Quando Dilma Rousseff assumiu a Presidência, em 2011, ela ouviu do padrinho político, o ex-presidente Lula, um único conselho sobre a área ambiental: “Dilma, só não pode deixar o desmatamento subir”. Lula sabia o quanto a imagem internacional do Brasil e a avaliação do ocupante do Planalto dependiam de um controle efetivo da devastação, principalmente na Amazônia.
Sabia também que sua sucessora era provavelmente a presidente com menor apreço pelo meio ambiente desde a redemocratização, e ele não queria ver o próprio legado – foi no primeiro governo Lula que o desmatamento na Amazônia começou a cair – atirado ao vento.
Oito anos depois, temos uma situação inédita na história recente do país: o gabinete presidencial é ocupado por uma pessoa que, mais do que desprezar a área ambiental, faz-lhe oposição ativa, como se exercitasse contra a natureza alguma vingança pessoal. Talvez, antes daquela multa por pesca ilegal em Angra, tenha caído da jabuticabeira ou tomado picada de marimbondo; Freud há de explicar. Seja como for, Jair Bolsonaro parece dormir e acordar com a obsessão de pôr abaixo até a última árvore, extinguir até a última unidade de conservação e desalojar até o último índio do Brasil. Cada um desses desejos tem consequências. Para um país cuja balança comercial depende da venda de produtos agrícolas e minérios, consequências sérias.
Os movimentos da cruzada antiambiental de Bolsonaro e de seu subministro da Agricultura, Ricardo Salles, são conhecidos. Salles seccionou a medula da governança ambiental brasileira, desarticulando políticas construídas cuidadosamente desde pelo menos a Rio-92. Acabou com as áreas de mudanças climáticas e a responsável pelos planos de prevenção e controle do desmatamento. Deixou o Ibama acéfalo na maioria dos Estados e amarrado em Brasília, perseguindo e desautorizando seus agentes – que acusa de “ideológicos” e “ineficientes”.
Ao mesmo tempo, em nenhum momento contrapôs o discurso do chefe de empoderar criminosos ambientais, como no caso em que Bolsonaro molhou os pés no crime de responsabilidade ao gravar um vídeo ordenando a suspensão da destruição de equipamentos de bandidos que roubavam madeira numa área protegida em Rondônia. Salles poderia ter ficado quieto, mas ameaçou editar uma portaria vedando a destruição.
Os resultados disso tudo têm sido o espraiamento da sensação de impunidade na ponta e o franco descontrole sobre o crime ambiental. O número de multas por desmatamento até maio deste ano foi o menor em uma década, e o número de operações do Ibama na Amazônia caiu 70% de janeiro a abril deste ano em relação ao mesmo período ano passado. Bolsonaro foi eleito prometendo “tirar o Estado do cangote de quem produz”. O efeito real foi tirar o Estado do cangote de quem depreda.
A navalha de Occam – princípio filosófico que afirma que, se um fenômeno tem várias explicações, a mais simples costuma ser a correta – faria supor que tudo isso levaria a um aumento do desmatamento na Amazônia e no Cerrado. De fato, é o que se verifica. Após um primeiro trimestre de redução expressiva nos alertas de desmatamento do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), provavelmente devido à grande cobertura de nuvens sobre a floresta, os meses secos de maio e junho mostraram uma aceleração. Maio teve o pior índice para o mês desde que o sistema do Inpe passou a operar com satélites mais precisos, em 2016. É cedo para dizer qual será o impacto na taxa oficial de 2019, que será conhecida após agosto. A depressão econômica pode frear o desmatamento especulativo, deixando o índice mais ou menos empatado com o trágico 2018, na casa dos 8 mil km2, ou, pouco provável, até reduzi-lo um pouco. Mas um eventual crescimento terá nome e sobrenome: Jair Messias Bolsonaro.
