Carla engravidou aos 17. Mal teve beijo; só boquete. Foi no banco de trás do carro. Chupou até o talo. Márcio disse que não tinha camisinha. ‘Põe na bundinha’, Carla pediu. Não foi atendida. Foi comida pela buceta e a treta não é nem essa. A treta foi a pressa com que o pai sumiu. ‘Cadê, Márcio? Ninguém sabe, ninguém viu.’
Márcio abortou.
Carla, em desespero com o sumiço, com o paradeiro do desserviço masculino, saiu por aí. Feito zumbi ficou dias sem dormir, vomitando por lá, por aqui.
Já de três meses, desistiu de encontrar o pai da filha. Contou pra família. Da mãe Irene levou um tapa. Do pai, nada. Nem abraço, nem risada. Nem conforto, nem piada de vô. O próprio pai, Carla nunca conheceu.
Hélio desapareceu. Dezoito anos atrás, deixou a noiva Irene grávida e se mandô.
Hélio abortou.
‘Eu te criei pra ser diferente de mim. Não pra ser estúpida sem fim. Você não cansa de cometer os mesmos erros que eu, sua filha da puta?’ — Não deu pra se fazer de surda. Carla carregou pra si dupla culpa. A mãe estava decepcionada. Decidiu que para aprender com a jornada, Carla deveria encarar as consequências sozinha. Como fez a própria com a pequena Carlinha; ainda nos braços.
‘Só assim ela vai aprender.’
Assim Carla conheceu seu terceiro aborto. Foi expulsa de casa. Com uma mochila nas costas e uma filha no ventre, a garota cedeu ao caos. Depois de três dias de rua, decidiu que ficaria nua pra levantar o necessário. Ficou de quatro pra cada otário que é impossível contar nos dedos.
Os medos, Carla teve que engolir. Teve que aceitar o partir de Márcio, como foi o do pai. Descobriu que há um mundo em que a tristeza não se esvai.
Viu a barriga crescer tendo um viaduto como teto. Por certo, torcia pra que ele desabasse. De preferência que não sobrasse nada dos dois corpos. O nem nascido e o emagrecido dela própria.
‘Sai da minha frente, sua demente.’ Vociferou o motorista quando Carla atravessou a pista fora da faixa com uma caixa de papelão. Eram fraldas, cachaça, calcinha suja e uns documentos que um dia serviriam pra alguma coisa. Se esse dia chegasse.
Em certo ponto, Carla não era mais menina. Por sina, chegou aos dezoito, mas não teve o quarto aborto. Seu corpo foi encontrado morto antes do nono mês.
Agora vamos jogar limpo. Quem se importa menos com Carla: eu ou vocês?
Fábio Chap é escritor formado por rua e poesia, dor e amor. Autor do livro “Tive um sonho pornô”