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Habitação

O dilema das ZEIS

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Demarcações de todas as ZEIS em São Paulo para o novo Plano Diretor Estratégico (PDE), aprovado em 2014.

O Plano Diretor Estratégico (PDE), aprovado em julho de 2014 e que orienta as mudanças urbanas na cidade, definiu diversas áreas para habitação social em todas as áreas de São Paulo. Mas várias delas não chegarão se quer a sair do papel. Entenda o dilema das Zonas Especiais de Interesse Social (ZEIS) e os problemas em efetivar o instrumento para tornar São Paulo uma cidade mais justa e menos segregada.

Na histórica avenida São João, bem onde o Minhocão faz a curva, pode-se encontrar um novo empreendimento imobiliário, o Cosmopolitan. Dentro do esquema atual das incorporadoras de produzir apartamentos cada vez menores para um público solteiro e profissional liberal aos moldes do que é feito em grandes metrópoles do mundo como Nova York, o Cosmopolitan oferece espaços entre 35m2 e 50m2. Serão 240 unidades, 12 apartamentos por andar em 20 andares, com uma suíte e uma vaga na garagem cada. Para quem prefere não morar em frente a um viaduto onde passam cerca de 70 mil carros diariamente de acordo com a CET, não há preocupação. Os apartamentos começam depois de seis andares de garagem e lojas no térreo, dentro do que é chamado fachada ativa. A vista do primeiro andar onde se pode morar, então, ficará bem acima do Elevado Costa e Silva. “O que eu mais queria ver é o Minhocão virar um lindo gramado, com árvores e áreas de lazer”, confessa a corretora. Cada metro quadrado no novo empreendimento gira em torno de R$ 9.600, com direito a áreas comuns como um espaço para animais de estimação e um grande salão gourmet. “Você está procurando para morar ou como investimento?”, indaga a corretora na primeira abordagem a um potencial cliente. De acordo com as previsões da própria incorporadora, o apartamento terá uma valorização entre 30% a 40% na data de entrega, prevista para 2018. O metro quadrado, então, ficaria entre R$ 12.480 e R$ 13.450.

Ocupação na mítica esquina da Ipiranga com a São João, onde “alguma coisa acontece no coração”. foto de Vinicius Souza e Maria Eugênia Sá — www.mediaquatro.com

Logo atrás de onde será erguida a torre para o Cosmopolitan, há o antigo Lord Palace Hotel, inaugurado em 1958, desativado em 2004 e ocupado pela Frente de Luta por Moradia (FLM) em 2012. Hoje, moram cerca de 320 famílias espalhadas pelos 16 apartamentos em cada um dos 11 andares. A estrutura do prédio conta com 3 porteiros, 3 ascensoristas e 3 responsáveis pela limpeza. Cada família contribui com R$ 150 por mês para manter tudo funcionando. Jaqueline dos Santos, 48, que hoje mora na ocupação, trabalhou no antigo hotel enquanto ainda operava. “Eu morava no prédio ao lado, pagando aluguel inteiro, e vinha trabalhar aqui no hotel. Muita gente famosa se hospedava aqui, como o time do Palmeiras, Hebe Camargo, Garrincha. Quando eu vi a Hebe, queria ir lá pedir um autógrafo, mas fiquei com vergonha. Só a vi meio de longe, mantendo distância.” No fundo do hotel, há um espaço comum grande, onde antes ficavam estacionados os carros dos visitantes. “Às vezes a gente faz um churrasco com todo mundo aqui, como nas festas de fim de ano”, conta Jaqueline, mostrando o jardim que durante praticamente o ano inteiro fica sem atividades. Ao andar pelos corredores, é visível a quantidade de crianças que moram na ocupação. Diversas portas dos quartos do hotel tiveram desenhos e escritos feitos por elas celebrando a família coladas nas entradas de cada domicílio. A coordenadora da FLM, Maria do Planalto, 59, explica que elas passam a manhã nas escolas e, depois, vão para um dos prédios da Porto Seguro na região. “Elas almoçam nas escolas e jantam lá na Porto Seguro. Assim, as família não precisam se preocupar com a alimentação das crianças. E quando alguém pensaria que seus filhos iriam estudar em uma escola na Paulista?” Nesse meio tempo ou nos fins de semana, ela conta que às vezes levam as crianças até a praça Marechal Deodoro brincar, mas é muito raro. Maria do Planalto é taxativa quando diz que o problema das moradias está também na má administração de verbas públicas. “A corrupção no Brasil está no Judiciário. Cada um deles, além do salário, ganha R$ 4.337 como auxílio moradia e cerca de R$ 7 mil para auxílio-escola de seus filhos. Se tirar R$ 500 apenas dos juízes e promotores, já seria o suficiente para garantir moradia para a gente.” Sobre a polêmica sobre o uso futuro do Minhocão, Maria é bem mais realista que a vizinha corretora: “Acho que o desmonte não dá, né? A referência da cidade é o Minhocão. As questões dos apartamentos de frente são um grande problema, mas se precisa investir é nas periferias. Não há projeto cultural, não há investimento nenhum lá. Aqui no centro tem muito prédio que não exerce sua função social. Precisa-se de vontade pública para que famílias de baixa renda possam ocupar esses edifícios abandonados”.

