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Algumas lições da farsa do 8 de julho

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Artigo de Eduardo Nunes Campos, advogado e jornalista em Belo Horizonte, especialmente para Jornalistas Livres

 

Muitos de nós ainda têm grandes ilusões em relação à “justiça” brasileira, não entendendo que ela, hegemonicamente, é promotora do Estado de Exceção que se instalou no país.

Muitos de nós não compreendem, de fato, o papel determinante das mobilizações de massa para reverter o quadro sombrio que vivemos. Fazem profissão de fé das manifestações, mas não se sujeitam a deixar o conforto de suas casas para ir às ruas.

O rei está, mais que nunca, totalmente nu. Por mais tendenciosos e abjetos que sejam os noticiários da grande mídia, sistema Globo à frente, não é possível, a esta altura, esconder que a justiça foi atropelada pela política (como se isto não fosse uma constante entre ambas) e que suas decisões obedecem não ao Direito, mas às conveniências das elites, sejam nacionais, sejam estrangeiras.

O sistema judicial brasileiro chegou ao fundo do poço. Sua desmoralização não tem precedentes. Pior: tudo graças à sua “cabeça”, ou à falta dela. O STF é hoje uma corte patética, como demonstra, inequivocamente, a nota oficial de sua presidente.

A justiça nunca foi e nunca será igual para todos, em um regime social de desigualdades. A balança sempre penderá para um lado, o dos poderosos.

Se a situação das forças progressistas é muito adversa, a das elites que comandam o poder também não é fácil. Ainda que estejam cumprindo seus objetivos, liquidando a soberania nacional e os direitos sociais, a instabilidade política tem se mostrado um custo alto pra elas. O desespero tomou conta de alguns de seus segmentos. Um notório jurista reacionário chegou a afirmar no domingo que o desembargador que mandou soltar Lula, valendo-se de uma prerrogativa a ele assegurada pelo ordenamento jurídico, é um “guerrilheiro e terrorista”.

As urnas, que parecem ser o único objetivo que impulsiona hoje as forças vivas da nação, não resolverão, por si só, este quadro caótico. Também entre nós prevalece uma grande ilusão em relação ao seu papel e aos seus limites, ainda que não possamos, em nenhuma hipótese, desprezá-las ou subestimá-las.

Se temos o dever de denunciar à nação o processo de desmonte a que ela está sendo submetida e os interesses econômicos que o determinam, temos a obrigação de refletir sobre os erros que cometemos e de fazer autocrítica sincera deles, para contribuir com sua reconstrução. A educação política de nossa gente é a única garantia de que as mudanças pelas quais lutamos, não apenas hoje, mas historicamente, serão consolidadas e abrirão caminho para um mundo verdadeiramente novo. Nosso campo, genericamente considerado, pode até vencer as eleições. Podemos até viabilizar uma reforma política minimamente progressista. Podemos até estancar o processo regressivo em curso, embora nada disto seja fácil. Isto valerá muito pouco, contudo, se não crescermos, juntos, enquanto nação, se não elevarmos o patamar de nossa consciência política, o que exige de nós o abandono de nossa mística religiosa e de nossa visão de cima, como se fôssemos a elite dos de baixo.

Um gol a nosso favor!

A despeito de alguns de nós, ainda iludidos com a “justiça” brasileira, termos ficado decepcionados com o desfecho do domingo, marcamos um gol, sem dúvida alguma.

Em primeiro lugar, o país parou, depois da Seleção sair da Copa, para acompanhar a evolução dos acontecimentos, na expectativa da soltura ou não de Lula. Independentemente das torcidas a favor e contra, não há como contestar o desespero que tomou conta do Judiciário golpista, na tentativa de impedir a soltura. Moro, em particular, caiu na arapuca. De férias, escancarou de vez sua atuação política e sua perseguição a Lula. Imiscuiu-se em matéria em que é totalmente incompetente. Desacatou ordem de instância superior e articulou para que fosse descumprida. Abriu uma brecha enorme, não apenas para ser punido, quanto para ser considerado suspeito no processo do sítio de Atibaia, em que também já definiu, por antecipação, a culpa de Lula.

