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Bauman e a utopia iconoclasta

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Em 2009 entrevistei o sociólogo Zygmunt Bauman para a revista Cult (clique aqui para ler). Após falar rapidamente pelo telefone, ele me pediu que mandasse as perguntas por email pois não estava com a audição boa. Não sei se foi uma forma educada (ou sarcástica) de dizer que não entendia o meu portinglês. De qualquer forma, enviei as perguntas para o email que ele indicou e dois dias depois chega cerca de 20 páginas de resposta com a recomendação: aproveite o que achar melhor.

Deu um trabalho imenso ler tudo aquilo, editar e depois mandar para ele revisar. A resposta foi lacônica e rápida: ok. Traduzi para o português, pedi para uma pessoa revisar a tradução e depois gastei dois dias com o designer da revista para montar as páginas em que sairia a entrevista na Cult.

Foi trabalhoso, mas recompensou (inclusive fiz isto durante as minhas férias de julho que foram quase todas consumidas por este trabalho). Já tinha lido várias obras de Bauman, particularmente as mais filosóficas que são as minhas preferidas – O mal estar da pós modernidade, última obra em que ele ainda utiliza o conceito de pós-modernidade; Modernidade líquida, quando ele passa a usar este conceito no lugar de “pós moderno”; Comunidade – a busca por segurança no mundo atual e Tempos Líquidos (quase uma síntese das idéias das obras anteriores).

Um dos seus livros mais vendidos no Brasil, Amor Líquido, foi o que menos gostei e Bauman disse que esta foi uma obra produzida rapidamente. Mas no Brasil ela chegou a ocupar as estantes de “auto-ajuda” nas livrarias (santa ignorância!) e muita gente interpretou equivocadamente que Bauman fazia uma defesa enfática dos relacionamentos duradouros ou “para toda a vida” quando o que ele apontava é que a insegurança do mundo contemporâneo penetra nas relações cotidianas e afetivas. Há um filme irlandês que alguns dizem ser inspirado nesta obra, “Todas as cores do amor” (Goldfish memory), dirigido por Elisabeth Gill.

Bauman era sociólogo e no campo do pensamento crítico e marxista. A brilhante releitura que ele faz de Freud em O mal estar da pós modernidade tem como base as mudanças estruturais na sociedade capitalista contemporânea. Os paradigmas produtivos e societários do capitalismo da era flexível forçam a novos arranjos institucionais (e ele se refere a decadência dos projetos do Welfare State) e isto tem como conseqüência o esvaziamento da esfera pública política – que ele vai afirmar, em Tempos Líquidos, como o divórcio entre o poder e a política – e a responsabilização individual pelos problemas que são de origem social. Daí então que a desregulação social cria uma ambiência em que não ocorre mais o dilema entre segurança e liberdade, de que fala Freud, mas uma guetificação dos espaços – aí a idéia de ordem e limpeza apontada por Freud é aplicada a sociedade contemporânea – e à medida que as relações sociais são guetificadas, a insegurança aparentemente desaparece e os sujeitos têm o direito de serem “livres” dentro dos seus guetos.

Por esta razão, Bauman faz uma crítica dura (particularmente na sua obra Vida Líquida) à chamada por ele, “esquerda multicultural dos Estados Unidos” por considerar que o problema não é apenas a reivindicação do direito à diferença, mas sim os comandos políticos da sociedade que se deslocaram para as corporações privadas e, portanto, sem qualquer controle social. A desregulação social tem, como única ordem, as exigências do capital, portanto as diferenças culturais podem perfeitamente serem absorvidas pelo sistema se elas possibilitarem novos ganhos para as corporações.

As obras de caráter mais filosófico de Bauman – O mal estar…, Modernidade Líquida, Tempos Líquidos, Vida Líquida, Amor Líquido – se concentram nesta “insegurança” estrutural da sociedade contemporânea e como as incertezas da condição humana. Na entrevista à revista Cult, ele faz uma metáfora: saímos de uma sociedade de jardineiros para uma de caçadores. Jardineiro é aquele que lavra e cuida da terra no presente para no futuro o jardim florescer. Caçador é aquele que sai a busca da caça para o seu sustento no dia – portanto, no presente. E afirma que em uma sociedade de caçadores, há imensas dificuldades de se florescer um projeto utópico, que ele define não apenas como um lugar distante, mas como “um lugar bom”.

