A DISPUTA PELO CENTRO

 

 

 

ARTIGO

RODRIGO PEREZ OLIVEIRA, professor de Teoria da História na Universidade Federal da Bahia, com ilustração de Al Margen

 

Dizer que as eleições de 2018 não ocorreram sob perfeita normalidade democrática tá longe de ser uma descoberta genial. Qualquer um minimamente atento à crônica política nacional sabe que a corrida eleitoral foi marcada pela produção em escala industrial de notícias falsas, sabe que o candidato favorito foi retirado da disputa por um processo que é, no mínimo, questionável.

No fim de tudo, foi eleito um deputado do baixo clero, até então inexpressivo. O ódio foi afeto político decisivo na corrida eleitoral. Parte considerável do eleitorado se convenceu de que o retorno do Partido dos Trabalhadores ao governo seria o que de pior poderia acontecer ao Brasil. Bolsonaro acabou sendo eleito sem participar de debates, sem discutir seu programa de governo.

Se há ou não sentido nesse antipetismo visceral, se os governos petistas de fato gerenciaram um complexo sistema de corrupção que predou os cofres públicos é tema polêmico, que divide opiniões. O que ninguém duvida, acredito, é que muitos brasileiros preferem o diabo no Palácio do Planalto a ver uma liderança petista vestindo a faixa presidencial. Hoje, o antipetismo é cultura política sólida e nada sugere que esse quadro mudará, pelo menos não no curto prazo.

Como política é, antes de tudo, a arte de se adequar aos aspectos incontornáveis da realidade, a classe política tentou se adaptar ao antipetismo. Desde 2016, a rejeição ao PT é capital eleitoral. Até mesmo candidatos petistas mudaram a identidade visual de suas campanhas. Alguns diminuíram o tamanho da estrela, a tal ponto que pra descobrir que o sujeito era do PT carecia de forçar as vistas e olhar de perto. Outros candidatos, simplesmente, abandonaram o vermelho, adotando o verde e amarelo.

Porém, seis meses de um governo desastroso, que promove o caos administrativo e agiganta ainda mais a crise econômica, trouxeram à realidade outro aspecto, que vem se mostrando igualmente incontornável: o antibolsonarismo.

Nunca antes na história política brasileira um presidente derreteu tão rápido. A popularidade de Bolsonaro desce ladeira abaixo e não seria exagerado dizer que, hoje, só lhe restou como base leal o seu eleitorado orgânico, aqueles que apoiam deliberadamente as teses do bolsonarismo. Não é uma base social desprezível em termos numéricos e em energia de engajamento, como tivemos a chance de perceber no último 26 de maio.

Mas tá muito longe, muito longe mesmo, dos 57,7 milhões de pessoas que votaram em Bolsonaro em outubro de 2018.

O antibolsonarismo, no entanto, não significa, necessariamente, o refortalecimento do petismo. Nada garante que aqueles que estão se desencantando com Bolsonaro voltarão a se encantar com o PT. Talvez esse refluxo seria mais possível se Lula estivesse solto, andando pelo Brasil. Não está. Lula tá preso, convenientemente preso.

O mais provável, portanto, passa a ser a convivência entre o antipetismo e o antibolsonarismo, ambos sendo consensos sólidos e estabelecidos.

A classe política está percebendo essa movimentação da realidade e começa, outra vez, a se adequar. Estamos vendo acontecer uma verdadeira disputa pelo centro do espectro político e ideológico. Aqueles que não são organicamente vinculados ao petismo e ao bolsonarismo tentam se apresentar como lideranças de “centro”, capazes de pacificar o país e livrar os brasileiros dos dois extremos, que teriam se mostrado igualmente destruidores.

Em entrevista ao jornalista Roberto D’Ávila, Fernando Henrique Cardoso disse que se o PSDB quiser sobreviver terá que se tornar “extremo centro”. João Dória, até ontem um bolsonarista entusiasmado, começa a tentar se descolar para o centro, falando em racionalidade administrativa e garantindo que seu governo não atacará as universidades públicas estaduais paulistas.

Em entrevista a Gerson Camarotti, Dória disse que a “crise econômica é causada por excesso de conflitos”, sugerindo que a crise, na verdade, é movida por questões políticas, pela insistência do presidente da República em fomentar conflitos na sociedade. Trata-se de um claro gesto de afastamento.

A movimentação de Ciro Gomes no cenário pós-eleitoral talvez seja a manifestação mais clara desta corrida ao centro. Antes das eleições, ele atacava o PT porque queria que a legenda não lançasse candidatura própria e lhe apoiasse. Ciro desejava ser o ungido de Lula. Foi derrotado pela fisiologia petista. Durante as eleições, Ciro continuou atacando o PT, agora na tentativa de disputar a hegemonia dentro do campo da esquerda. Foi derrotado nas urnas.

Agora, Ciro, ao mesmo tempo, ataca o PT e ataca Bolsonaro, buscando se manter equidistante de ambos, no centro. Essa aposta me parece ser mais inteligente e com mais chances de dar certo.

Basta saber se a tendência se confirmará e a sociedade brasileira, de fato, se inclinará ao centro. Para que isso aconteça, a zona de interseção entre o antipetismo e o antibolsonarismo precisará ser maior do que o petismo e o bolsonarismo orgânicos. As eleições municipais de 2020 serão um bom termômetro.

 

Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do Jornalistas Livres

COMENTÁRIOS

2 respostas

  1. Pena que as cogitações optam pelo centro. Gostaria que trabalhássemos uma esquerda que agregasse os muito insatisfeitos com o capitalismo voraz. Enfim.

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