Imagem por Daniel Kondo
E nada indica que vá parar por aí. Bolsonaro, neste momento, briga com o STF pelo direito de violar a Constituição e empurrar a demarcação de terras indígenas para o Ministério da Agricultura, já barrada pelo Congresso. Salles anuncia a revisão de todas as áreas protegidas federais do Brasil. E o filho 01 do presidente, o senador Flávio Bolsonaro, tenta aprovar no Senado nada mais, nada menos que o fim da reserva legal, o que abriria uma área equivalente a quatro estados de São Paulo ao desmatamento. Como se para provar uma aliança de sangue com o setor mais atrasado do ruralismo, o senador ainda propôs – em afronta direta a pelo menos dois artigos da Constituição – eliminar a função social da propriedade rural. É uma espécie de fetiche de certa facção do ruralismo, que nunca engoliu a Carta de 1988 e talvez ainda tenha problemas em aceitar as leis de 1888.
A leitura que os mercados internacionais e os clientes das commodities brasileiras fazem disso tudo é simples: o agronegócio do Brasil não pode prescindir de desmatamento nem de acesso livre a terra barata. Para quem quer impor barreiras não tarifárias às commodities brasileiras e adiar acordos comerciais, trata-se de um prato cheio. Para o ministro da Economia, Paulo Guedes, mais um motivo de preocupação. A destruição ambiental pode ser o maior tiro no pé da economia nacional.
O Brasil já teve uma amostra dos prejuízos que crises de imagem acarretam, com a suspensão das importações de carne brasileira por alguns países na esteira da Operação Carne Fraca, em 2017, que detectou corrupção na inspeção sanitária. Em junho deste ano, uma rede sueca de supermercados iniciou boicote a produtos brasileiros por conta de mais um problema de mindset do governo – a liberação recorde de agrotóxicos. Dois rounds importantes da luta contra o desmatamento serão travados nos próximos meses, no acordo comercial União Europeia-Mercosul e nas negociações para a entrada do Brasil na OCDE.
A UE está sob pressão doméstica para barrar o acordo por conta do impacto que o governo Bolsonaro pode ter sobre a consecução das metas do Acordo de Paris. Em abril, mais de seiscentos cientistas europeus e duas organizações indígenas brasileiras pediram à UE que vinculasse o acordo a salvaguardas socioambientais. Em junho, mais de 340 organizações da sociedade civil pediram suspensão das negociações diante da deterioração do meio ambiente e dos direitos humanos no Brasil. O presidente da França, Emmanuel Macron, já prometeu eliminar o desmatamento das importações francesas até 2030 e vinculou o acordo comercial à adesão ao acordo do clima.
Embora o Brasil tenha permanecido formalmente no Acordo de Paris, alguém já deveria ter dito a Bolsonaro que também é preciso cumpri-lo – e isso vai de encontro à sua cruzada contra a floresta. Cientistas brasileiros estimaram que um cenário de descontrole sobre o desmatamento causaria emissões anuais só na Amazônia de 1,3 bilhão de toneladas de gás carbônico, ou 3% do que o mundo emite por queima de combustíveis. Nesse cenário, não apenas o Brasil não cumpriria suas metas, como também poderia colocar fora de alcance o objetivo global de estabilizar o aquecimento global em 1,5 °C, preconizado pelo Acordo de Paris.
Da mesma forma, o chanceler Ernesto Araújo vem fazendo, aparentemente sem muita convicção, uma ofensiva de greenwashing do Brasil para acalmar a OCDE, cujos critérios de compliance ambiental são rigorosos. Será muito difícil brandir a linha de defesa padrão do governo – dizer, usando dados falsos, que “o Brasil é o país que mais preserva no mundo” – quando onze sistemas de alerta por satélite contam a história oposta.
