“A festa”, por Dirce Waltrick do Amarante

Permormance de Marina Abramovic, 2011
Perfomance de Marina Abramovic (2011)

Por Dirce Waltrick do Amarante*

 

O brasileiro é realmente um povo cordial; a prova disso é que, quando soube que alguns membros do Ministério Público passavam miséria, resolveu promover uma festa beneficente para ajudar os ilustres cidadãos, que por anos vêm trabalhando em prol da sociedade; afinal, essa é a função do Ministério Público.

Um grupo se reuniu, alugou o espaço para a festa, um jantar dançante com bingo, contratou um bufê, angariou prendas para serem sorteadas, e escolheu as músicas a dedo, só clássicos da música popular brasileira; afinal de contas, “Brasil acima de tudo”.

A festa estava sendo um sucesso, ônibus haviam sido fretados pelos organizadores especialmente para trazer os juízes, homens também da justiça, que depois de terem perdido o auxílio “seguro de carro” não se arriscavam a tirar seus automóveis importados das garagens. Os desembargadores chegavam em vans também fretadas, e o povo chegava a pé mesmo, pois não tinha mais um tostão furado para gastar com transporte.

A comida servida no jantar estava magnífica: escondidinho de queijo, chuchu à milanesa e lula en su tinta (esse prato, particularmente, estava um tanto indigesto). De sobremesa, brigadeiro e bolo xadrez.

Lá pelas tantas, quando todos dançavam alegres, foi feita uma homenagem a João Gilberto, o pai da bossa nova, morto recentemente. Aplausos gerais. João Gilberto então soltou a voz na caixinha de som: “O pato/ Vinha cantando alegremente/ Quém! Quém!/ Quando um marreco sorridente pediu/ Para entrar também no samba/ No samba, no samba…”.

Nem se ouviu a segunda estrofe da música, foi um bochicho, um alvoroço, uma balbúrdia: os convivas saíram em grupo proferindo impropérios: “Primeiro Lula en su tinta e agora estão insinuando o quê? Que o Marreco entrou no samba? Que samba? E por acaso estão dizendo que o Marreco é corrupto? Vamos processar essa gente!”.

E foi o que fizeram; por sorte, a festa, apesar de tudo, deu bom lucro, o que permitiu que os organizadores contratassem um experiente advogado.

*Professora da Universidade Federal de Santa Catarina. Autora, entre outros, de Ascensão contos dramáticos (Cultura e Barbárie).

 

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