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Educação

A eleição para a reitoria da USP e um modelo de democracia que o Brasil não precisa

Gabriel Nascimento é doutorando pela USP e comenta como aluno os processos de escolha do reitor da universidade.

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São 00h40m. Transcorre o início de mais um dia (23/10) após aquele em que a Universidade de São Paulo consultou sua comunidade universitária sobre a reitoria da instituição.

O voto dos eleitores indicou eleição da professora Maria Arminda (foto), mas quem elege mesmo o reitor da universidade de São Paulo não é o voto direto, mas a consulta a uma assembleia de representantes, um colegiado específico das mais diversas representações da universidade. Fora isso, feita a escolha nessas duas etapas, quem nomeia é o governador, cujo partido governa o estado há mais de 20 anos, e que não tem o costume de indicar o primeiro da lista tríplice.

A lista tríplice é um objeto de governos autoritários, mas incorporado aos governos democráticos pós-1985. Porém, o que chama atenção nessa eleição na USP é a capacidade de uma democracia sem voto. Os eleitores não elegem diretamente o reitor que, há muitas décadas, é nomeado pelo governador.

Sempre quando se fala em país, a USP é um laboratório, para o bem e para o mal.

Desde sua fundação, em 1934, o pensamento social brasileiro tem sido influenciado profundamente pelos quadros teóricos e científicos da universidade. Como parece ser óbvio, mesmo não sendo, a USP já elegeu alguns presidentes da república e o alto escalão de muitíssimos governos. Se foi palco de resistência à ditadura militar, foi também laboratório do golpe aplicado contra a democracia brasileira em 2016, quando a presidenta Dilma foi impedida.

Nos últimos anos, o discurso tucano na universidade tem se inclinado pelo congelamento de expansão da pós-graduação, como se isso fosse automaticamente levar à qualidade, além da expansão do pós-doutorado, revelando a opção da universidade em precarizar o trabalho docente. Além disso, o investimento público reduziu drasticamente graças a uma crise de receita, muito parecida com a do país, com a diferença de que, no país, a crise, ao contrário do pregou Haddad em “Vivi na pele o que aprendi nos livros” (Revista Piauí, junho de 2017), não foi causada por problemas pontuais (como corrupção), mas por excesso de sonegação fiscal, perdão fiscal e falta de auditação da dívida pública interna. Na USP a crise tem uma série de fatores, e a maioria deles está ligada ao privilégio branco de ser intelectual branco na “mais importante universidade brasileira”.

Faz muito, muito tempo que a USP não é a mais importante universidade brasileira. Nas últimas duas avaliações trienais, a USP teve o sinal vermelho da Coordenação de Aperfeiçoamento do Pessoal de Nível Superior (Capes) e resolveu ignorar. A fama era maior que a produção científica há muito tempo e a universidade não se preocupava, apenas ignorava. O resultado se confirmou e vem se confirmando.

Não se pode negar a importância da universidade, para São Paulo e para o país. Com capacidade gigante de inserção e apresentação, a universidade formou quadros de todos os setores do mundo do trabalho profissional, cientistas e intelectuais que contribuíram de forma muito importante para o país. Mas a USP parou na história e vive ainda o rancor de não ter vencido a guerra intelectual dentro da guerra que São Paulo trava contra o país desde 1932.

Não deu outra. Foi na era Lula que as universidades federais avançaram tanto, muitas ainda mais que a USP em muitos quesitos, entre eles qualidade. Mas a USP não fez um milímetro para acompanhar o país. Enquanto há dez anos a política de ações afirmativas dava seus primeiros passos nas primeiras grandes universidades estaduais, a USP estava imóvel, saudando o século XX que lhe criara. Precisou ver o país mudar e nem assim se moveu.

A USP tem cara e cor.

A branquitude da classe média paulistana. Tem classe, aquela dos frequentadores dos grandes clubes de Pinheiros e das mansões do Morumbi. Nem vendo a emergência e grandeza da política de ações afirmativas nas universidades federais se mexeu. Com a reserva de vagas, o Brasil deu um salto e novas demandas foram criadas. A verba da assistência estudantil no país quase chegou a 1 bilhão, e a USP sustentava sua pose de irmã mais velha intelectualizada que não ouve as demais, com o dinheiro sendo aplicado em sustentações de luxo e uma relação dúbia entre público e privado.

Em tempos de fascismo de volta, seu papel está em cheque. Aqueles que defendem a cobrança de mensalidade nas universidades públicas a tomam mais uma vez como exemplo, mesmo ela não sendo mais exemplo de nada. Os dados públicos mostram claramente que, ao contrário dela, a maioria dos estudantes de federais vêm de famílias de baixa renda. Mas ela segue sendo o espelho que a direita brasileira tenta transformar de país e é nela que eles avançam com tanta força de sucateamento, chegando ao cúmulo de demissões de milhares de trabalhadores e cortando todos os investimentos possíveis.