Talvez os indícios mais claros de que a situação está indo longe demais sejam manifestações recentes de representantes do setor agroexportador contra, por exemplo, o projeto de Flávio Bolsonaro e outras propostas de mudanças no Código Florestal. Mas defender a lei florestal e a segurança jurídica que ela traz não vai salvar a imagem – e os mercados – das commodities brasileiras. Se o agro que quer ser pop quer se diferenciar do ogro que não se importa de não o ser, tem de levantar a voz contra todo o desmonte ambiental de Bolsonaro. E também contra quem faz lobby pela terra arrasada, que não respeita limites, que acha ser possível destruir leis e florestas e engabelar a comunidade internacional vendendo uma sustentabilidade que não existe.
Carlos Rittl é doutor em Biologia pelo Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa) e secretário executivo do Observatório do Clima, rede de organizações da sociedade civil.
Há exatamente cinco anos acontecia o rompimento da barragem do Fundão em Bento Rodrigues, distrito de Mariana, MG, levando 20 vidas, destruindo a vila e jogando toneladas de lama de minério no oceano ao acabar com a vida ao longo do Rio Doce em Minas e no Espírito Santo. A barragem da Vale S.A. e BHP Billiton, mas operada pela mineradora Samarco, rompeu-se na tarde do dia 5 de novembro de 2015.
Durante todo esse período, mais de 1.800 dias, os responsáveis pelo crime não foram julgados. Em 2019, o crime de homicídio foi retirado do processo. As mortes provocadas pelo rompimento da barragem foram consideradas pela Justiça como simples consequência da inundação causada pelo rompimento, prevalecendo a impunidade. De lá para cá, as comunidades destruídas não foram reconstruídas e não há respostas para a recuperação do meio ambiente e para moradores, que passaram a sofrer de depressão e outras doenças.
Foto de Aloísio Morais
“Tudo está por fazer”. Esta é a conclusão da chefe da Força-Tarefa Rio Doce, Silmara Goulart, procuradora do Ministério Público Federal (MPF), sobre o crime cometido pelas empresas Vale S.A., BHP Billiton e Samarco. “A sensação, olhando cinco anos de desastre, é de consternação e profunda tristeza com a desolação, tudo ainda está por fazer”, conclui Silmara. “Nenhum grupo de atingidos foi integralmente indenizado, o meio ambiente também não foi integralmente recuperado e sequer o distrito de Bento Rodrigues foi reconstruído”, afirmou.
Além disso, um outro bom exemplo que ela aponta é o auxílio emergencial pago aos atingidos, que foi suspenso em plena pandemia. A procuradora ressalta também o fato do caso envolver duas empresas que estão entre as mais ricas do mundo, a Vale e a BHP Billiton, controladoras da Samarco, que atua em Mariana. “Antes do desastre, elas preferiram economizar para não reparar a barragem que estava em risco. Agora, os mesmos responsáveis preferem brigar para economizar centavos às custas da dignidade humana. Nós, do MPF e instituições parceiras, tentamos todas as estratégias possíveis, pedimos recomendações, recorremos de decisões, mas os resultados são frustrantes”, disse Silmara durante entrevista coletiva.
Na zona rural de Barra Longa as casas e imóveis das comunidades foram parcialmente encobertas pela lama que chegou pelo rio Gualaxo do Norte. Foto de Tânia Rego/ABR
Na ocasião, MPF, Ministério Público de Minas Gerais e Defensoria Pública de Minas Gerais e do Espírito Santo criticaram a Fundação Renova, criada pelas mineradoras para reparar os danos ambientais e sociais, pelo descumprimento de acordos feitos ainda em 2016, como a criação das câmaras técnicas para assessorar os atingidos. Apenas cinco das 23 câmaras foram contratadas até agora. “Brumadinho (na Grande Belo Horizonte, onde outra barragem se rompeu há quase dois anos) tem assessoria técnica, embora a Vale lute contra. Lá temos avanços incríveis que, infelizmente, não temos em Mariana, onde o desastre é mais antigo”, apontou o promotor André Sperling.