O ponto de conexão entre o novo empreendimento Cosmopolitan e a ocupação da FLM, além de ser vizinhos, é que ambas as áreas foram definidas como Zonas Especiais de Interesse Social (ZEIS) pelo mais recente Plano Diretor Estratégico (PDE) aprovado em julho de 2014. Como explica o site para discutir a Revisão da Lei de Zoneamento, ZEIS “são porções do território destinadas, predominantemente, à moradia digna para a população da baixa renda por intermédio de melhorias urbanísticas, recuperação ambiental e regularização fundiária de assentamentos precários e irregulares, bem como à provisão de novas Habitações de Interesse Social (HIS) e Habitações de Mercado Popular (HMP) a serem dotadas de equipamentos sociais, infraestruturas, áreas verdes e comércios e serviços locais, situadas na zona urbana.” Em outras palavras, ambos os espaços deveriam ter parte de seu terreno destinado às habitações sociais.

A corretora do Cosmopolitan nunca tinha ouvido falar que a área daquele empreendimento em que o metro quadrado custa R$ 9.600 deveria destinar unidades ao público da baixa renda. E, na verdade, ele não precisa. A incorporadora MAC protocolou o pedido de construção da área no dia 25 de março de 2014, quatro meses antes do PDE ser aprovado. Naquela época, a área era definida como Zona Mista, o que garante a construção de um novo empreendimento. “Isso acontece muito. É só definirmos quais são as áreas para habitações sociais que as incorporadoras correm para protocolar uma nova construção, antes mesmo que consigamos aprovar as zonas de interesse especial”, explica a vereadora Juliana Cardoso (PT). Para que haja negociação com os movimentos de moradia, as áreas destinadas às ZEIS são publicadas antes de ser incorporadas definitivamente ao PDE para ser votado e aprovado. É um meio de manter a participação dos movimentos, mas também abre para que as empresas do mercado imobiliário ajam rapidamente para garantir com que empreendimentos mais rentáveis do que as HIS sejam realizados.

Na teoria, as habitações sociais são mecanismos para garantir com que os bairros da cidade não sejam extremamente segregados, ou seja, com populações de apenas uma classe social. Além disso, garante com que a população de baixa renda tenho o direito à cidade e não seja exilada nas periferias do centro urbano.

Hoje, grande parte dos projetos habitacionais visam a aquisição da propriedade, em que o morador assume um financiamento a longo prazo para ter a escritura de determinado imóvel. Isso, porém, não é garantia de evitar a segregação. “Em ZEIS 2 e 3, centrais sujeitas a intensos processos de valorização imobiliária, há a necessidade de diversidade das formas de acesso à moradia. A aquisição da propriedade não garante a permanência dos mais pobres, em função sobretudo dos processo de revenda. Em curto a médio prazo, o subsídio público seria repassado para famílias de maior poder aquisitivo. Para garantir a eficácia do instrumento, como o acesso e a permanência da população de menor renda, precisamos de políticas alternativas, como locação social, propriedade coletiva ou fundos comunitários de terra”, explica a arquiteta e urbanista Simone Gatti.