Bauman afirma ainda que nos dias de hoje é necessário “reinventar a utopia”, sair de uma utopia de projetos para uma utopia iconoclasta, isto é, centrada na constante capacidade crítica.

Há um outro conjunto de obras de Bauman em que a sua vertente sociológica está mais presente, como Vidas para o consumo, livro em que ele aponta como os poderes constituídos aplicam as máximas de “limpeza e ordem” de Freud na seleção das pessoas que imigram para a Europa. Para o pensador polonês, vivemos em um capitalismo de “excessos”, como uma produção intensiva que demanda um consumo intensivo. Como conseqüência disto, há “consumidores” e “consumidores falhos”, a nova classe de excluídos que compõem os indesejáveis, o “lixo”, os “fora da ordem” submetidos ao discurso impositivo do consumo a qualquer custo, mas sem ter recursos para tanto. Aí, há uma referência a figura mítica grega de Tântalo, o homem que foi punido pelos deuses do Olimpo a ficar preso em um lago com uma árvore frutífera a altura da sua cabeça, podendo ver a água, mas não alcançando para bebê-la e também vendo as frutas mas não conseguindo come-las. Em determinados momentos, há a explosão destes “consumidores falhos” que arrebentam lojas e consomem “à força”, explicação dada por ele nos movimentos de jovens na Inglaterra em 2011.

A crítica fica mais ácida ao sistema social contemporâneo quando ele afirma o desperdício de vidas (Vidas desperdiçadas), a falência do sistema educacional, o esvaziamento do significado de juventude e a transformação da cultura na sociedade líquida como happenings.

Pessimismo? Apocalíptico?

Vemos no Brasil, no seu período histórico mais longevo de democracia (32 anos, contados a partir do fim da ditadura militar e a convocação da Constituinte) cenas de verdadeiro horror no sistema prisional aliado ao cinismo de determinados políticos, meios de comunicação e juristas que mencionam a famosa frase de Darcy Ribeiro de que era preciso construir mais escolas para evitar ter que fazer mais presídios e, ao mesmo tempo, apoiaram a aprovação da Emenda Constitucional que congela os investimentos públicos. Após o golpe parlamentar de agosto de 2016, alianças bizarras acontecendo entre partidos do governo golpeado com partidos golpistas em nome de uma tal governabilidade e um crescimento, nas últimas eleições municipais, da abstenção. E em vários outros países do mundo, a insegurança geral sendo aproveitada oportunisticamente pela extrema direita. Enquanto isto, os ativistas pelos direitos humanos e dos segmentos sociais subalternizados (negros, mulheres, LGBTs, imigrantes) sendo acusados de “vitimismo” e a extrema direita reivindicando o direito “democrático” de expressar seu discurso de ódio e de ataque à democracia.

Pesquisa da organização Conectas e publicada recentemente na Agência Pública e no jornal El Pais mostra os elos entre as estruturas do judiciário e o executivo do estado de São Paulo a ponto deste sentir-se a vontade para recusar-se a receber a notificação de uma liminar que proíbe o reajuste de tarifas de transporte público. Enfim, o que Bauman nos alerta é que os arranjos institucionais da chamada “modernidade” – os três poderes, o chamado quarto poder, o jornalismo, o “contrato social” – se liquefizeram, os seus formatos são modulados de acordo com as necessidades do capital globalizado.

Todas as instituições clássicas da modernidade, na qual ele inclui os partidos políticos, os meios de comunicação jornalísticos, as estruturas do poder de Estado, foram deslocadas para serem meros “administradores” de uma sociedade dirigida cada vez mais diretamente pelas corporações privadas (com base nisto, formulei o conceito de ação direta do capital neste artigo).

