As Minas destruíram Gerais

Foto: Gustavo Ferreira

O relato de quem viu a vida ficar debaixo dos escombros

Na coletiva de imprensa do governador Fernando Pimentel em Governador Valadares, um pescador da região questionou o fato de que os peixes estão morrendo e não vão ser “repostos”. “Não adianta dar multa só. Tem que voltar com os peixes para o rio. Somos 500 pescadores na associação. Precisamos disso para viver”. O governador, como em todas as outras perguntas, enrolou para responder e disse que precisa rever a lei ambiental do Estado, mas ele mandou um projeto de lei para a Assembleia que facilita a concessão de licença ambiental às mineradoras. Que feio, Pimentel. Um governo que mente para o pescador, para o ribeirinho, para o morador de Mariana e também o de Valadares. Para quem se diz do povo, está longe de ser.

Foto: Fadia Calandrini

O pescador do rio Doce não é o único preocupado com sua história e identidade. O seu Nélio Cordeiro, de Bento Rodrigues, chorou ao ver o lugar onde ele morava completamente devastado. “Eu vim para socorrer o outro fazendeiro, mas já tinha acontecido. Ele estava do outro lado, perto da cachoeira, tentando tirar as crianças. É triste demais, gente. Isso está sendo avisado há 20 anos. Isso aqui era uma vegetação nativa, mas com essa tragédia… Nossa Senhora!”

Seu Nélio ouviu no rádio que a tragédia estava acontecendo. “Eu vim descendo. Vi peixes boiando, cavalo, cachorro, galinha. É triste demais. Triste demais mesmo. Agora acabou. Nosso município acabou. Tudo para quê? Para tirar o minério, para mandar ele para fora e nos dar isso de recompensa. É triste. Acabou o Bento. É horrível! É desastroso!”

O fazendeiro ainda contou sobre a trajetória heroica dos professores que salvaram 70 crianças do desastre. “Ela (uma professora) foi muito ágil. Saiu da porta da escola com os meninos e subiu para lugares mais altos. Mas a gente não dormiu, a gente passou a noite desatinado. Que as autoridades tomem providências para que essas mineradoras trabalhem com mais segurança. É lastimável ver uma situação dessas, as matas ‘tudo’ (sic) devastada. Virgem Maria… Acabou!”

O servente Waldeci da Silva Reis, de Santa Rita Durão, distrito de Mariana, também viu a tragédia acontecer. “Eu vi um pessoal tentando sair da lama. Passaram umas ambulâncias, mas estavam muito longe. Não resolveu nada. Aí estavam falando que a polícia estava batendo nos outros ainda. Nunca vi isso, bater em quem veio salvar, mas conseguiram tirar o menino no meio da enxurrada e ‘levar ele’ (sic) para o pronto socorro.”

Foto: Fadia Calandrini

Waldeci diz que passou por momentos desesperadores. “O pessoal estava pedindo socorro. A Samarco não tinha ligado a sirene para alertar o povo. É muita mentira. Tem muito tempo que a Samarco fala que está tomando providências para mudar isso e nunca fez nada. Agora já era. Nunca deu apoio para o pessoal. E agora que acontece a tragédia fala que vai tomar providência? Agora é tarde.”

O servente afirma que foi uma tragédia anunciada. “Há muitos anos todo mundo fala que esse ‘trem’ ia estourar e matar o povo todo. Consegui salvar só um menininho. Ele estava na beira aí conseguimos salvar ele lá”.

Jefeson Geraldo é vigilante e salvou várias pessoas da enxurrada de lama.“Eram umas 16h20. Ouvi uma explosão e achei que era tubulação que havia estourado. Mas, como o barulho era muito intenso e começou a quebrar muito mato, a gente percebeu que não tinha como ser a tubulação e sim a barragem que tinha estourado. Tentamos avisar o máximo de gente possível com escândalo porque não tinha mais como ir à casa de cada um. Conseguimos pegar o máximo de gente e colocar em caminhonetes para levar para cima, para os morros. Depois voltamos pela beirada, tentando ver se achávamos algumas pessoas e resgatar quem estava pedindo socorro mais próximo da margem.”