O TRF4, de certa forma, foi pelo mesmo caminho. Por que, pelo menos, não esperou o fim do plantão, para rever a decisão de seu desembargador? Seria o caminho natural, não apenas porque previsto no ordenamento jurídico, como também aos olhos da população atenta. Por que tanta pressa, tanto desespero? Claro, para impedir que Lula tivesse, em algumas horas de liberdade, a possibilidade de potencializar a resistência aos abusos que tem sofrido e impedi-lo de fazer gravações a serem aproveitadas na campanha eleitoral, já que impedi-lo de participar da campanha, como candidato e não só, é o objetivo principal de sua prisão.

O Judiciário se desmoralizou de vez. Com ele, sua presidente golpista e, paradoxalmente, acéfala. Chegou ao fundo do poço, evidenciando sua total incompetência para garantir a aplicação da lei e mediar, no que tange à sua competência, os conflitos no interior da sociedade. Esse desnudamento pesa a favor das forças democráticas. já que ele é um dos protagonistas do golpe.

Por mais que a grande mídia queira fazer prevalecer a ideia de que a “jogada do PT” deu errado, sabe, perfeitamente, que isso não aconteceu. Foi, na verdade, uma jogada de mestre. Duvido que seus articuladores tivessem confiança na soltura de Lula. isto nem importa. A estratégia foi tão bem trabalhada que deixou de fora a equipe da defesa de Lula, preservada para continuar seu trabalho junto aos órgãos superiores, em especial o STJ e o STF, sem o desgaste inevitável que teria tido se tivesse participado abertamente da trama.

De quebra, mais dois dividendos: os acontecimentos deste 8 de julho estimulam a ampliação das mobilizações, ainda muito fracas, e aumentam o desgaste da perseguição a Lula no cenário internacional.

De todo modo, pra avaliar o resultado, basta ver a cara dos “jornalistas” da Globonews e o desespero da emissora em tentar legitimar suas posições, a partir da fala de juristas ligados ao golpe. Falam por si só!

Síntese jurídica da batalha de 8 de julho
1. O desembargador Rogério Favreto, que cumpria plantão judiciário no TRF4, em sistema de rodízio, concede habeas corpus em favor de Lula, impetrado por três deputados do PT.

2. Sérgio Moro, de férias em Portugal, acionado pela Polícia Federal, resolve entrar na história, dizendo que se recusava a acatar a ordem. Faz contato com Thompson Flores, presidente do TRF4, e pede a ele que resolva a parada.

3. A Polícia Federal obedece a ordem de Sérgio Moro, e não a do desembargador, e mantém Lula preso.

4. O desembargador Gebran Neto, arguindo ser o relator do processo de Lula no TRF4, dá uma contraordem à Polícia Federal, determinando a manutenção da prisão de Lula e chamando pra si a responsabilidade de conduzir o tema, fora do plantão. Diz que Favreto foi induzido a erro.

4. Favreto reafirma sua decisão, sustentando a legitimidade dela e refutando a tese de que foi induzido a erro.

5. Carmen Lúcia, presidente do STF, emite uma patética nota oficial, sem dizer, rigorosamente, nada. O mesmo faz a OAB nacional.

6. A Procuradoria da República pede que Flores, enquanto presidente do TRF4, resolva o conflito, emitindo sua opinião, de que a prisão em segunda instância não poderia ser desafiada por um desembargador de plantão.

7. Flores, enquanto presidente do tribunal, decide por um ‘ponto final’ no conflito, devolvendo a questão para Gebran, negando competência a Favreto.