Em suma, o que Bauman nos deixa de legado é que as estruturas da sociedade capitalista estão em crise e declínio, entretanto ainda não se constituiu uma alternativa. É o interregno que, se ao mesmo tempo nos deixa com pouco chão para pisar, nos desafia para a avaliação crítica e a constituição de uma alternativa. Este é o sentido da utopia iconoclasta de Bauman.

 

*Dennis de Oliveira é professor associado e chefe do Departamento de Jornalismo e Editoração da Escola de Comunicações e Artes da USP. Atua também como coordenador do CELACC (Centro de Estudos Latino Americanos sobre Cultura e Comunicação) e é membro da Rede Antirracista Quilombação. E-mail: dennisol@usp.br

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LUTA ANTIRRACISTA PRECISA ACERTAR A ‘CABECINHA’ DE WILSON WITZEL

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Há anos a tática sobre segurança pública no Rio se concentra em operações espetaculares que resultam, de tempos em tempos, em um derramamento de sangue, com direito a traficantes, moradores de comunidades e policiais mortos.

O roteiro todos já conhecem. Unem-se policiais de diversos batalhões, eles invadem determinada localidade com poder de fogo muito superior, e terminam matando principalmente a ponta da cadeia do tráfico, a base da estrutura das facções, enquanto seus líderes comandam tudo de longe ou de dentro dos presídios, e no dia seguinte um novo comando paralelo se instala no mesmo lugar.

É uma máquina de moer gente. Mata-se loucamente, e no dia seguinte é como se nada tivesse mudado.

A situação é esta porque em certos locais do Rio a única chance de um jovem criado em situação de miséria comprar um tênis da moda é segurando uma arma que ele não sabe atirar direito. A parcela da população favelada que sobra do espaço da cidadania, por motivos que vão desde abandono familiar, déficit educacional ou imposição de terceiros, é seduzida por uma rede comércio ilegal que promete dignidade no contexto da extrema exclusão e sacrifica a vida destas pessoas como copos descartáveis.

São quase sempre jovens negros, no tráfico, na polícia ou nas casas vizinhas ao confronto entre eles. E suas mortes não comovem nem de perto tanto quanto o cãozinho morto na porta do Carrefour.

É assim desde que a abolição foi seguida pela recusa em absorver os negros no mercado formal de trabalho e a imigração de estrangeiros brancos para substituí-los. A pobreza se perpetuou a partir da negligência em gerar oportunidades e condições de vida saudável, e nela a criminalidade floresceu desde sempre.

Se soubesse da história do Rio, Wilson Witzel, o novo governador eleito no estado, que repete a palavra matar o tempo todo para agradar os ouvidos de uma classe média tanto preocupada com roubos quanto é racista, adepta de praias segregadas, odienta do funk, do samba e de pagode, faria algo para interromper a espiral macabra que corrói sua sociedade por dentro.

Alteraria o atraso social com políticas públicas inteligentes de ensino integral, cooperativas de trabalho, reforma do sistema penitenciário, investimento em tecnologia da informação e preparo de suas polícias. Enfrentaria o racismo com mais educação e cultura, e não faria coro com privilegiados que gostam de se remeter aos negros com termos tipicamente usados para animais, como “abate”.

Em 2010, o Rio viu Sérgio Cabral vencer Fernando Gabeira aproveitando-se, em parte, da crença de que o adversário era veado e maconheiro. Dali seguiu-se uma bandalheira que resultou, nos últimos anos, no colapso total das contas públicas. Já não há mais espaço de tempo para novos demagogos. E nem a população suporta mais mentiras no lugar de competência. Algo melhor que matar precisa vir à cabeça do novo governador. E eu sugiro que superar o seu racismo entranhado seja o melhor começo.

Por: Rodrigo Veloso – Colaborador dos Jornalistas Livres morador do Rio do Janeiro formado em Relações Internações

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OS BACHARÉIS DA RESISTÊNCIA

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Artigo de Rodrigo Perez Oliveira, professor de Teoria da História da Universidade Federal da Bahia, com ilustração de Duke

 

O ano de 2005 é chave para a compreensão da crise brasileira contemporânea. Foi aí, no chamado “mensalão”, que se desenhou pela primeira vez aquela que, na minha percepção, é a característica mais importante da crise: o ativismo político dos profissionais da lei.