Foto: Fadia Calandrini

A casa de Jefeson, porém, não foi perdoada pelo desastre causado pela Samarco. “Não sei como ficou minha casa. Eu acho que não vejo ela nunca mais. A última vez que eu vi, ela tinha se desprendido do lugar, andou uns cem metros para cima e depois aí pelo rio abaixo”.

O vigilante conseguiu salvar alguns familiares. “Graças a Deus eu consegui salvar minha família, alguns amigos e umas pessoas de idade. Mas dois primos meus estão desaparecidos. Ninguém sabe por onde anda, ninguém acha. De 1999 até 2005 havia muito boato sobre a barragem explodir. A gente começou a debater isso com a Samarco e eles falaram que não corria risco nenhum disso acontecer. E aquilo foi indo. Houve um ano, não me lembro ao certo, em que eles falaram que ela ia explodir, corremos todos para o ponto mais alto, mas não explodiu nada. Depois disso, a Samarco foi tranquilizando o pessoal e ninguém ficou muito preocupado porque no dia em que ela ia estourar, não estourou. Aí, ninguém se preocupou mais. E em um sol quente, de uns 35 graus, quatro horas da tarde, vem esse desastre acontecer.”

Foto: Fadia Calandrini

Jefeson acredita que faltou empenho por parte dos órgãos ditos competentes. “O governo mandou várias pessoas, mas não fez nada para ajudar a gente. A Samarco, que é uma das maiores responsáveis, junto com a Vale, nem aqui apareceu. Não mandaram socorro, não mandaram nada. Se não fosse a gente mesmo tentado nos ajudar, estava todo mundo morto. E Deus ajudou tanto que isso aconteceu quatro horas da tarde, quando estava todo mundo acordado. Porque se isso acontece onze horas da noite, por exemplo, não tinha ninguém para contar a história. Não dá nem para descrever o que eu sinto. É uma tragédia que levou tudo que era nosso. E não tenho suporte da companhia nem sei como vou recuperar um terço do que eu perdi.

Maria Januária Nunes, também de Bento Rodrigues, estava na Arena Mariana à procura de quatro pessoas desaparecidas. “Eu deixei meu nome lá dentro; agora estou dando entrevista e quero saber onde eles estão enterrados ou soterrados. Minha casa está toda debaixo da lama, caiu tudo. Agora estou imaginando o inquilino que estava lá.

Foto: Fadia Calandrini

Um trabalhador da Vale, que também acha que a culpa é da Samarco, está com receio de sofrer represália. “A gente está indo trabalhar à paisana, já falaram de manifestações, que vão fechar o trilho. Estamos com medo de apanhar na rua. Mas a gente não fez nada. A empresa é culpada, o trabalhador não”.

Uma senhora, que só se identificou como Luciene, estava na Samarco quando tudo começou. “A gente ouviu e achou que era um tremor de terra e fomos todos evacuados da área. Balançaram as paredes todas, mas falaram que era tremor. Só que daí a pouco chegou notícia de que a barragem tinha estourado e que tinha muita gente soterrada. Agora acabou com nosso distrito. Graças a Deus minha família ao menos está viva, mas eu só tenho a roupa do corpo agora e mais nada.”

De acordo com relatos de diversos moradores do distrito, a Samarco sabia que a barragem podia se romper e agiu com descaso. A população precisa de respostas imediatas sobre o número real de desaparecidos e mortos.

Foto: Olívia Porto Pimentel

O que se vê na mídia tradicional não corresponde à realidade dos fatos. Foram vistos muitos carros do IML perto do distrito, helicópteros descendo e subindo, carros de funerária. E falam em apenas seis mortos? A população foi proibida de ajudar. Uma barricada formada pela polícia do Pimentel com funcionários da Samarco proibia os moradores de ajudar a encontrar os amigos no destruído distrito de Bento Rodrigues. Como disse a jornalista Laura Capriglione, “é o bandido cuidando da cena do crime”.

*Que fique claro. A Samarco pertence à Vale e à BHP Billiton (maior mineradora do mundo). Ela deve ser responsabilizada e culpada pelo crime ambiental e pelos homicídios que cometeu. A Samarco é a única culpada de todo o desastre e deve pagar por isso.

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