Quem agiu em conformidade com o Direito e quem o confrontou:

1. Favreto, como juiz de plantão, tinha não apenas o direito, mas o dever de apreciar o pedido a ele submetido. Habeas corpus visa a proteção da liberdade, sendo, por definição, sempre urgente.

2. Moro, Gebran, Flores, a Procuradoria e, claro, a grande mídia, argumentaram que a matéria não poderia ter sido apreciada, por já ter sido decidida pelas instâncias superiores. A Procuradoria põe acento na jurisprudência do STF relativa à prisão em segunda instância. Todos afirmam que Favreto estava passando por cima de decisões de instâncias hierarquicamente superiores.

3. De fato, o juiz de plantão, mesmo em se tratando de habeas corpus, não poderia analisá-lo, se se tratasse de matéria já apreciada em outro plantão ou já decidida em instâncias superiores, sem fato jurídico novo embasando o pedido.

4. Favreto sustentou que o fato novo era a pré-candidatura de Lula à presidência da República e seu direito de fazer campanha, como qualquer outro candidato, já que, ainda que se reconheça a legitimidade da prisão em segunda instância – que Lula e sua defesa contestam – , seus direitos políticos encontram-se integralmente preservados, já que não houve trânsito em julgado da sentença condenatória. Gebran, Flores e a grande mídia batem na tecla, insistentemente, que a candidatura é fato público, há muito conhecida, não apenas por todo o Judiciário, mas pela população brasileira. Falácia! Não se trata aqui de fato político novo, mas de fato jurídico. A matéria ainda não havia sido apreciada por qualquer órgão julgador, de qualquer instância. Está à espera de julgamento no STF. Assim, havia no pedido, efetivamente, um fato jurídico novo, e é ele que sustenta a competência de Favreto para julgar o habeas corpus. Matéria nova, sim, sem qualquer relação com a prisão em segunda instância.

5. Flores afirmou, em sua decisão, que sequer havia advogado de Lula entre os impetrantes do habeas corpus e que, mesmo isso não sendo exigência legal, em se tratando do caso concreto, deveria merecer cautela. Balela! Ainda que a afirmação fosse verdadeira, por que cautela, já que o habeas corpus é instrumento para proteção do direito do réu? Além disto, faltou com a verdade. O deputado Wadih Damous (PT-RJ) foi incorporado à equipe de defesa de Lula, fato que, além de estar nos autos, é de domínio público.

5. Moro jamais poderia ter se insubordinado em relação à ordem de soltura de Favreto. Ainda que, por absurdo, pudesse despachar, mesmo de férias – há uma antiga decisão do ministro Marco Aurélio Mello admitindo a hipótese, em casos excepcionais -, não tem, hoje, qualquer relação com o acompanhamento do processo, que está na segunda instância e nas mãos de uma juíza da Vara de Execuções Penais de Curitiba. Imiscuiu-se, ele sim, em área em que é absolutamente incompetente, acusação que fez a Favreto, para impedir o andamento do alvará de soltura. Ademais, é inadmissível, em um Estado de Direito um juiz de primeira instância rebelar-se contra decisão de um de segunda instância, em relação a matéria de competência do grau de jurisdição acima dele.

6. A Polícia Federal cometeu, igualmente, insubordinação. Primeiro, contatou Moro no exterior, não tendo ele qualquer jurisdição sobre o caso; segundo, recusou-se a acatar a ordem de Favreto, e fez corpo mole até receber a contraordem de Flores.

7. Flores, igualmente, não tinha competência para revogar a ordem de Favreto, mesmo sendo presidente do Tribunal. Só quem poderia fazê-lo era órgão colegiado, depois que terminasse o plantão de Favreto. Certamente, o faria, com legitimidade para tal. Flores não aguardou o trâmite regular do processo, contudo, apenas e tão somente para impedir a soltura de Lula, ainda que por poucas horas, que ele, com certeza, aproveitaria para gravar uma série de inserções para a campanha eleitoral.

