“Confesso a vocês que nunca tinha ouvido falar nesse tal de CARF.” Assim, iniciou Paulo Pimenta, deputado federal e membro da CPI que investiga a operação Zelotes, sua fala na Audiência Pública sobre o tema na Assembleia Legislativa do Rio Grande do Sul, nessa segunda, 14/09.
O que seria então o “tal de CARF”? Bem, é o Conselho Administrativo de Recursos Fiscais. Quando uma empresa ou uma pessoa física é autuada pela Receita Federal, ela pode, em primeiro lugar, recorrer à própria Receita. Se perder e quiser continuar a recorrer, o julgamento em segunda instância é no CARF. Para termos uma ideia do poder do CARF é preciso ressaltar que se o contribuinte ganha no CARF, não cabe mais recursos à União. Se o contribuinte perde, ainda pode ir à Justiça.
Mais incrível é que esse desconhecido CARF tem mais de 100 anos e tem 216 conselheiros, ou seja, é bem antigo e bem grande. Desses 216, metade é oriunda da Receita Federal, auditores em final de carreira, que segundo o deputado disputam para obter esse cargo que não tem qualquer remuneração. A outra metade, “representando a sociedade”, vem das confederações da indústria, do comércio, da agricultura. São turmas compostas por esse conselheiros que julgam os recursos que lá chegam. O estoque atual em discussão no Conselho totaliza R$ 565 bilhões.
Em 2013, a Corregedoria da Receita Federal fez a denúncia de que havia um esquema de compra e venda de decisões dentro do Conselho. A Polícia Federal investigou e concluiu que, de fato, havia fortes indícios de irregularidades e fraudes em 74 julgamentos ocorridos após 2005. “Um pedido de vista valia 20, 30 ou 50 mil” dependendo do valor envolvido no processo, afirmou Paulo Pimenta. Venda de sentenças e negociação para troca de conselheiros, são outros exemplos de irregularidades que estão sendo investigadas. Assim nasceu a operação Zelotes, que significa falta de zelo, nesse caso, pela coisa pública.
Ao aprofundar nesses 74 julgamentos a Polícia federal chegou ao valor estimado de R$ 19 bilhões. Um primeiro grupo de 6 empresas, que devem ser denunciadas ainda em setembro, representa processos no valor de R$ 5,7 bilhões. Dentre estas 6 empresas, há grandes anunciantes das TVs e de outros meios de comunicação. Isso deve explicar a extrema dificuldade para dar visibilidade à operação. A grande imprensa silencia sobre o assunto, reclama o deputado.
Há 10 anos, a Corregedoria da Receita Federal fez uma série de denúncias que resultou numa operação da Polícia Federal conhecida como operação anfíbio. Alguns servidores e auditores tiravam licença de interesse pessoal e atuavam na própria câmara da qual faziam parte, só que desta feita como representantes da empresa. Passavam-se 2 ou 3 meses nessa função, retornavam da licença e voltavam a ser conselheiros.
“O que me espanta é que essas pessoas, várias dessas pessoas que apareceram agora, eles (sic) estão lá desde a época operação anfíbio e continuaram sendo reconduzidos para o CARF. […] Tu pegas os nomes das pessoas e tu vês que eles apareceram em várias denúncias. E depois quando se aposentaram […] viraram consultores. Alguns deles foram presidentes do CARF. Alguns deles foram a autoridade máxima da Receita Federal do Brasil”, desabafa o deputado.
Pimenta se queixa que a eficácia da operação foi profundamente prejudicada pela Justiça. As prisões pedidas, as quebras de sigilo, a continuidade das interceptações telefônicas, foram negadas. “Tudo exatamente ao contrário do que a Lava Jato fez”, afirma o deputado. Foram pedidas prisões de 26 “grandes nomes”, dentre eles 9 ex-auditores. Negadas. O Ministério Público pediu reconsideração ao juiz: negada.
A vara que negou os pedidos é, segundo o deputado, conhecida em Brasília como cemitério, de onde nada sai. Porém, a nova juíza do caso, Mariana Boré, da 10ª Vara Criminal de Brasília, há algumas semanas, permitiu a continuidade das investigações.
O funcionamento do esquema, segundo Pimenta, começava com uma rede de “captadores” que, de posse da informação privilegiada sobre o processo, faziam contato com o “cliente” para oferecer seus “serviços”. As empresas autuadas assinavam contratos com consultorias de fachada que repassariam, depois de dar várias voltas com o dinheiro, aos conselheiros que viabilizariam a decisão favorável à empresa no Conselho.
Em 95% dos casos que chegam ao CARF, as autuações, feitas originalmente pela fiscalização da Receita, são mantidas. Esse dado é enganoso, pois os grandes casos, que envolvem somas vultosas, estão nesse outros 5%.
Pimenta contou, ainda, dois casos exemplares. Em um deles, o “captador” avisou que a empresa ia perder, mas esta se recusou a negociar e perdeu mesmo. O “captador” voltou à empresa para mostrar seu poder e ainda tentar ganhar o negócio. Afirmou que ainda dava tempo de reverter. Ganhou o negócio e reverteu, de fato, a primeira decisão do Conselho.
No segundo, a interceptação telefônica flagrou um ex-auditor dizendo que “no Brasil só paga imposto quem quer”, porque negociando o grupo dele 99% dos caos eram decididos favoravelmente aos contribuintes.
Na discussão se sonegação se assemelha à corrupção, Pimenta, simplesmente, declara que a sonegação é a corrupção da elite e que precisamos revelar isso para a sociedade.
Assista na íntegra audiência publica sobre a Operação Zelotes, da Polícia Federal, realizada na Assembleia Legislativa do Rio Grande do Sul.