Desde 2005 que juízes, desembargadores, ministros dos tribunais superiores e procuradores são personagens recorrentes na crônica política. Depois de 2014, a Operação Lava Jato se tornou palco para a fama desses profissionais. Mais do que nunca, o Brasil é a República dos Bacharéis.

Os marqueteiros da Operação Lava Jato afirmam que pela primeira vez na história do Brasil os empresários milionários sentiram na pele o peso da lei. É uma meia verdade. Se é meia verdade, por consequência lógica, é meia mentira também.

Os empresários presos atuavam no ramo da construção civil e de obras de infraestrutura. Os agentes econômicos envolvidos com atividades financeiras e especulativas não foram incomodados. Somente os mais ingênuos são capazes de acreditar que Marcelo Odebrecht ou Léo Pinheiro são mais corruptos que os executivos do Itaú ou do Santander, que também financiavam campanhas eleitorais, que também estabeleciam relações nada republicanas com a classe política.

Por que uns foram presos, enquanto os outros estão aí, lucrando bilhões todos os anos?

A seletividade da Operação Lava Jato é óbvia e salta aos olhos de qualquer um que queira enxergar a realidade. A narrativa do combate à corrupção está sendo utilizada como pretexto para o desmanche do Estado e dos investimentos públicos em infraestrutura, o que favorece os interesses ligados ao capital financeiro nacional e internacional. A comunidade jurídica brasileira colaborou com esse projeto, ajudou a desmontar parques industriais, levando empresas nacionais à falência, sempre com o pretexto do “combate à corrupção”.

Como bem disse Eugênio Aragão, ex-ministro da Justiça, a Justiça brasileira “prometeu acabar com os cupins, mas acabou ateando fogo à casa”.

Porém, seria um erro dizer que a comunidade jurídica é um bloco homogêneo, que todos os seus integrantes se movem na mesma direção. Alguns momentos na cronologia da crise mostram que o cenário não é tão simples, que há bacharéis dispostos a confrontar a hegemonia daqueles que entregaram seus serviços aos interesses do capital financeiro internacional.

Destaco aqui três nomes: Rodrigo Janot, Rogério Favreto e Marco Aurélio de Mello.

Em algum momento da crise, os três contrariaram interesses hegemônicos. Meu objetivo aqui é relembrar esses episódios e sugerir que a resistência democrática não pode abrir mão da institucionalidade. Ir às ruas e disputar o imaginário das pessoas não significa deixar de operar por dentro das instituições burguesas, explorando suas contradições. Uma coisa não exclui a outra. Uma coisa complementa a outra.

 

Rodrigo Janot

Rodrigo Janot foi empossado pela presidenta Dilma Rousseff como procurador geral da República em 2013, sendo reconduzido ao cargo, também por Dilma, em 2015. Janot foi personagem protagonista em alguns dos momentos mais agudos da crise brasileira, no período que compreendeu a derrubada de Dilma Rousseff e a ascensão de Michel Temer.

Sinceramente, não sou capaz de definir a identidade ideológica de Rodrigo Janot, de dizer se ele é de esquerda ou de direita. Talvez ele não pense a realidade nesses termos. Antes de se tornar procurador geral da República, Janot tinha atuação engajada na defesa dos direitos da população carcerária. No segundo turno das eleições presidenciais de 2018, Janot se manifestou a favor da candidatura de Fernando Haddad.

26 de agosto de 2015. Sabatina de recondução de Janot à chefia da Procuradoria Geral da República. Senado Federal. A crise institucional se aprofundava e começava a se desenhar no horizonte o golpe parlamentar que meses depois derrubaria Dilma Rousseff.

A oposição, liderada por senadores do PSDB e do DEM, colocou Janot contra a parede. Ana Amélia, Aécio Neves, Aloísio Nunes, Antonio Anastasia exigiam que a PGR denunciasse a presidenta Dilma Rousseff. Foram quase 12 horas de uma sabatina tensa e atravessada pelo partidarismo político. Por inúmeras vezes, Janot disse que não havia indícios suficientes para fundamentar uma denúncia contra a presidenta da República.