8. A Procuradoria Geral da República, ao invés de levar a questão ao STJ ou ao Supremo, preferiu fazer conluio com a Procuradoria Regional, para que o caso fosse parar, ainda que ilegitimamente, nas mãos de Flores. Seu argumento, já contestado, não tinha qualquer relação com o fundamento do pedido de habeas corpus, mas com a legalidade da prisão em segunda instância.

9. A Associação dos Juízes Federais (Ajufe), entidade corporativa e reacionária, apoiando as manobras jurídicas de Moro e do TRF4, e a grande mídia, sustentam que Favreto sequer é juiz concursado, e que foi nomeado por Dilma Roussef para o cargo. Pouco importa se é juiz concursado. É desembargador colocado no cargo, legítima e legalmente, por seus méritos. Foi eleito para lista tríplice da OAB do Rio Grande do Sul e nomeado por Dilma em respeito à sua eleição, o que lhe confere, aliás, muito mais legitimidade que um juiz simplesmente concursado. A Ajufe e a grande mídia se esqueceram, propositalmente, de prestar esta informação. A OAB sequer lembrou isto em sua patética nota, que se recusa a entrar no mérito das manobras urdidas e a defender a legitimidade e a legalidade da decisão do desembargador.

10. A campanha sórdida feita pela grande mídia contra Favreto, classificando-o como petista histórico e desqualificando sua decisão, como se fosse meramente partidária, não ancorada no Direito, se esqueceu também de lembrar que os ministros do STF foram, todos, indicados por presidentes da República, e que o nomeado mais recente, Alexandre de Morais, era tucano militante, de carteirinha, além de ser ministro do governo usurpador.

11. Carmen Lúcia, como afirmou o jurista conservador Walter Maierovitch, perdeu boa oportunidade de ficar calada, já que não disse nada em sua nota, tentando, como sempre, dar uma de magistrada isenta, enquanto é uma das patrocinadoras maiores da falência de nosso sistema jurisdicional.

12. A gangue do Ministério Público, agora, leva Favreto ao CNJ, na tentativa de obscurecer, mais que sua atuação absurda no caso, a desobediência de seus comparsas, Moro, Gebran e Flores. É a marcha do golpe, que só pode ser detida pela presença massiva do povo nas ruas, já que o STF, ao invés de contê-lo, foi e continua sendo um de seus protagonistas.

13. Os Juristas Pela Democracia, por sua vez, pedem a prisão de Moro e do delegado da Polícia Federal, que desobedeceram a ordem de Favreto.

A conferir os próximos capítulos, em particular a postura do STF e de seus integrantes, individualmente.

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2 Comments

2 Comments

  1. Inácio da Silva

    10/07/18 at 7:21

    No Brasil, existem milhares de encarcerados sem julgamento, e portanto sem sentença, outros sem sequer processo instaurado e nunca vi, em favor deles, ninguém gastar tanto tempo e palavras para falar do caso de um condenado em segunda instância, com o devido processo, com defesa milionária e condições de carcere privilegiadas…queria ver ele aguentar um dia em Pedrinhas…na companhia do tal “povo” que ele diz tanto defender…

  2. EDUARDO NUNES CAMPOS

    10/07/18 at 17:51

    Nenhum deles, Inácio, foi o presidente da República mais querido da história do Brasil, que deixou o governo com quase 90% de aprovação. Nenhum deles foi vítima de lawfare, foi perseguido com o claro objetivo de ser impedido de se candidatar novamente, porque teria vitória certa. Todos, com certeza, são vítimas do sistema, mas Lula é o único, dentre eles, capaz de liderar um processo de mudanças que ponha termo a tanto descalabro. Simples assim!.

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LUTA ANTIRRACISTA PRECISA ACERTAR A ‘CABECINHA’ DE WILSON WITZEL

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Há anos a tática sobre segurança pública no Rio se concentra em operações espetaculares que resultam, de tempos em tempos, em um derramamento de sangue, com direito a traficantes, moradores de comunidades e policiais mortos.