O instrumento que garante as habitações sociais, recém-reformulado para o PDE de 2014, ainda nem conseguiu ser aplicado de forma eficaz e já pode sofrer uma mudança. Neste ano, o prefeito Fernando Haddad (PT) encaminhou à Câmara Municipal de São Paulo o projeto de lei 157/2015, que estabelece que as incorporadoras do mercado imobiliário podem pagar à prefeitura para não construir as habitações sociais em determinada área definida como ZEIS. O dinheiro arrecadado seria destinado ao Fundo Municipal de Habitação, que ficaria responsável por criar as habitações em outra ZEIS, mas dentro de um mesmo perímetro (como em uma mesma subprefeitura). “Isso é um absurdo! Abrir a brecha para essa aprovação pode gerar um precedente para que isso se instale no novo Zoneamento (já que o PL define que esta flexibilização é válida para projetos aprovados na vigência do zoneamento de 2004, que está sendo revisado) ou se criem novas leis semelhantes no futuro. O que está sendo proposto é uma flexibilização sem tamanho e entra em total desacordo com os princípios da ZEIS construídos pelo PDE e desmantela todo o trabalho de construir territorialmente a reserva de área para HIS. A ZEIS deve atuar como garantia de permanência e atendimento dessa população no seu local de origem. Se um empreendedor resolve construir em terrenos ocupados por cortiços e doar outra área para HIS, o que acontece? Essas famílias vão ser deslocadas de todos os seus vínculos (emprego, escola dos filhos, vizinhança, etc) — isso se forem atendidas”, avalia Gatti.

Um manifesto, assinado por diversos institutos e movimentos de moradia, contra o PL já foi publicado e aponta seis motivos para ser contra o projeto. Entre os argumentos, está a ameaça às ocupações já feitas, a redução do número de áreas para habitações sociais, a falta de participação popular na questão, e a retirada de responsabilidade social do mercado imobiliário na construção de uma cidade mais justa e inclusiva.

O PL já passou pela Comissão de Finanças e teve uma audiência pública no dia 17 de junho. A vereadora Juliana Cardoso acredita que o PL deverá ter um substitutivo, contemplando alguns pedidos dos movimentos de moradia: “A troca das HIS por contribuição ao Fundo Municipal de Habitação deve ser extinguida e em seu lugar deverá entrar a doação de terrenos em áreas que não eram ZEIS anteriormente, mas sim Zonas Mistas. Dessa forma, o número de áreas de habitação social deverá ser equilibrado, já que no PL original elas poderiam ser cortadas pela metade ou mais.” O PL agora entrará na pauta da Câmara para aprovação ou não.

Enquanto isso não se resolve, os investidores em imóveis podem garantir a sua oportunidade com lucros após três anos girando entre 30% a 40% do valor investido. A ocupação da FLM, porém, espera o resultado de um edital, que já teve a publicação dos resultados adiada diversas vezes, para garantir com que as 320 famílias continuem morando na região.


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Campinas

Ocupação Mandela: após 10 dias de espera juiz despacha finalmente

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Depois de muita espera, dez dias após o encerramento do prazo para a saída das famílias da área que ocupam,  o juiz despacha no processo  de reintegração de posse contra da Comunidade Mandela, no interior de São Paulo.
No despacho proferido , o juiz do processo –  Cássio Modenesi Barbosa –  diz que  aguardará a manifestação do proprietário da área sobre eventual cumprimento de reintegração de posse. De acordo com o juiz, sua decisão será tomada após a manifestação do proprietário.
A Comunidade, que ocupa essa área na cidade de Campinas desde 2017,   lançou uma nota oficial na qual ressalta a profunda preocupação  em relação ao despacho  do juiz  em plena pandemia e faz apontamento importante: não houve qualquer deliberação sobre as petições do Ministério Público, da Defensoria Pública, dos Advogados das famílias e mesmo sobre o ofício da Prefeitura, em que todas solicitaram adiamento de qualquer reintegração de posse por conta da pandemia da Covid-19 e das especificidades do caso concreto.

