A casa caiu

Reintegração de posse em edifício na rua José Bonifácio acontece nesta madrugada e famílias não têm para onde ir

por Paula Morais com fotos de Lincon K. e Márcia Zoet para os Jornalistas Livres

Caixas e sacos plásticos guardavam os utensílios dos que ainda permaneciam na ocupação na rua José Bonifácio, na tarde desta quarta-feira, 24. A poucas horas da reintegração de posse, estabelecida pelo Tribunal Regional Eleitoral de São Paulo (TRE-SP), que acontecerá na madrugada de hoje, um depósito para guardarem os objetos e móveis foi o único espaço concedido para as 150 famílias cadastradas pela Frente de Luta por Moradia (FLM).

Foto: Lincon K.

“Separei o que dá para levar para o depósito, mas depois do que acontecer hoje, não tenho para onde ir. Não sei como fica a minha situação. Vamos ficar no meio da rua”, disse Antônio Silva, 44 anos, conhecido como Marquinho. Casado e com uma filha de 14 anos, o pernambucano, da cidade Caruaru, chegou em São Paulo, em 1996, para trabalhar como segurança em uma rede de cinema.

No entanto, foi em 2008 que mudou-se de vez para a capital paulista com o intuito de proporcionar melhores condições para a filha.

Foto: Márcia Zoet

“Se eu fosse sozinho, não me importaria em dormir em cima de um papelão, mas com ela não dá para ser assim. Tenho vontade de pagar aluguel, mas aí falta dinheiro para proporcionar um curso para ela, por exemplo”, falou Silva, que também é cantor e compositor de samba.

Enquanto embrulhava os pacotes para levar até o primeiro andar, por meio das escadas sem iluminação, uma vez que a energia tinha sido cortada, Silva cantava uma de suas músicas e sonhava em gravar um CD. “Tenho esse sonho, mas essa não é a prioridade. Quero deixar é um teto para minha filha”. Por conta das idas para ocupações e comunidades, a filha de Silva mudou de escola por cinco vezes, desde 2008, e está um ano atrasada nos estudos.

Colocar o filho mais novo, de quatro anos, em tempo integral na escola é também a preocupação da cabeleireira Jéssica Marques, 25 anos. Mãe solteira de cinco crianças, Jéssica está há um mês no imóvel que, de acordo com o Plano Diretor Estratégico do Município de São Paulo, não cumpre função social. Ou seja, um espaço que não paga imposto há mais de cinco anos, que não têm uso mínimo e que está abandonado. Por conta disso, pode ser desapropriado e entregue às políticas de moradia.

Foto: Márcia Zoet

Jéssica morava em uma casa de aluguel em São Miguel. No entanto, devido a falta de dinheiro, a cabeleireira e os filhos ficaram em situação de rua. “Ocupei uma casa com cinco cômodos, ainda em São Miguel, mas, cheguei cinco minutos após a audiência, então, eu perdi tudo. Ficamos sem dinheiro e sem nada. É porque eu fui levar todos eles para à escola e não deu tempo de chegar no Fórum no final das contas”, contou.

Antes da ocupação, a família morou em um espaço também com pessoas que estavam em situação de rua. “Mas era diferente daqui porque lá era mais perigoso. Tinha gente com faca na cintura e aqui é só família. Minha maior preocupação era com meu filho mais velho, de 11 anos. Ele está crescendo e eu não queria que visse cenas de violência e briga como já aconteceu”.

Dessa vez, eles também não terão para onde ir e, mesmo sem ter dinheiro para comprar uma barraca para acampar — alternativa dos familiares remanescentes — a preocupação para depois da reintegração de Jéssica é como vai arrumar as crianças para levar à escola. “Sou vaidosa, mas eu dou um jeito de tomar banho em algum lugar. O problema são meus filhos”, disse.

Foto: Lincon K.

Resistência

Algumas pessoas, no entanto, preferem não ficar até a hora da reintegração de posse devido ao medo. “Consegui uma casa de R$ 200 com meu marido e preferimos não ficar. Acreditamos no movimento e sabemos que resistir é preciso, mas é minha primeira ocupação e vejo nos noticiários que a polícia age com violência. Tenho um filho de um ano e tenho medo que algum mal aconteça”, disse Daniele Cristina, 29 anos.

A jornalista e corretora de móveis M.R., que não quis ser identificada, apoia a causa do Movimento Sem Teto do Centro (MSTC) e participa da segunda ocupação, desde que voltou de Brasília para a capital paulista, em 2009. “Não sei como será a reintegração e se será ou não pacífica. Mas o movimento alega os direitos de pessoas vulneráveis protegidas por lei como idosos, pessoas com deficiência e crianças que não estão sendo respeitadas”, falou.

Fotos: Márcia Zoet

O reconhecimento dessas pessoas foi realizado somente na terça-feira, 23, duas semanas após o aviso de reintegração de posse do TRE. “Fomos na Secretaria dos Direitos Humanos para buscar apoio para essas pessoas que estão aqui dentro e, por conta disso, que eles vieram fazer esse reconhecimento”, disse M.R.

Ainda nesta tarde os ocupantes foram à uma reunião com um dos juízes para suspender o pedido de reintegração. O processo, por outro lado, está na 21ª Vara Federal e a justiça estadual não pode intervir. A suspensão aconteceria por meio de um pedido do Presidente do Supremo Federal, Ricardo Lewandowski que, no entanto, está em uma viagem à Suiça.


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