O roteiro todos já conhecem. Unem-se policiais de diversos batalhões, eles invadem determinada localidade com poder de fogo muito superior, e terminam matando principalmente a ponta da cadeia do tráfico, a base da estrutura das facções, enquanto seus líderes comandam tudo de longe ou de dentro dos presídios, e no dia seguinte um novo comando paralelo se instala no mesmo lugar.

É uma máquina de moer gente. Mata-se loucamente, e no dia seguinte é como se nada tivesse mudado.

A situação é esta porque em certos locais do Rio a única chance de um jovem criado em situação de miséria comprar um tênis da moda é segurando uma arma que ele não sabe atirar direito. A parcela da população favelada que sobra do espaço da cidadania, por motivos que vão desde abandono familiar, déficit educacional ou imposição de terceiros, é seduzida por uma rede comércio ilegal que promete dignidade no contexto da extrema exclusão e sacrifica a vida destas pessoas como copos descartáveis.

São quase sempre jovens negros, no tráfico, na polícia ou nas casas vizinhas ao confronto entre eles. E suas mortes não comovem nem de perto tanto quanto o cãozinho morto na porta do Carrefour.

É assim desde que a abolição foi seguida pela recusa em absorver os negros no mercado formal de trabalho e a imigração de estrangeiros brancos para substituí-los. A pobreza se perpetuou a partir da negligência em gerar oportunidades e condições de vida saudável, e nela a criminalidade floresceu desde sempre.

Se soubesse da história do Rio, Wilson Witzel, o novo governador eleito no estado, que repete a palavra matar o tempo todo para agradar os ouvidos de uma classe média tanto preocupada com roubos quanto é racista, adepta de praias segregadas, odienta do funk, do samba e de pagode, faria algo para interromper a espiral macabra que corrói sua sociedade por dentro.

Alteraria o atraso social com políticas públicas inteligentes de ensino integral, cooperativas de trabalho, reforma do sistema penitenciário, investimento em tecnologia da informação e preparo de suas polícias. Enfrentaria o racismo com mais educação e cultura, e não faria coro com privilegiados que gostam de se remeter aos negros com termos tipicamente usados para animais, como “abate”.

Em 2010, o Rio viu Sérgio Cabral vencer Fernando Gabeira aproveitando-se, em parte, da crença de que o adversário era veado e maconheiro. Dali seguiu-se uma bandalheira que resultou, nos últimos anos, no colapso total das contas públicas. Já não há mais espaço de tempo para novos demagogos. E nem a população suporta mais mentiras no lugar de competência. Algo melhor que matar precisa vir à cabeça do novo governador. E eu sugiro que superar o seu racismo entranhado seja o melhor começo.

Por: Rodrigo Veloso – Colaborador dos Jornalistas Livres morador do Rio do Janeiro formado em Relações Internações

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OS BACHARÉIS DA RESISTÊNCIA

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Artigo de Rodrigo Perez Oliveira, professor de Teoria da História da Universidade Federal da Bahia, com ilustração de Duke

 

O ano de 2005 é chave para a compreensão da crise brasileira contemporânea. Foi aí, no chamado “mensalão”, que se desenhou pela primeira vez aquela que, na minha percepção, é a característica mais importante da crise: o ativismo político dos profissionais da lei.

Desde 2005 que juízes, desembargadores, ministros dos tribunais superiores e procuradores são personagens recorrentes na crônica política. Depois de 2014, a Operação Lava Jato se tornou palco para a fama desses profissionais. Mais do que nunca, o Brasil é a República dos Bacharéis.

Os marqueteiros da Operação Lava Jato afirmam que pela primeira vez na história do Brasil os empresários milionários sentiram na pele o peso da lei. É uma meia verdade. Se é meia verdade, por consequência lógica, é meia mentira também.