As instituições criticam também a atuação da 12ª Vara da Justiça Federal por decisões recentes envolvendo a tragédia de Mariana. “A diferença principal (entre a reparação em Brumadinho e Mariana), além da experiência acumulada de um caso para o outro, é a atuação do Judiciário Estadual, que foi bem superior em comparação com o Judiciário Federal”, completou Sperling.
Ilustração de Vilé
O procurador Edilson Vitorelli, do MPF, lembrou que, no meio deste ano, o órgão ficou sabendo pela imprensa que corria na Justiça um processo de reparação de dano que não constava no processo coletivo. “Começamos a fazer pesquisa e descobrimos que a Justiça Federal de Belo Horizonte admitiu a instauração de 13 processos desmembrados do nosso processo federal, os quais não eram conhecidos de nenhumas das instituições da força-tarefa. Desses 13 processos, além do MPF não ter sido intimado, nove foram mantidos em segredo de Justiça. Nem que se tentasse pesquisar não seria viável localizá-los. Quem faz coisa certa não faz escondido. Se fosse coisa boa para os atingidos não seria feito de forma oculta”, afirmou Vitorelli.
A Fundação Renova, administrada por Samarco, Vale e BHP Billiton, informou que os novos processos indenizatórios, de adesão facultativa, foram implementados a partir de decisão da 12ª Vara Federal, após petições apresentadas pelas Comissões de Atingidos de Baixo Guandu (ES) e Naque, no Vale do Aço. “O papel da Fundação Renova é executar o que está definido pela sentença judicial”, justificou.
Até setembro, segundo a Renova, foram destinados R$ 10,1 bilhões para as ações de recuperação e compensação. Até 31 de agosto, cerca de R$ 2,6 bilhões foram pagos em indenizações e auxílios para cerca de 321 mil pessoas.
Ilustração de Janete
Nota do MAB
A propósito dos cinco anos do crime da Vale S.A. em Mariana, o Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB) divulgou a seguinte nota:
Nós, atingidos e atingidas de toda a bacia do Rio Doce e litoral capixaba, somos pescadores e pescadoras tradicionais do rio, do mar e do mangue, marisqueiras. Somos trabalhadores da cadeia de apoio da pesca, comerciantes, pousadeiros e surfistas. Somos ribeirinhos e agricultores familiares e artesãs. Somos povos tradicionais, indígenas e quilombolas, assentados da reforma agrária, moradores das comunidades atingidas. Nós somos homens e mulheres, idosos e crianças que tivemos nossos sonhos e projetos de vida interrompidos há cinco anos, pelo crime das mineradoras Vale, Samarco e BHP.
Estamos hoje, dia 5 de novembro de 2020, em Regência (ES), reunidos na foz do rio Doce, para dizer às empresas criminosas: Nossas vidas não têm preço! Não daremos quitação geral as empresas! Não estamos quites deste crime!
Não tivemos de volta nossas vidas, nosso rio, nosso trabalho, nossa renda, nosso lazer, nossa autonomia, nossos sonhos, nem sequer as nossas casas foram concluídas em Mariana e Barra longa, nos três reassentamentos propostos. Somos seres humanos e não mercadoria, não estamos a venda, sem reparação não haverá quitação.
Temos direito a ter voz e vez nas decisões. Estamos cansados de ter nossos destinos colocados à mercê de empresas, políticos e juízes, poderosos e donos desse sistema, que rouba nossos direitos à luz do dia sem nenhum pudor, e nos afundam cada vez mais nessa lama tóxica de interesses privados.
Nossos saberes tradicionais e populares, o nosso conhecimento acumulado por meio de gerações sobre nossos territórios e nossos modos de vida deve ser levado em conta. Já estávamos nos territórios antes da lama chegar. Estaremos aqui, e a nossa descendência estará por gerações nos mesmos territórios, mesmo após a Fundação Renova e os governantes que hoje estão à frente da reparação.