Janot não denunciou Dilma enquanto ela estava no exercício do mandato.

Já com Temer, o comportamento de Rodrigo Janot foi completamente diferente. Foram duas denúncias, em pleno exercício do mandato. A primeira denúncia foi apresentada em junho de 2017. A segunda veio três meses depois, em setembro.

Michel Temer precisou acionar suas bases na Câmara dos Deputados para barrar as duas denúncias. Precisou liberar verbas para os deputados aliados. Precisou gastar capital político. Acabou lhe faltando fôlego político para aprovar a Reforma da Previdência, que era a grande agenda do seu governo. Capital político tem limite, igual a peça de queijo: diminui um pouco a cada fatia retirada.

Se Temer não conseguiu aprovar a Reforma da Previdência, parte da derrota pode ser explicada pelas flechas disparadas por Rodrigo Janot, que acabou colaborando para defender os direitos previdenciários dos trabalhadores brasileiros do ataque do capital especulativo.

Qual era o seu objetivo? Comprometimento com uma agenda social-democrata? Um republicanismo genuíno que parte do princípio de que não pode existir seletividade na aplicação da lei? As duas coisas juntas?

Não dá pra saber. Fato mesmo é que ao desestabilizar Michel Temer, Janot contrariou os interesses do rentismo.

 

Rogério Favreto

Quem acompanha a trama da crise brasileira lembra bem do dia 8 de julho de 2018. Era manhã de domingo e o país foi sacudido pela notícia que dividiu a sociedade, deixando metade da população em estado de graça e a outra metade babando de ódio.

“Lula vai ser solto!”. Assim, estampado em letras garrafais em todos os veículos da imprensa.

Rogério Favreto, desembargador do Tribunal da 4° Região em diálogo direto com lideranças petistas, autorizou um habeas corpus de urgência, determinando a soltura imediata de Lula.

Todos os envolvidos sabiam que Lula não seria solto. Lula nem fez as malas. O objetivo ali era tático: levar as instituições burguesas a extrapolar os limites da própria legalidade.

Sérgio Moro despachou estando de férias e negou o habeas corpus, o que ele não poderia fazer. Moro contrariou a ordem de um superior, subvertendo a hierarquia do Poder Judiciário.

Thompson Flores, presidente do Tribunal da 4° Região, cassou a decisão de Favreto, o que somente poderia ser feito pelo colegiado dos desembargadores.

Em um ato de resistência, Rogério Favreto deixou claro para o mundo que Lula é um preso político que a todo momento inspira atos de exceção.

 

Marco Aurélio Mello

Marco Aurélio Mello, tendo mais coragem que juízo, vem sendo a voz da resistência no Supremo Tribunal Federal. Eu poderia dar vários exemplos de ações de Marco Aurélio em defesa da Constituição, da legalidade democrática e da soberania nacional. Fico apenas com dois.

1°) Em 19 de dezembro de 2018, na véspera do recesso do Judiciário, Marco Aurélio soltou um bomba: em decisão autocrática determinou que a Constituição fosse respeitada, ordenando a libertação de todos os presos condenados em segunda instância, o que beneficiaria o presidente Lula.

É que a Constituição é clara. Só pode prender depois do trânsito em julgado. Se está errado ou não é outra discussão. Constituição não se questiona, a não ser para fazer outra Constituição.

Liminar pra cá, liminar pra lá. Procuradores da Lava Jato convocando entrevista coletiva para dizer como STF deveria agir. Mais uma vez a sociedade dividida. Novamente, Lula nem fez as malas, pois experimentado que é, sabia muito bem que não seria solto.

Dias Toffoli, presidente do STF, derrubou a decisão de Marco Aurélio, contrariando o regimento interno da Casa, que diz que somente a plenária do colegiado é legítima para anular ato autocrático de um ministro.

Se Lula não estivesse preso, o regimento seria respeitado. Lula não é um preso comum.

