ENEM: Bolsonaro quer destruir os sonhos da juventude pobre do Brasil

Abraham Weintraub: Ganhando R$ 100 mil por mês, depois de destruir as chances dos pobres no Enem / Reprodução/Twitter
Abraham Weintraub: Ganhando R$ 100 mil por mês, depois de destruir as chances dos pobres no Enem / Reprodução/Twitter

Por Ricardo Melo*

Um belo dia, o finado político Abraham Weintraub saiu-se mais ou menos assim ao ser perguntado se haveria adiamento do ENEM. A transcrição é livre: “Não há motivo. Quem não assiste aulas presenciais pode recorrer ao celular e ao computador. Todos estão nas mesmas condições”. Só um pré-símio, um escroque de carteirinha poderia falar algo parecido.

O resto da história (mas não o fim) diz tudo. O disparate era tamanho que Weintraub virou o “Vaitarde”. À moda Bolsonaro, claro.

Usando dos poderes presidenciais, o capitão deu um jeito de manipular datas de demissão em documentos oficiais para blindar o envio do entulho para a matriz em Miami a salvo das leis de imigração americanas.

Logo depois, o “Vaitarde” posa comendo franguinho empanado num fast-food americano. Como se estivesse se deliciando com a carne do povo brasileiro, dos jovens que ralam tentando combinar o sustento de suas famílias com o desejo de conquistar melhores condições de vida.

Vale reproduzir alguns depoimentos:

“No cursinho Florestan Fernandes, em São Paulo, havia 800 alunos no início de 2020 – três meses depois, restam apenas 40. “A evasão é normal, mas não nessa proporção. Nossos estudantes não têm um acesso de qualidade à internet. Mais de 60% deles só usam celular, com pacote de dados bem limitado”, afirma o coordenador Bruno Sampaio, de 23 anos.

“Essa situação gera também uma fragilidade emocional. Os alunos têm demonstrado ansiedade e preocupação. Eles são da periferia, precisam ajudar em casa, cuidam dos irmãos, vão trabalhar. Não conseguem mais estudar”, completa.

O cursinho é gratuito e funciona aos sábados, em parceria com a faculdade de história da Universidade de São Paulo (USP). Como a instituição está fechada, as aulas passaram a ocorrer de forma virtual – os 50 professores, todos voluntários, montam slides com a matéria, organizam encontros por uma plataforma on-line e dão aulas gravadas ou ao vivo.

Aqueles que estão conseguindo participar das atividades remotas enfrentam dificuldades. Lucas Fernandes, de 20 anos, aluno do Florestan, divide o notebook com seus cinco irmãos em casa – todos eles têm aulas virtuais e precisam do equipamento. “Não consigo dedicar muito tempo aos estudos. Tento usar o celular, mas a tela é pequena e os aplicativos de atividade são muito instáveis. Preciso ficar em um ponto específico da casa, para ter sinal de internet”, diz.

“Mas não sou só eu: a maioria dos jovens periféricos convive com esses problemas. Meus amigos precisam trabalhar, é isso ou passam fome. Nossa esperança de conseguir uma vaga na universidade pública fica menor. A gente já matava um leão por dia, agora são dez”, afirma Lucas.

Ou então:

“Gleicy Souza, de 18 anos, está no ensino médio de uma escola pública em São Paulo (SP) e, aos sábados, estuda no cursinho popular Mafalda. Ela usava apenas o celular para se preparar para o Enem.

“A conexão do wifi caía a todo momento, era impossível ter um dia normal de aula. A tela é pequena, então fico com os olhos cansados, e não dá para ler os slides dos professores. Também não consigo usar algumas funções que eu teria no computador, como editar um arquivo”, conta.

Ou ainda:

“Naomi Neves, de 17 anos, procurou o cursinho popular Mafalda para compensar a baixa qualidade de ensino da escola pública onde estuda, em São Paulo. “A gente não aprende muita coisa, ainda mais para o vestibular. Eu não teria condições de passar em um vestibular assim. Queria me dedicar ao cursinho, mas estou sem cabeça. Meu pai é pintor e está desempregado; estamos sem o Bolsa Família. Eu trabalho, mas nossa renda é baixa”, diz.

A preocupação com a crise financeira levou Roberta Martins, de 36 anos, a desistir do Enem. Ela é uma mulher transexual, que sonha, desde 2003, em entrar na faculdade. Neste ano, descobriu um cursinho popular gratuito – o Conceição Evaristo, em Belo Horizonte (MG).”

Todos estes depoimentos estão à disposição no site “notícias concursos” https://noticiasconcursos.com.br/educacao/pandemia-alunos-de-baixa-renda-desistem-do-enem-e-abandonam-cursinhos-populares/. Como não sou um Decotelli da vida, faço questão de citar as fontes.

Por esses depoimentos e outros tantos que lotam a internet percebe-se o tamanho da destruição que está em curso no Brasil. A falácia de que “todo mundo tem acesso aos meios digitais” não passa disso. Uma falácia. Boa parte dos celulares espalhados país afora não passa de “chinglings”, vendidos a preços ao alcance do bolso dos mais pobres.

Tente estudar por um celular desses e vc verá o que é. Depois, a qualidade de sua rede e download de dados custam dinheiro. Quantos podem custear uma conexão razoável num momento como esse, devastado pelo desemprego das famílias? Quantos podem dispor de um desktop ou notebook que permitam um mínimo de visibilidade ao que está sendo dito do outro lado?

Assim como a saúde, a educação no Brasil foi jogada às traças. A coisa está tão feia que até um direitista como Renato Feder, privatista de ofício, sentiu o cheiro (sem trocadilho) de desastre, optou por esnobar Bolsonaro e continuar fazendo o trabalho sujo como secretário no Paraná.

A juventude sempre foi a esperança do futuro. Dos jovens emerge a energia para mudanças, muitas vezes independentemente da classe social. Sempre foi assim na história.

Não à toa esse governo fraudulento, “eleito” a bordo de trapaças expostas a olho nu, ataca estudantes, escolas, universidades, entregadores e suas famílias. Quer ter a certeza de matar o “mal pela raiz”. Literalmente. Trata-se de um governo representativo dos genocidas do Planalto e do Leblon e de uma milícia internacional, que une Trump, Bolsonaro, FBI, Moro e seus procuradores, um Judiciário castrado, militares comprados com privilégios salariais e um Legislativo sedento de prebendas para manter as coisas como estão.

Enquanto isso, “Vaitarde” ri à toa em Miami com direito a um salário de R$ 100 mil por mês.

 

 

*Ricardo Melo, jornalista, foi editor-executivo do Diário de S. Paulo, chefe de redação do Jornal da Tarde (quando ganhou o Prêmio Esso de criação gráfica) e editor da revista Brasil Investe do jornal Valor Econômico, além de repórter especial da Revista Exame e colunista do jornal Folha de S. Paulo. Na televisão, trabalhou como chefe de redação do SBT e como diretor-executivo do Jornal da Band (Rede Bandeirantes) e editor-chefe do Jornal da Globo (Rede Globo). Presidiu a EBC por indicação da presidenta Dilma Rousseff.

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