Não permitiremos mais que as nossas vidas sejam resolvidas entre quatro paredes pelas criminosas e seus cúmplices. A solução do problema vira de nós, atingidos e atingidas, povo unido e organizado.
A verdadeira participação popular virá das ruas, das praias, das escolas, das beiradas de rios e mangues, das vilas e das comunidades atingidas. Virá do povo atingido, em seu espaço de vivência, de afeto e de luta.
E, por fim, não abriremos mão de nossa saúde e bem-estar. Além das 19 vidas e do aborto em Bento Rodrigues, muitas outras vidas foram perdidas nesses cinco anos. Vidas que se foram, e vidas que nunca mais serão as mesmas.
Queremos de volta nossa água, nosso rio, nossas praias, nosso lazer e nosso alimento. Aqui está o povo que sempre trabalhou duro para ter o que comer, e sempre produziu alimento saudável para as nossas famílias e comunidades.
Não pedimos para ser atingidos por esse crime, mas agora que fomos, seremos de cabeça erguida e com a certeza de que estamos do lado certo da história. É hora de o Brasil dar um basta a essas empresas que se orgulham de recordes seguidos de lucro – enquanto negam ao povo humilde a justa reparação aos danos causados aos nossos territórios, aos nossos corpos e as nossas vidas.
Vale, Samarco e BHP, se preparem, pois estamos aqui para dizer em alto e bom som: saímos do luto, e os próximos cinco anos serão de muita luta!
Do Rio ao Mar, não irão nos calar! Águas para Vida, Não para Morte!
Ruínas deixadas pela lama em Bento Rodrigues – José Cruz/Agência BrasilBarra Longa (MG) – Rio Gualaxo do Norte poluído pela lama levada pelo rompimento da Barragem de Fundão – José Cruz/Agência Brasil
Obs. A foto de abertura deste texto é de Antônio Cruz/ABR
Protocolo. Ao chegar nas proximidades da Aldeia Cajueiro, passamos por dois caminhões do exército indo embora por volta das 15h e levantando poeira na estrada sem asfalto. De dentro do carro, vimos a muralha de fumaça típica de qualquer queimada no país. O cheiro de mata queimada é forte. A última vez que senti esse cheiro pesado, foi no Pantanal, no começo do mês.
As queimadas avançam no Pará
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Descendo do carro, já com câmera na mão, olho para o lado e vejo um grupo de indígenas no barracão da entrada, sentados, olhando para o fogo. Alguns bebem água. Suados. Cansados. Pergunto para um dos Tembé, o porquê de o exército ter ido embora, se ainda há fogo pra combater. Ele me diz que falaram que às 14h precisam voltar para a base. É o protocolo.
Ao chegar me apresento para o chefe de operações do Corpo de Bombeiros do Estado do Pará, subcomandante Plínio. Um homem simpático e abatido. Suando e com o olhar fixo na fumaça, ele me diz que o fogo está descontrolado e avisa que “o corpo de bombeiros vai deixar a área às 18h. É Protocolo.”
Morador da Aldeia Cajueiro dos Tembé Tenetehara
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Os brigadistas sob o comando do sub Plínio, como eles o chamam, não aparentam só cansaso. Estão desorientados, sem saber o que fazer com a falta de equipamentos e com o calor, que os deixa desnorteados a cada vez que precisam entrar na mata. Tentam se proteger da tiririca – gramínea que corta o rosto e braços – e das tachis, formigas vermelhas e venenosas que entram na roupa e dão choques ao ferroar o corpo. Parece drama de quem vive na cidade, até você ser ferroado por dez formigas de fogo de uma só vez.