Se, por um lado, a sua privatização é defendida por uma extrema-direita fascista, sua administração é gerida há décadas por uma direita republicana, e seu movimento social oscila entre os setores mais irresponsáveis e inconsequentes da extrema esquerda. Nem nos lugares mais longínquos e coronelistas do país é possível ver setores com tanta dificuldade de diálogo. Talvez uma prova de que conhecimento não tenha nada a ver com capacidade de dialogar.

É com o pesar do olhar focado no desmonte que a universidade vem sofrendo que esperamos o resultado final da consulta para reitor, na certeza de que a democracia uspiana não pode ser exemplo nenhum para um país continental, de tantas riquezas e jeitos, e que não precisa de “locomotiva” de pensamento nenhum para pensar.

Gabriel Nascimento é doutorando em Letras pela USP, professor, autor de “Este fingimento e outros poemas” e “O Maníaco das onze e meia”, diretor da ANPG e da APG Usp Capital.

Educação

Há dois meses, uma escola e seus sonhos foram ao chão

Documentário conta a história da Escola Popular Eduardo Galeano

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Por Lucas Bois e Raquel Baster*

A escola popular Eduardo Galeano foi o primeiro local a ser destruído durante despejo violento que começou no dia 12 de agosto deste ano, pela Polícia Militar, e que se seguiu por três dias, no acampamento quilombo Campo Grande, município de Campo do Meio, em Minas Gerais. Após dois meses do despejo, é lançado o curta documentário “Sonhos no chão, sementes da educação” com depoimentos de educandos, educadores e representantes do setor de educação do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) sobre a situação atual do acampamento.

“Ser analfabeto é a gente ficar no escuro e uma pessoa no escuro, ela não é ninguém”. Essa frase dita no documentário por Adão Assis Reis, explica a importância do acesso à educação contextualizada para alcançar a luz do conhecimento. Aos 59 anos, ele se mostra pronto para voltar à sala de aula assim que a escola for reconstruída. Muitos outros trabalhadores e trabalhadoras rurais poderiam ter a chance de seu Adão, mas os dados vem demonstrando o contrário. Um levantamento de dados do Censo Escolar de 2019, do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (INEP), sobre o número de estabelecimentos de ensino na Educação Básica apontou que, entre 1997 e 2018, foram fechadas quase 80 mil escolas no campo brasileiro. A Escola Popular Eduardo Galeano entra para a estatística não só como mais uma, mas como exemplo de uma política de fechamento de escolas do campo que acontece há anos no país. 

Desenho de uma criança do acampamento Quilombo Campo Grande, ao relembrar o dia do despejo e derrubada da Escola Eduardo Galeano. Frame do documentário “Sonhos no chão, sementes da educação” (2020).

O MST chegou a lançar uma campanha de denúncia em 2011, intitulada “Fechar escola é crime”. E em 2014 foi aprovada a lei (12.960/2013) que obrigou a realização de consulta às comunidades antes do fechamento de escolas do campo, indígenas e quilombolas. Mas parece que não surtiu muito efeito. A própria escola Eduardo Galeano foi fechada pelo governo de Minas Gerais no início de 2019, logo após outra tentativa de desejo no assentamento quilombo Campo Grande em 2018 e reaberta pela resistência do Movimento. “Quando começou o governo de Romeu Zema (Novo) nós recebemos a triste notícia que a Escola seria fechada. E a justificativa era poucos educandos. Eram duas salas aonde chegamos a ter 75 pessoas matriculadas. E, na maioria das vezes, nós mesmos que mantivemos a escola funcionando com nossos recursos porque mesmo sendo uma escola reconhecida, não era garantida pelo Estado”, explica Michelle Capuchinho do setor de Formação do MST.  

Ciranda das crianças do acampamento Quilombo Campo Grande, Campo do Meio (MG).
Frame do documentário “Sonhos no chão, sementes da educação” (2020).

O curta documentário descreve como o despejo e a destruição da Escola impacta diretamente inúmeras famílias, sobretudo crianças e adolescentes. Isso somado a um período onde o isolamento social e medidas de proteção à saúde deveriam ser prerrogativas à gestão estadual no enfrentamento à Covid-19. O MST alega que o despejo foi feito de forma ilegal, já que o processo judicial abrangia 26 hectares inicialmente e depois, sem justificativa e transparência das informações, foi ampliada para 53 hectares no último despacho da Vara Agrária que culminou no despejo de 14 famílias. Cerca de 450 famílias permanecem na área da usina falida Ariadnópolis, da Companhia Agropecuária Irmãos Azevedo (Capia), que encerrou as atividades em 1996.