Os empresários presos atuavam no ramo da construção civil e de obras de infraestrutura. Os agentes econômicos envolvidos com atividades financeiras e especulativas não foram incomodados. Somente os mais ingênuos são capazes de acreditar que Marcelo Odebrecht ou Léo Pinheiro são mais corruptos que os executivos do Itaú ou do Santander, que também financiavam campanhas eleitorais, que também estabeleciam relações nada republicanas com a classe política.

Por que uns foram presos, enquanto os outros estão aí, lucrando bilhões todos os anos?

A seletividade da Operação Lava Jato é óbvia e salta aos olhos de qualquer um que queira enxergar a realidade. A narrativa do combate à corrupção está sendo utilizada como pretexto para o desmanche do Estado e dos investimentos públicos em infraestrutura, o que favorece os interesses ligados ao capital financeiro nacional e internacional. A comunidade jurídica brasileira colaborou com esse projeto, ajudou a desmontar parques industriais, levando empresas nacionais à falência, sempre com o pretexto do “combate à corrupção”.

Como bem disse Eugênio Aragão, ex-ministro da Justiça, a Justiça brasileira “prometeu acabar com os cupins, mas acabou ateando fogo à casa”.

Porém, seria um erro dizer que a comunidade jurídica é um bloco homogêneo, que todos os seus integrantes se movem na mesma direção. Alguns momentos na cronologia da crise mostram que o cenário não é tão simples, que há bacharéis dispostos a confrontar a hegemonia daqueles que entregaram seus serviços aos interesses do capital financeiro internacional.

Destaco aqui três nomes: Rodrigo Janot, Rogério Favreto e Marco Aurélio de Mello.

Em algum momento da crise, os três contrariaram interesses hegemônicos. Meu objetivo aqui é relembrar esses episódios e sugerir que a resistência democrática não pode abrir mão da institucionalidade. Ir às ruas e disputar o imaginário das pessoas não significa deixar de operar por dentro das instituições burguesas, explorando suas contradições. Uma coisa não exclui a outra. Uma coisa complementa a outra.

 

Rodrigo Janot

Rodrigo Janot foi empossado pela presidenta Dilma Rousseff como procurador geral da República em 2013, sendo reconduzido ao cargo, também por Dilma, em 2015. Janot foi personagem protagonista em alguns dos momentos mais agudos da crise brasileira, no período que compreendeu a derrubada de Dilma Rousseff e a ascensão de Michel Temer.

Sinceramente, não sou capaz de definir a identidade ideológica de Rodrigo Janot, de dizer se ele é de esquerda ou de direita. Talvez ele não pense a realidade nesses termos. Antes de se tornar procurador geral da República, Janot tinha atuação engajada na defesa dos direitos da população carcerária. No segundo turno das eleições presidenciais de 2018, Janot se manifestou a favor da candidatura de Fernando Haddad.

26 de agosto de 2015. Sabatina de recondução de Janot à chefia da Procuradoria Geral da República. Senado Federal. A crise institucional se aprofundava e começava a se desenhar no horizonte o golpe parlamentar que meses depois derrubaria Dilma Rousseff.

A oposição, liderada por senadores do PSDB e do DEM, colocou Janot contra a parede. Ana Amélia, Aécio Neves, Aloísio Nunes, Antonio Anastasia exigiam que a PGR denunciasse a presidenta Dilma Rousseff. Foram quase 12 horas de uma sabatina tensa e atravessada pelo partidarismo político. Por inúmeras vezes, Janot disse que não havia indícios suficientes para fundamentar uma denúncia contra a presidenta da República.

Janot não denunciou Dilma enquanto ela estava no exercício do mandato.

Já com Temer, o comportamento de Rodrigo Janot foi completamente diferente. Foram duas denúncias, em pleno exercício do mandato. A primeira denúncia foi apresentada em junho de 2017. A segunda veio três meses depois, em setembro.