Ainda na nota a Comunidade Mandela reforça:

“ Gostaríamos de reforçar que as famílias da Ocupação Nelson Mandela manifestaram intenção de compra da área e receberam parecer favorável do Ministério Público nos autos. Também está pendente a discussão sobre a possibilidade de regularização fundiária de interesse social na área atualmente ocupada, alternativa que se mostra menos onerosa já que a prefeitura não cumpriu o compromisso de implementar um loteamento urbanizado, conforme acordo firmado no processo. Seguimos buscando junto ao Poder público soluções que contemplem todos os moradores da Ocupação, nos colocando à disposição para que a negociação de compra da área pelas famílias seja realizada.”

Hoje também foi realizada uma atividade on-line  de Lançamento da Campanha Despejo Zero  em Campinas -SP (

https://tv.socializandosaberes.net.br/vod/?c=DespejoZeroCampinas) tendo  a Ocupação Mandela como  o centro da  discussão na cidade. A Campanha Despejo Zero  em Campinas  faz parte da mobilização nacional  em defesa da vida no campo e na cidade

Campinas  prorroga  a quarentena

Campinas acaba prorrogar a quarentena até 06 de outubro, a medida publicada na edição desta quinta-feira (10) do Diário Oficial. Prefeitura também oficializou veto para retomada de atividades em escolas da cidade.

 A  Comunidade Mandela e as ocupações

A Comunidade  Mandela luta desde 2016 por moradia e  desde então  tem buscado formas de diálogo e de inclusão em políticas  públicas habitacionais. Em 2017,  cerca de mais de 500 famílias que formavam a comunidade sofreram uma violenta reintegração de posse. Muitas famílias perderam tudo, não houve qualquer acolhimento do poder público. Famílias dormiram na rua, outras foram acolhidas por moradores e igrejas da região próxima à área que ocupavam.  Desde abril de 2017, as 108 famílias ocupam essa área na região do Jardim Ouro Verde.  O terreno não tem função social, também possui muitas irregularidades de documentação e de tributos com a municipalidade.  As famílias têm buscado acordos e soluções junto ao proprietário e a Prefeitura.
Leia mais sobre:  
https://jornalistaslivres.org/em-meio-a-pandemia-a-comunidade-mandela-amanhece-com-ameaca-de-despejo/

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Direitos Sociais

Renascer e Esperança: ocupações de moradia na linha de tiro

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Duas ocupações, uma de Trabalhadores Sem Tetos em Piracicaba e outra de Sem Terra em Araras fazem um apelo por terra e moradia, diante das ações de despejo que vem acontecendo durante a pandemia da COVID-19. As famílias da Comunidade Renascer e o Acampamento Esperança resistem, para que não haja tamanha tragédia, como houve no mês de maio deste ano, na Ocupação Taquaral no bairro Monte Líbano em Piracicaba.

No dia 7 de maio, por uma decisão judicial da juíza Fabíola Moretti, cerca de 50 famílias foram colocadas nas ruas em meio à pandemia, sem ajuda do poder público e colocando em risco, idosos, crianças e desempregados. Derrubaram as casas e bloquearam os pertences desses moradores por um mês, tudo para favorecer a especulação imobiliária patrocinada pela Prefeitura de Piracicaba e o Estado de São Paulo.

Regiana, antiga moradora da Ocupação Taquaral , ficou desempregada após o fechamento do Shopping Piracicaba no início da pandemia. 

“Derrubaram as nossas casas, nossas coisas ficaram um mês presas, levaram para um depósito particular e eu só consegui retirar com autorização do Juiz.” 

Regiana foi acolhida pela ocupação Renascer com seus 7 filhos, marido e mãe, há um mês e meio.

Regiana e três de seus sete filhos que moram na Ocupação Renascer.

                                         

A Comunidade Renascer, localizada na Zona Noroeste de Piracicaba, abriga desde janeiro de 2020, mais de 400 famílias. Essas pessoas, entre elas crianças, idosos e cadeirantes, são ameaçados, quase todos os dias logo pela manhã na ocupação, por policiais que rodeiam a ocupação e quando querem, sem aviso nenhum, invadem barracos com pontapés nas portas oprimindo moradores. É um enfrentamento diário pela vida em uma estrutura que cria a condição de pobreza e, ela própria, condena e marginaliza, sem qualquer parâmetro decente e humanista.

