Se a distopia é possível. A utopia também pode ser!

Carol Quintanilha

Carol Quintanilha

Carol Quintanilha

Carol Quintanilha

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Carol Quintanilha

Carol Quintanilha

Carol Quintanilha

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Carol Quintanilha

Carol Quintanilha

 

Para conhecer mais o trabalho de Carol Quintanilha: www.carolquintanilha.com.br

 

O projeto Futuro do Presente, Presente do Futuro é um projeto dos Jornalistas Livres, a partir de uma ideia do artista e jornalista livre Sato do Brasil. Um espaço de ensaios fotográficos sobre esses tempos de pandemia, vividos sob o signo abissal de um governo inumanista onde começamos a vislumbrar um porvir desconhecido, isolado, estranho mas também louco e visionário. Nessa fresta de tempo, convidamos os criadores das imagens de nosso tempo, trazer seus ensaios, seus pensamentos de mundo, suas críticas, seus sonhos, sua visão da vida. Quem quiser participar, conversamos. Vamos nessa! Trazer um respiro nesse isolamento precário de abraços e encontros. Podem ser imagens revistas de um tempo de memória, documentação desses dias de novas relações, uma ideia do que teremos daqui pra frente. Uma fresta entre passado, futuro e presente.

 

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Projeto Futuro do Presente, Presente do Futuro #4 – Paulo Pereira: Contração

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Contração

Paulo Pereira

Contração

O Projeto “Contração” surge por uma necessidade de contato durante o período de quarentena e está sendo realizado na Cidade de São Paulo, Brasil. Idealiza uma visita, na intenção de encurtar distâncias entre sentimentos. O objetivo é pensar os meios de comunicação e as possibilidades de interação neste momento. O uso da tecnologia como ferramenta de aproximação, revelando a saudade.

“Contração” busca que, ao menos uma das pontas, seja “real”, em corpo físico. Pesquisa formas de contato fazendo uso de um drone. O drone como extensão dos meus olhos.

Faço um convite às avessas: convido-me para adentrar e para a troca, através de uma proximidade segura – uma das únicas formas possíveis de se fazer uma visita nesse momento – sem toque, sem físico… o olhar.

Retrato estas pessoas em suas casas, seus espaços possíveis. São a minha comunidade, meus vizinhos e minha rede de apoio. Cada qual vivendo em seus casulos, lugar onde aprendem o significado de reviver, o contexto espacial que lhes é possível, na tentativa de segurarem a vida… A deles e a de todas e todos.

Poder estar em casa neste momento, sabemos! já começa a ser um privilégio. No Brasil, vivemos um colapso político, além de todo o colapso já causado por uma pandemia. Trabalhar remuneradamente, quase já não faz parte do cotidiano da maioria do brasileiros e brasileiras, seja ele ou ela da classe social que for. Estamos à deriva, soltos à plena “sorte” e caminhando para uma situação de desumanidade geral.

Lembramos aqui da importância de se estar em casa e gritamos alto, cobremos  por políticas públicas que nos dêem condições de permanecer… Sobretudo Vivas e Vivos.

Contração

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Vejam mais trabalhos do artista:

https://www.instagram.com/paulopereiraox/

https://www.instagram.com/falangeav/

www.cargocollective.com/paulopereira

 

O projeto Futuro do Presente, Presente do Futuro é um projeto dos Jornalistas Livres, a partir de uma ideia do artista e jornalista livre Sato do Brasil. Um espaço de ensaios fotográficos sobre esses tempos de pandemia, vividos sob o signo abissal de um governo inumanista onde começamos a vislumbrar um porvir desconhecido, isolado, estranho mas também louco e visionário. Nessa fresta de tempo, convidamos os criadores das imagens de nosso tempo, trazer seus ensaios, seus pensamentos de mundo, suas críticas, seus sonhos, sua visão da vida. Quem quiser participar, conversamos. Vamos nessa! Trazer um respiro nesse isolamento precário de abraços e encontros. Podem ser imagens revistas de um tempo de memória, documentação desses dias de novas relações, uma ideia do que teremos daqui pra frente. Uma fresta entre passado, futuro e presente.

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Projeto Futuro do Presente, Presente do Futuro #2 – Melissa Guimarães: a Saudade do olhar

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a Saudade do olhar

MELISSA GUIMARÃES

A SAUDADE DO OLHAR

 

No presente do futuro o tempo está suspenso. Dos afetos, tenho a ausência. As fotos me trazem o passado, as lembranças de um tempo quando era possível estar junto, sentir o cheiro, o calor, o toque, o beijo. No presente do futuro tenho apenas as paredes, as janelas, os espelhos e as lentes para tentar fazer colagens capazes de juntar os tempos. Colagens que me fazem lembrar o som das risadas, o calor dos abraços, o doce dos beijos e a voz daqueles que se negam a desistir, porque jamais deixarão de crer que um mundo melhor é possível.

 

a Saudade do olhar

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Conheça mais o trabalho de Melissa Guimarães: www.instagram.com/melissaguimaraes.f

 

O projeto Futuro do Presente, Presente do Futuro é um projeto dos Jornalistas Livres, a partir de uma ideia do artista e jornalista livre Sato do Brasil. Um espaço de ensaios fotográficos sobre esses tempos de pandemia, vividos sob o signo abissal de um governo inumanista onde começamos a vislumbrar um porvir desconhecido, isolado, estranho mas também louco e visionário. Nessa fresta de tempo, convidamos os criadores das imagens de nosso tempo, trazer seus ensaios, seus pensamentos de mundo, suas críticas, seus sonhos, sua visão da vida. Quem quiser participar, conversamos. Vamos nessa! Trazer um respiro nesse isolamento precário de abraços e encontros. Podem ser imagens revistas de um tempo de memória, documentação desses dias de novas relações, uma ideia do que teremos daqui pra frente. Uma fresta entre passado, futuro e presente.

 

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