O filme completo está disponível no YouTube: https://youtu.be/iT1kP7jTO0E

Ficha técnica
Curta-documentário: “Sonhos no chão, sementes da educação”
Imagens e edição: Lucas Bois
Roteiro: Raquel Baster e Lucas Bois
Duração: 22 minutos
Ano: 2020

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Educação

Volta às aulas é proibida pela Justiça em Colégio Militar de Belo Horizonte

Funcionários e inúmeros pais de alunos são contrários à retomada das aulas na instituição do Exército

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Aloísio Morais

A Justiça Federal deu um chega-pra-lá nos militares do Colégio Militar de Belo Horizonte e proibiu o retorno às aulas presenciais a partir da próxima segunda-feira, 21, a exemplo do que outras instituições do Exército pretendem fazer no país. A instituição tem cerca de 750 alunos, 42% do sexo feminino. Dezenas de pais de alunos são contrários à volta às aulas, mesmo com uma série de protocolos a serem adotados. Durante a ditadura, as instalações da escola abrigaram presos políticos, que foram vítimas de tortura no local.

A retomada das atividades escolares na unidade do Exército provocou discussões tanto na Prefeitura de Belo Horizonte quanto no Ministério Público Federal e, como medida de segurança, o Sindicato dos Trabalhadores Ativos, Aposentados e Pensionistas do Serviço Público Federal (Sindsep-MG) entrou na Justiça com um pedido em tutela de urgência para continuidade do regime remoto de aulas, o que foi acatado com a fixação de uma multa de R$ 5 mil por dia, caso ocorra descumprimento da determinação.

Colégio do bairro Pampulha foi usado para abrigar presos políticos durante a ditadura

Sem prejuízo

Na quarta-feira, 16, a direção do Colégio Militar encaminhou às famílias um comunicado informando sobre o retorno obrigatório às aulas na unidade, exceto para os alunos que comprovassem pertencer a grupos de risco para o novo coronavírus. Porém, para o sindicato, o retorno não é necessário, uma vez que os alunos não estariam sendo prejudicados pelo sistema de aulas on-line. Pela avaliação dos professores, os estudantes estão respondendo bem às aulas.

“Nós estamos conversando com os professores há mais de um mês, logo que eles perceberam que seriam convocados para um planejamento presencial das atividades e que incluía desde então o retorno às aulas na própria escola. Nós entendemos que não é necessário um retorno presencial quando tudo pode ser feito remotamente. Sabemos que a cidade está em processo de reabertura, mas achamos que não há necessidade de colocar mais pessoas nos ônibus e nas ruas se os alunos estão respondendo bem às aulas remotas. As aulas estão tendo qualidade”, ressaltou a diretora do Sindicato, Jussara Griffo, ao jornal O Tempo.

Segundo Jussara, o Colégio Militar tinha determinado que retornariam apenas aqueles funcionários que não compõem grupos de risco para a pandemia do novo coronavírus, mantendo em regime remoto, portanto, aqueles com idades superiores a 60 anos e portadores de comorbidades. “Se algumas pessoas permaneceriam em casa, entendemos que o trabalho pode ser mantido remotamente, então não há necessidade de retornar também os outros. Para quê colocar alunos em risco, famílias e professores? Se os alunos estão respondendo bem às aulas remotas, podemos mantê-las”, declarou.

O comunicado feito pelo colégio indicava que haveria um revezamento entre turmas e a adoção de medidas sanitárias relacionadas à Covid-19 para garantir a segurança de estudantes, funcionários e familiares. O retorno contradiz as políticas municipal e estadual que ainda mantêm as aulas suspensas nas redes pública e particular de Minas Gerais. Autoridades da Prefeitura de Belo Horizonte declararam nessa sexta-feira, 18, que poderia procurar a Justiça para pedir a proibição da retomada do ano na unidade militar. Em uma mesma direção, o Ministério Público Federal determinou que o diretor do colégio, o coronel Marco José dos Santos, explicasse à Justiça com um prazo máximo de 24 horas quais estudos técnicos e protocolos de segurança justificariam o retorno às aulas presenciais.

Barbacena


Desde o dia 26 de maio mais de 200 alunos da Escola Preparatória de Cadetes do Ar (Epcar) em Barbacena, no Campo das Vertentes, em Minas, testaram positivo para Covid-19. No dia 22 de junho, o Ministério Público Federal emitiu recomendação ao diretor de Ensino da Aeronáutica, major-brigadeiro do Ar Marcos Vinícius Rezende Murad, e ao comandante da Escola Preparatória de Cadetes do Ar, brigadeiro do Ar Paulo Ricardo da Silva Mendes, para suspender imediatamente todas as aulas e demais atividades acadêmicas presenciais.
A Epcar é uma escola de ensino militar sediada em Barbacena que admite alunos de idade entre 14 e 18 anos por meio de concurso público. No local, estudantes de várias cidades de todo o Brasil vivem em regime de internato e, por isso, dormem em alojamentos e têm aulas em horário integral.