A ação de reintegração de posse contra a Comunidade Renascer foi pedida por 8 pessoas em março deste ano e o juiz Eduardo Velho Neto determinou o despejo contrariando o primeiro artigo 554 do código Processo Civil, deixando de intimar o Ministério Público e a Defensoria Pública do Estado de São Paulo, esse procedimento é obrigatório por ser uma ação contra coletivo de pessoas “hipossuficientes economicamente”.

Ocupação Renascer.

 

A cada minuto que passa, os moradores passam a se relacionar mais profundamente com seus vizinhos, sua casa e com a terra. Estão em amadurecimento, mais de cinco hortas de cuidado comunitário. 

Leonardo ao lado de uma das hortas que ele e sua família cuidam na Ocupação Renascer.

 

Vanessa e seu marido Leonardo, mais seus três filhos, Vítor, Richard e Lawane Eloá, fizeram a maior horta da comunidade. É a relação com a terra gerando valorização, autonomia e maior qualidade de vida para os moradores, intrinsecamente. O artista Pajé também morador da Renascer, pinta as frentes das casas, representando, individualmente, cada lar ali construído.

Leonardo e Vanessa, moradores da Ocupação Renascer.

 

Daisy Isidoro, uma das lideranças da Ocupação Renascer. É Técnica de Enfermagem e estudante de Direito.

 

Moradoras da Ocupação Renascer ao lado de uma das pinturas do artista Pajé, também morador.

 

 

A outra ordem de despejo que acontece simultaneamente é no Acampamento Esperança, localizado na zona rural de Araras. São pequenos sítios que foram ocupados há 10 anos em cima de uma linha de trem desativada. São pequenos agricultores, cerca de 30 famílias que estão há 8 meses sem água, por decisão do prefeito. Coincidentemente, na mesma época, o transporte escolar da área, também parou de circular.

Milton, morador do Acampamento Renascer e sua família que moram em cima da antiga estação de trem.

 

O mandado de reintegração de posse expedido pelo juiz Antônio César Hildebrand e Silva, ignora uma parte importantíssima do processo. Qualquer decisão sobre áreas ocupadas a mais de um ano, deve contar com uma audiência com todos os moradores. A advogada Marcela Bragaia (Renap – Rede Nacional dos Advogados e Advogadas Populares) que cuida, tanto do caso do Esperança, quanto da Renascer juntamente com a rede, explicou em uma assembléia com os moradores, como essa ordem de despejo viola os direitos.

“Todo processo de despejo de uma ocupação que tem mais de um ano, tem que ter uma audiência, as famílias têm que sentar junto com os juízes, Ministério Público, com a Defensoria e fazer uma conversa pra ver como é que vão ser as coisas. O juiz Antonio Cesar Hildebrand e Silva daqui de Araras tá passando por cima da lei”.

 

Qualquer pessoa que visite o local, percebe que os acampados moram la há anos. No entanto, o juiz Antônio César alega que a posse é nova. Deram 30 dias para desocupação voluntária e caso os moradores não saiam passivamente, a reintegração se dará com violência policial.

 

Esse mesmo juiz já decidiu pela reintegração de posse de uma parte da cerca particular da Usina São João (U.S.J Açúcar e Álcool) que faz divisa com a  área federal da Antiga Estação Ferroviária. As áreas são contíguas e a parte particular foi reintegrada. Hoje as famílias estão somente dentro da área federal.

O absurdo é que o mesmo juiz Antonio Cesar Hildebrand e Silva foi quem expediu o mandato de reintegração de posse para a Usina São João no processo nº 1003266-34.2018.8.26.0038 em 2018, deu também a decisão de reintegração atual no processo de reintegração nº 1002159-81.2020.8.26.0038. Portanto, ele sabe que as famílias estão há mais de um ano na área e mesmo assim ele decidiu contra a audiência de mediação.