Michel Temer precisou acionar suas bases na Câmara dos Deputados para barrar as duas denúncias. Precisou liberar verbas para os deputados aliados. Precisou gastar capital político. Acabou lhe faltando fôlego político para aprovar a Reforma da Previdência, que era a grande agenda do seu governo. Capital político tem limite, igual a peça de queijo: diminui um pouco a cada fatia retirada.

Se Temer não conseguiu aprovar a Reforma da Previdência, parte da derrota pode ser explicada pelas flechas disparadas por Rodrigo Janot, que acabou colaborando para defender os direitos previdenciários dos trabalhadores brasileiros do ataque do capital especulativo.

Qual era o seu objetivo? Comprometimento com uma agenda social-democrata? Um republicanismo genuíno que parte do princípio de que não pode existir seletividade na aplicação da lei? As duas coisas juntas?

Não dá pra saber. Fato mesmo é que ao desestabilizar Michel Temer, Janot contrariou os interesses do rentismo.

 

Rogério Favreto

Quem acompanha a trama da crise brasileira lembra bem do dia 8 de julho de 2018. Era manhã de domingo e o país foi sacudido pela notícia que dividiu a sociedade, deixando metade da população em estado de graça e a outra metade babando de ódio.

“Lula vai ser solto!”. Assim, estampado em letras garrafais em todos os veículos da imprensa.

Rogério Favreto, desembargador do Tribunal da 4° Região em diálogo direto com lideranças petistas, autorizou um habeas corpus de urgência, determinando a soltura imediata de Lula.

Todos os envolvidos sabiam que Lula não seria solto. Lula nem fez as malas. O objetivo ali era tático: levar as instituições burguesas a extrapolar os limites da própria legalidade.

Sérgio Moro despachou estando de férias e negou o habeas corpus, o que ele não poderia fazer. Moro contrariou a ordem de um superior, subvertendo a hierarquia do Poder Judiciário.

Thompson Flores, presidente do Tribunal da 4° Região, cassou a decisão de Favreto, o que somente poderia ser feito pelo colegiado dos desembargadores.

Em um ato de resistência, Rogério Favreto deixou claro para o mundo que Lula é um preso político que a todo momento inspira atos de exceção.

 

Marco Aurélio Mello

Marco Aurélio Mello, tendo mais coragem que juízo, vem sendo a voz da resistência no Supremo Tribunal Federal. Eu poderia dar vários exemplos de ações de Marco Aurélio em defesa da Constituição, da legalidade democrática e da soberania nacional. Fico apenas com dois.

1°) Em 19 de dezembro de 2018, na véspera do recesso do Judiciário, Marco Aurélio soltou um bomba: em decisão autocrática determinou que a Constituição fosse respeitada, ordenando a libertação de todos os presos condenados em segunda instância, o que beneficiaria o presidente Lula.

É que a Constituição é clara. Só pode prender depois do trânsito em julgado. Se está errado ou não é outra discussão. Constituição não se questiona, a não ser para fazer outra Constituição.

Liminar pra cá, liminar pra lá. Procuradores da Lava Jato convocando entrevista coletiva para dizer como STF deveria agir. Mais uma vez a sociedade dividida. Novamente, Lula nem fez as malas, pois experimentado que é, sabia muito bem que não seria solto.

Dias Toffoli, presidente do STF, derrubou a decisão de Marco Aurélio, contrariando o regimento interno da Casa, que diz que somente a plenária do colegiado é legítima para anular ato autocrático de um ministro.

Se Lula não estivesse preso, o regimento seria respeitado. Lula não é um preso comum.

2°) Na última semana, vimos outro embate entre Marco Aurélio e Dias Toffoli. Dessa vez, o motivo foi a venda dos ativos da Petrobras. Marco Aurélio, outra vez em decisão autocrática, proibiu a venda, num ato de defesa da soberania nacional. Dias Toffoli autorizou a venda, se alinhando aos interesses privados e internacionais.