Uma bomba motorizada para puxar água é colocada em uma caixa d’água antiga, em cima de um caminhão; só assim é possível utilizar a mangueira para apagar um foco grande de fogo mata adentro. Tudo improvisado. Os bombeiros, suados e gritando palavras de ordem uns para os outros, não parecem saber o que estão fazendo. Não se entendem. Discutem sobre o comprimento certo da mangueira. Esquecem de por os EPIs e pedem para não serem fotografados sem o equipamento. É protocolo.
Os bombeiros sofrem com a falta de equipamentos. Protocolo
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Do outro lado, os Tembé entram na mata mais rapidamente, para acalmar as chamas que vão se formando. São muitos focos de fogo. O chão, em muitos lugares, está em brasa. As copas das árvores estão pegando fogo e é preciso derrubar algumas. É necessário atenção máxima para os pedaços grandes de brasa que caem. Uma sucupira de mais de 100 anos vai ao chão pela motoserra. Tudo nessa situação é perigoso. Alguém pode ser esmagado por esses colossos que queimam por dentro. Os indígenas entram na mata no momento em que a árvore desaba, para apagar as brasas antes que, mais uma vez, o fogo pule para outros pontos; usam mochilas amarelas de água, emprestadas pelo Corpo de Bombeiros do Estado do Pará. A fumaça sobe no meio do mato, mas ainda é preciso esfriar mais a árvore tombada. São 18h e os bombeiros precisam sair. É Protocolo.
As árvores que tem suas copas incendiadas tem que ser derrubadas. Protocolo
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Lançados à própria sorte, sem equipamento adequado, sem mangueira, sem treinamento e sem EPIs, os Tembé decidem abandonar a briga. Não há mais o que fazer. A noite esconde outros perigos além do fogo. O fogo pode ser visto a olho nu na escuridão. Serpentes como a cascavel e a jajaraca ficam escondidas e atacam, caso sejam pisoteadas. São invisíveis! Consumidos pelo fogo, galhos ficam expostos como espetos afiados, na mata e no chão. Uma espetada nas pernas, pés ou na barriga pode ser fatal, no meio da mata e à cinco horas de distância da cidade mais próxima, Paragominas.
Aldeia Cajueiro dos Tembé Tenetehara
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Alguns dos Tembé voltam pra Aldeia Cajueiro, mas outros precisam ficar e lidar com a falta de energia e luz. Fios dos postes foram derretidos pelo fogo. O cacique Reginaldo Tembé e outros Tembé Guardiões da Floresta, tentam fazer a emenda de um fio de alta tensão que foi rompido durante a queimada que já dura mais de três semanas.
O fogo misterioso, que começou de forma estranhamente milagrosa, próximo a uma fazenda, não vai descansar à noite. O fogo não sabe o que é descanso. Vai consumir mais ainda a mata, ao compasso do vento, assim como vai consumir os animais, como o bicho-preguiça, a jibóia e o jabuti. O fogo não sabe o que é protocolo.
Os guardiõe Tembé Tenetehara da Aldeia Cajueiro tentam salvar o território
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Amanhã de manhã, na Aldeia Cajueiro, os Tembé Tenetehara, cansados e com fome, irão acordar para batalhar mais uma vez, sem apoio dos bombeiros e do exército. Serão despertados pela fumaça que cobre a aldeia. Terão tosse mais uma vez. É o protocolo.
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Vejam outras matérias sobre as queimadas na Amazônia e no Pantanal.
A situação do nosso almejado Parque da Fonte é muito crítica
Impedidos de entrar na área, temos recebido e encaminhado diversas denúncias de novas contruções dentro do terreno, árvores derrubadas, queimadas, a água que escoava pela Rua da Fonte secou, fotos do Google mostram Córrego da Fonte soterrado e depois, coberto com gramado.
A indignação e impotência é imensa
Na justiça, processo aguarda apenas o deferimento da imissão da Prefeitura na posse. Num primeiro momento, juíza indeferiu, exigindo que a Prefeitura depositasse mais 3 milhões de reais – mas a dívida do proprietário com a prefeitura já ultrapassa o valor do imóvel, por que motivo depositar um dinheiro que o proprietário não poderá receber? Ninguém poderá receber.