Com todo esse descaso, as famílias ainda resistem ao perigo que é morar cercados por canaviais. Há dois anos atrás, uma queimada atingiu 105 alqueires e chegou a matar algumas de suas criações, prejudicando parte do sustento dessas famílias que vivem da agricultura de subsistência e dos seus animais.

O agrotóxico também é prejudicial, como nos contou o morador José Pereira, relatando que quando passam com a máquina de veneno, as plantas morrem.

 

José Pereira, morador do Acampamento Esperança.

José dos gatos, morador do Acampamento Esperança.

Um outro morador, Valdemir, nos relatou o altíssimo índice de dengue na região: 

“A gente percebe que pela cidade, pelos canaviais, são repletos de lixo. A gente tá com um índice de mais de 1.200 casos de dengue, fora os óbitos que teve por dengue hemorrágica ultimamente.” 

A Usina São João, que é dona daquelas terras e tem interesse direto na reintegração de posse, parece não se importar com os dejetos deixados nos arredores do Acampamento, sem qualquer iniciativa de prevenção sanitária.

Milton, morador do Esperança, é artista, ex-trabalhador da Usina e mora com a sua família na parte de cima da antiga estação. Parte dos acabamentos dela ainda estão no chão e nas paredes, assim como os resquícios dos trilhos no seu quintal. Ele escreveu uma carta, que levanta questionamentos diante dessa perseguição e relata sua revolta com o formato dessa estrutura, que os ameaça diariamente.

“Estão deixando pessoas idosas com depressão, pessoas que ajudaram na construção do nosso acampamento”.

Milton, morador do Acampamento Esperança.

 

A reintegração na Comunidade Taquaral foi violenta e o que está segurando a ação de despejos nessas duas ocupações, é a articulação e união dos moradores. Nessa segunda semana de julho, o co-deputado da Bancada Ativista Fernando Ferrari, passou por essas duas ocupações se solidarizando à luta dessas famílias por moradia. Essas duas ocupações se encontram vulneráveis e movimentos de moradia são bem-vindos para fortalecer e mobilizar. 

Piracicaba, município do Estado de São Paulo, segundo o SUP (mídia livre), está entre as 20 cidades mais ricas do interior paulista. Essa mesma cidade teve um aumento significativo de 10% da favelização nas últimas duas décadas.

 Enquanto não existirem políticas públicas e empreendimentos habitacionais populares que contemplem essas famílias, ocupações continuarão acontecendo na cidade como resposta à necessidade básica humana que é a moradia.

Na Comunidade Renascer, a Assistência Social prometeu um primeiro passo positivo, que pretende cadastrar todos os moradores na EMDHAP (Empresa Municipal de Desenvolvimento Habitacional de Piracicaba), utilizando o endereço da Comunidade, possibilitando o acesso a possíveis benefícios e auxílios do Governo Federal e Municipal.

                        

“Todos nós devemos nos preparar para combater

É o momento para trabalhar pela base

Mais embaixo pela base

Chamemos os nossos amigos mais dispostos

Tenhamos decisão

Mesmo que seja enfrentando a morte

Por que para viver com dignidade

Para conquistar o poder para o povo

Para viver em liberdade

Construir o socialismo, o progresso

Vale mais a disposição

Cada um deve aprender a lutar em sua defesa pessoal

Aumentar a sua resistência física

Subir ou descer

Numa escada de barrancos

A medida que se for organizando a luta revolucionária

A luta armada, a luta de guerrilha

Que já venha com a sua arma”

Carlos Marighella.

 

Link da matéria do SUP (Mídia Livre): https://medium.com/@serviodeutilidadepblica/comunidade-renascer-a-f%C3%AAnix-dos-despejos-e-especula%C3%A7%C3%A3o-imobili%C3%A1ria-em-piracicaba-sp-c1e038b60612

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Cidadania

Quilombola é Alcântara! Alcântara é quilombola!