Apresentei três exemplos, de três profissionais da lei que em algum momento da crise contrariaram os interesses que hoje ditam os rumos da política brasileira. Não existiu nenhuma articulação entre eles. Os exemplos mostram apenas que as instituições burguesas não são homogêneas, que existem contradições que devem ser exploradas.

A resistência democrática, portanto, precisa se equilibrar sobre dois pés. Um nas ruas, agitando e apresentando soluções para o nosso povo, que já vai começar a sentir na pele as consequências de um governo ultraliberal, autoritário e entreguista. O outro pé deve estar bem fincado nos corredores palacianos, onde se desenrolam as tramas institucionais.

Precisamos, sim, de líderes populares, de líderes que saibam falar ao coração do povo, que entendam as angústias da nossa gente. Precisamos também de articuladores, de conhecedores da lei e dos regimentos, de lideranças versadas no jogo jogado nos bastidores. Resistência democrática é trabalho de equipe.

 

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Armai-vos uns aos outros

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Por José Barbosa Junior
O presidente da República Fundamentalista de Vera Cruz (antigo Brasil – porque agora nada pode ser vermelho), decretou nesta terça-feira algumas flexibilizações na Lei que regulamentava a posse de armas, o que, na prática, significa que ele liberou geral. A proposta anterior, de no máximo duas armas por cidadão, passou para quatro armas, sendo liberadas outras mais, conforme a necessidade apresentada pelo futuro portador.
Em resumo, a barbárie está liberada oficialmente em nosso país. “Cidadãos de bem” agora vão poder, finalmente, matar os bandidos que lhe atormentam a vida. Por bandidos leia-se pobres, pretos, pardos e párias, que de já tão coisificados, tornaram-se sem valor e pessoalidade em sua existência.
O que mais me choca, porém, é que Bolsonaro foi eleito e é apoiado, inclusive e principalmente nesta questão, por gente que se afirma cristã. Isso mesmo! Gente que diz seguir aquele nazareno marginal que afirmou que “bem-aventurados são os pacificadores, pois eles serão chamados filhos de Deus”, aliás o mesmo que afirmou que “quem vive pela espada, morrerá pela espada”.
Parece estranho. E é.
Mais estranho ainda porque em toda a campanha do atual presidente, ele fez questão de repetir o versículo que diz “e conhecereis a verdade e a verdade vos libertará”.
A verdade é que a liberação de armas só gerará mais violência num país que respira violência.
A verdade é que mais mulheres serão vítimas de feminicídio, já que seus maridos machões agora poderão ter suas armas para suprirem seus outros fracassos.
A verdade é que mais LGBT’s morrerão nas mãos de homofóbicos que disfarçam seus preconceitos em discursos machistas e religiosos.
A verdade é que agora fica mais fácil planejar o suicídio, endêmico numa sociedade cada vez mais doente e adoecedora, refém de um sistema que empurra pessoas à depressão (sem contar as depressões que independem de fatores externos) e num país onde adolescentes cada vez mais se matam por conta de bullying e outras coisas mais. Ah! E sem falar no alto índice de suicídio entre pastores, tema cada vez mais recorrente nos últimos anos.
A verdade é que as brigas de trânsito, de bares, de baladas agora serão resolvidas na base do “quem saca primeiro”, porque com essa liberação a ideia de que o outro possa estar armado será sempre evidente e, entre ele e eu, é melhor que eu saque antes dele.
A verdade é que temos um governo violento, que ampara e incita à violência, que não esconde o prazer na tortura e na morte dos inimigos. Isso legitima e legitimará a barbárie!
Em nome da verdade… no governo mais mentiroso que já temos! E eu aguardo o dia da liberdade! Ela virá… mais cedo ou mais tarde!

*Teólogo e Pastor da Comunidade Batista do Caminho em Belo Horizonte.

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