2°) Na última semana, vimos outro embate entre Marco Aurélio e Dias Toffoli. Dessa vez, o motivo foi a venda dos ativos da Petrobras. Marco Aurélio, outra vez em decisão autocrática, proibiu a venda, num ato de defesa da soberania nacional. Dias Toffoli autorizou a venda, se alinhando aos interesses privados e internacionais.

Apresentei três exemplos, de três profissionais da lei que em algum momento da crise contrariaram os interesses que hoje ditam os rumos da política brasileira. Não existiu nenhuma articulação entre eles. Os exemplos mostram apenas que as instituições burguesas não são homogêneas, que existem contradições que devem ser exploradas.

A resistência democrática, portanto, precisa se equilibrar sobre dois pés. Um nas ruas, agitando e apresentando soluções para o nosso povo, que já vai começar a sentir na pele as consequências de um governo ultraliberal, autoritário e entreguista. O outro pé deve estar bem fincado nos corredores palacianos, onde se desenrolam as tramas institucionais.

Precisamos, sim, de líderes populares, de líderes que saibam falar ao coração do povo, que entendam as angústias da nossa gente. Precisamos também de articuladores, de conhecedores da lei e dos regimentos, de lideranças versadas no jogo jogado nos bastidores. Resistência democrática é trabalho de equipe.

 

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Armai-vos uns aos outros

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Por José Barbosa Junior
O presidente da República Fundamentalista de Vera Cruz (antigo Brasil – porque agora nada pode ser vermelho), decretou nesta terça-feira algumas flexibilizações na Lei que regulamentava a posse de armas, o que, na prática, significa que ele liberou geral. A proposta anterior, de no máximo duas armas por cidadão, passou para quatro armas, sendo liberadas outras mais, conforme a necessidade apresentada pelo futuro portador.
Em resumo, a barbárie está liberada oficialmente em nosso país. “Cidadãos de bem” agora vão poder, finalmente, matar os bandidos que lhe atormentam a vida. Por bandidos leia-se pobres, pretos, pardos e párias, que de já tão coisificados, tornaram-se sem valor e pessoalidade em sua existência.
O que mais me choca, porém, é que Bolsonaro foi eleito e é apoiado, inclusive e principalmente nesta questão, por gente que se afirma cristã. Isso mesmo! Gente que diz seguir aquele nazareno marginal que afirmou que “bem-aventurados são os pacificadores, pois eles serão chamados filhos de Deus”, aliás o mesmo que afirmou que “quem vive pela espada, morrerá pela espada”.
Parece estranho. E é.
Mais estranho ainda porque em toda a campanha do atual presidente, ele fez questão de repetir o versículo que diz “e conhecereis a verdade e a verdade vos libertará”.
A verdade é que a liberação de armas só gerará mais violência num país que respira violência.
A verdade é que mais mulheres serão vítimas de feminicídio, já que seus maridos machões agora poderão ter suas armas para suprirem seus outros fracassos.
A verdade é que mais LGBT’s morrerão nas mãos de homofóbicos que disfarçam seus preconceitos em discursos machistas e religiosos.
A verdade é que agora fica mais fácil planejar o suicídio, endêmico numa sociedade cada vez mais doente e adoecedora, refém de um sistema que empurra pessoas à depressão (sem contar as depressões que independem de fatores externos) e num país onde adolescentes cada vez mais se matam por conta de bullying e outras coisas mais. Ah! E sem falar no alto índice de suicídio entre pastores, tema cada vez mais recorrente nos últimos anos.
A verdade é que as brigas de trânsito, de bares, de baladas agora serão resolvidas na base do “quem saca primeiro”, porque com essa liberação a ideia de que o outro possa estar armado será sempre evidente e, entre ele e eu, é melhor que eu saque antes dele.
A verdade é que temos um governo violento, que ampara e incita à violência, que não esconde o prazer na tortura e na morte dos inimigos. Isso legitima e legitimará a barbárie!
Em nome da verdade… no governo mais mentiroso que já temos! E eu aguardo o dia da liberdade! Ela virá… mais cedo ou mais tarde!

*Teólogo e Pastor da Comunidade Batista do Caminho em Belo Horizonte.

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