Neste momento, intercedemos para que a excelentíssima juíza reveja sua sentença e, finalmente, esta área volte a ser pública, como históricamente sempre foi. Urge imitir a Prefeitura na posse! Urge que esta área seja pública, que tenhamos direito a entrar, fazer vistorias, participar das medidas de segurança e preservação. E participar da concepção e projeto do Parque da Fonte do Peabiru.
Para que todos escutem nosso grito, resolvemos realizar o FAMQ-LIVE EM DEFESA DA FONTE!
Para entender a situação em que se encontra o Parque da Fonte
2001 – realizamos a “Festa da Ocupação” – movimentou tanto o Butantã, que nos rendeu conhecer o Peabiru.
2003 – foi declarada ZEPEC- Zona Especial de Proteção Cultural, pelo Plano Diretor da Cidade.
2010 – realizamos a ManiFestAção em Defesa da Fonte
2011 – foi decretada de utilidade pública – DUP.
2012 – foi tombada como patrimônio ambiental, histórico e cultural pelo CONPREP – Conselho de Preservação do Patrimônio da Cidade. Muitos eventos continuaram a acontecer na Rua da Fonte: o SoMozum pela Fonte, a Lavagem da Pracinha, Carnaval, Capoeira, Mostra de Artes, Hip-Hop.
2014 – foi declarada ZEPAM – Zona Especial de Proteção Ambiental na revisão do Plano Diretor.
2015 – nas imediações da Rua da Fonte, realizamos o FAMQ – Fonte de Artes do Morro do Querosene, um festival de expressõess artísticas e culturais das mais diferentes linguagens.
2016 – realizamos (na mesma rua da Fonte) o II Encontro de Jongueiros do Morro do Querosene – nesse dia a Prefeitura esteve presente e anunciou o depósito, em juízo, de 2 milhões de reais (naquela época a dívida do proprietário ainda não superava o valor do imóvel). Foi dado início ao Processo na Justiça, este mesmo que agora aguardamos o deferimento para a imissão na posse.
FAMQ-Live em defesa do Parque da Fonte
Agora, nos dias 2, 3 e 4 de outubro de 2020, realizaremos o FAMQ-LIVE EM DEFESA DA FONTE!
Abertura: Dia 2/10 – das 19h30 às 22h – Roda de Conversa ONLINE com transmissão pelo facebook e youtube.
Programação do Festival
Significado, situação e perspectiva do Parque da Fonte do Peabiru e outros parques.
FAMQ – Festival do Paruqe da Fonte, realizado alguns anos atrás
Convidados
Representates do Parque da Fonte do Peabiru, Parque do Jaraguá é Guarani, Parque Augusta, Parque do Bixiga, Parque da Vila Ema, Parque dos Búlfalos, Parque Chácara do Joquéi, Parque do Caxingui, Parque da Àgua Podre, Fórum das Áreas Verdes, Praça das Nascentes, Rios e Ruas, Prefeito de São Paulo, Secretaria do Verde, Secretaria da Cultura, SubPrefeitura do Butantã, Câmara Municipal de São Paulo, vereadores que estão nos acompanhando nesta luta, o atropólogo Paulo Dias, o historiador Júlio Abe, o etnomusicólogo Eric Galm, o indianista Paulo Junqueira do ISA, o representante da SOS Mata Atlântica, o jardineiro do cerrado Daniel Caballero, Daniel Munduruku, e ainda um representando do Parque Estadual Serra do Japi e outro do Parque da Lagoa do Abaeté, de Salvador.
Dias 03 e 04/10 – das 16h às 19h
Festival de Artes (músicos, poetas, dançarinos, capoeiras, grafiteiros, pintores, escultores, literatas, brincantes, circenses, contadores de história, mímicos, bonequeiros)