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Quilombolas Alcantara

NOTA: ENTIDADES REPRESENTATIVAS E MEMBROS (AS) DE RELIGIÕES DE MATRIZ AFRICANA E AFRO-BRASILEIRAS CONTRA RESOLUÇÃO N. 11 DE 26 DE MARÇO DE 2020

As entidades representativas e membros(as) de religiões de matriz africana e afro-brasileiras signatárias desta nota vem a público manifestar repúdio à Resolução nº 11/20 (GSI-PR), que institui a remoção forçada de 800 famílias e 30 comunidades quilombolas da cidade de Alcântara-MA, no conjunto de medidas tomadas no âmbito do Acordo de Salvaguarda Tecnológica firmada entre o Brasil e os Estados Unidos em 2019.

Na matriz de responsabilidades dos órgãos envolvidos no Comitê de Desenvolvimento do Programa Espacial Brasileiro, o documento informa que mais de 12 mil hectares serão utilizados pelo Centro de Lançamento, além da área atual da base, afetando ainda mais as comunidades que ocupam aquele território desde o século XVII.

Além desses pontos que em si representam uma grande tragédia humana e violação da dignidade coletiva dos quilombolas de Alcântara, o documento, em seu art. 6º, VIII, “a” e “b”, prevê “a implantação de espaços religiosos e a recomposição de áreas e instalações compatíveis com as existentes nos espaços hoje habitados pelos quilombolas, para a prática de atos religiosos”, e a implementação de “projeto de um museu dedicado aos aspectos históricos e culturais das comunidades quilombolas”.

Entendemos que os territórios quilombolas representam acima de tudo espaços civilizatórios de ancestralidade africana, de reterritorialização e de resistência secular às opressões sem medida perpetradas pela sociedade e pelo Estado em solo brasileiro. Sendo assim,reiteramos que os processos de deslocamentos e alterações de nossos espaços sagrados, no que tange as práticas religiosas de matriz africana, são efetuados mediante consultas aos nossos oráculos, sistemas adivinhatorios próprios e o consentimento de nossos ancestrais regentes de nossas casas de axé. Portanto, remeter essa tarefa ao aparato de Estado expõe nossa religiosidade ao risco de violação do nosso sagrado, ao mesmo tempo que nos aponta a possibilidade de termos a atenção voltada às outras denominações religiosas, tais como igrejas evangélicas e católicas e a negação das nossas religiões de Matriz Africana, como forma de dizimar nossa ancestralidade.

As religiões de matriz africana e afrobrasileiras concebem o zelo e a proteção dos lugares sagrados para além dos espaços físicos das casas de axé. O acesso ao mar, aos lagedos, as pedreiras, aos mangues, aos rios e as florestas, são vitais para sua sobrevivência. Tudo isso está ameaçado e não há como transportar caso haja remoção. Deste modo, não há que se falar em museu, implantação de espaços religiosos ou recomposição de áreas e instalações como suposta forma de reparação pelos danos materiais e imateriais causados à memória ancestral e coletiva daquelas comunidades, agravados com este novo processo de desterritorialização representado pela Resolução nº 11/20.

Em verdade, a resolução fere frontalmente a Convenção nº 169 da OIT, ao inviabilizar qualquer processo de consulta livre, prévia e informada às comunidades envolvidas; a Constituição Federal de 1988, em seus artigos 215 e 216, que estabelecem o pleno respeito aos modos de criar, fazer e viver de comunidades tradicionais e grupos formadores da sociedade brasileira; e ao artigo 68 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, que assegura direitos às comunidades quilombolas ao reconhecimento da propriedade definitiva dos seus territórios.

Ressaltamos que o documento é sorrateiramente imposto em um momento de grave crise global provocada pela pandemia do COVID-19. A medida do governo federal agrava mais ainda a situação de vulnerabilidade e insegurança a que estão sujeitos os quilombolas de Alcântara após a assinatura do Acordo de Salvaguarda. Assim, mobilizamos toda a solidariedade em favor das comunidades quilombolas atingidas pela medida para manifestar nossa profunda discordância com o teor do documento e exigir sua imediata revogação.

Assinem e divulguem!

 

https://secure.avaaz.org/po/community_petitions/gabinete_de_seguranca_institucional_da_presidencia_nao_a_remocao_das_comunidades_quilombolas_de_alcantara_e_seus_espacos_sagrados/?ltlqOob

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