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Cotas

Única vereadora preta de Natal celebra cota do fundo eleitoral para candidaturas negras

Divaneide Basílio (PT) acredita que a decisão do Tribunal Superior de Eleitoral, que determina distribuição proporcional do fundo eleitoral e partidário para candidaturas negras vai incentivar a participação de mais negros e negras na política

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Da agência Saiba Mais

O Tribunal Superior Eleitoral determinou que a partir de 2022 os fundos partidário e eleitoral terão que ser usados de forma proporcional para as candidaturas negras. A decisão é estendida também para o uso do tempo no rádio e na TV das campanhas.

O posicionamento do TSE é fruto de uma consulta feita pela deputada federal Benedita da Silva (PT-RJ), que solicitou a destinação de 50% da verba para candidaturas negras, uma vez que conforme dados do IBGE o Brasil tem 55% da população nesse recorte.

A medida foi anunciada pelo presidente do TSE, ministro Luís Roberto Barroso, e tem a intenção de reduzir o desequilíbrio na participação eleitoral e no financiamento de campanhas das candidaturas de negras e negros. Essa deliberação se soma à determinação de 2018, que obriga o repasse de percentual fixo de 30% do fundo eleitoral para candidaturas de mulheres.

A subrepresentação das mulheres nos espaços de poder do Brasil, e em especial das mulheres pretas, é uma realidade. As mulheres são 51% da população brasileira, mas governam apenas 12% das prefeituras. Já as mulheres pretas administram apenas 3% dos municípios mesmo representando um contingente de 27% da sociedade.

E mesmo as cidades governadas por mulheres são proporcionalmente menores do que aquelas que contam com homens na chefia do Executivo. Apenas 7% da população no país moram em municípios administrados por mulheres, brancas ou pretas. Do total de prefeituras governadas por mulheres, 91% são de municípios com até 50 mil habitantes

Os dados estão disponíveis para consulta pública e foram divulgados pelo Instituto Alzira, organização que desenvolve ferramentas para contribuir com o aumento na participação das mulheres na política.

O parlamento de Natal é um exemplo desse desequilíbrio e subrepresentação. Das 28 cadeiras, apenas uma é ocupada por uma mulher preta. Não bastasse ser a única, a cientista social Divaneide Basílio (PT) também é a primeira vereadora negra da história da Câmara Municipal de Natal.

Para ela, a decisão do TSE deve garantir maior representatividade nos parlamentos:

– Acompanhamos com lupa esse debate, esse tema é algo para nós muito significativo porque vai garantir a ampliação da representatividade. Uma parlamentar como a Benedita da Silva (PT-RJ) provocando esse debate só reforça que a representatividade importa e que nós podemos disputar em condições de igualdade. Porque essa é uma pauta de todo o país. Eu sou a única negra em Natal, mas na maioria dos estados também é assim”, destaca.

Divaneide comemora e compara a decisão do TSE válida para 2022 com a obrigatoriedade do repasse de 30% para as candidaturas femininas.

– O processo, apesar de lento, já representa para as mulheres um avanço. Uma mudança de postura, com isso mais mulheres estão percebendo que poderiam se candidatar, tem melhores condições pra isso. Não é fácil conciliar a vida doméstica com o trabalho. E é uma mudança que nós, no PT, já iniciamos com o projeto Elas por Elas, garantindo formação. Lançamos esse projeto dm 2018 e hoje já é uma realidade e tem ajudado a nos fortalecer. No Rio Grande do Norte o Elas por Elas ajudou na capacitação das mulheres, contribuiu com o planejamento da campanha e aumento o nível de debate”, disse.

Além da questão financeira, a parlamentar que tentará a reeleição em 2020 acredita que a decisão do TSE estimula o envolvimento da população negra do debate político. O próprio Instituto Alzira reconheceu o avanço já notado em 2018 embora a subrepresentação seja latente.

Divaneide não acredita que haverá uma disputa por mais espaço entre candidatos negros e candidatas negras. A pauta antirracista, segundo ela, vai unir o candidatos.

– Vai ser bom pra todo povo negro. A pauta antirracista é de todo mundo, negro e negra. Nós mulheres negras estamos fazendo um debate para aprimorar o gênero de classe e raça. Vamos fazer um Elas por Elas com recorte de mulheres negras. Essas interfaces não são para colocar um grupo em superioridade, mas para mostrar que aquele grupo representa mais de uma identidade”,

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