Depois de se livrar do atraso de uma das ditaduras militares mais atrozes do continente e de se tornar um modelo de reconstrução democrática, o Uruguai está em risco outra vez. As conquistas populares e os direitos sociais são os mais ameaçados pelo avanço da direita. Mas o alerta já soou em toda a América Latina, sobretudo no Sul do Brasil. Há duas semanas da eleição, as forças progressistas se mobilizam para angariar fundos e ajudar os imigrantes uruguaios espalhados pelo mundo a chegarem ao seu país de origem no dia do pleito presidencial, em 27 de outubro. O espírito da solidariedade latino-americana desperta principalmente os hermanos vizinhos da Argentina e Brasil, que não querem ver o Uruguai repetir a dolorosa experiência de retorno a um governo neofascista ou ultraliberal, como os de Bolsonaro e de Macri, cujos retrocessos podem significar um caminho sem volta.
Sem a possibilidade de participar do pleito votando no consulado ou por carta nos países onde residem, grande parte dos 300 mil uruguaios espalhados pelo mundo precisa de apoio financeiro para comparecer ao primeiro turno das eleições. Em Santa Catarina, região de fronteira, onde vivem aproximadamente 1.500 uruguaios, a mobilização para ampliar a vantagem do candidato da Frente Ampla do Uruguai, Daniel Martinez, assume um protagonismo nacional. Além de realizar festas para arrecadar recursos que serão todos aplicados no custeio do transporte de ônibus dos eleitores, as forças de resistência à onda conservadora abriram uma conta para depósitos com essa finalidade (203064-0, Banco do Brasil, agência 5255-8, em nome de Nelba Luz Moreno). Participam dessas iniciativas, sindicatos, partidos políticos e entidades ligadas à resistência latino-americana e a própria extensão da Frente Ampla em Florianópolis, para a qual todo voto pode fazer diferença nessa disputa decisiva não só para o Uruguai, mas para as lutas populares de todos os continentes.
A iniciativa mais promissora ocorre neste sábado, 12/10, Dia da Resistência Indígena, quando os apoiadores da Frente Ampla promovem a Festa América. Com a perspectiva de reunir 300 pessoas, a festa pretende arrecadar recursos para levar o maior número possível de uruguaios residentes em Santa Catarina às eleições. O evento ocorre das 12 às 22 horas, na famosa Associação Baiacu de Alguém, no Norte de Florianópolis, que realiza o carnaval mais autêntico e prestigiado da Ilha, em Santo Antônio de Lisboa, comunidade praieira de tradição açoriana. Os recursos até agora arrecadados são suficientes para contratar apenas um ônibus, conforme Ricardo Botana, da Frente Ampla do Uruguai em Floripa. Artista plástico e designer gráfico radicado na Ilha há 17 anos, Botana expõe na festa suas lâminas políticas, pinturas em nanquim com retratos e frases de Pepe Mujica, Lula, Eduardo Galeano, entre vários outros ícones da resistência internacional.
O Baiacú de Alguém vai animar a Festa América desde o meio-dia, com música latino-americana, incluindo candombe (corda de tambores) e outros ritmos como blues, rock, samba brasileiro. Gastronomia típica, com o churrasco choripan e cerveja integram o cardápio de atrações. Organizada pelo produtor cultural Nelson Brum Mota, a festa quer despertar o compromisso político apostando em uma confraternização de cunho artístico entre brasileiros e uruguaios. “Queremos criar um clima de fraternidade e incentivar as pessoas que não puderem comparecer ao evento a contribuírem com o que puderem depositar na conta em favor da democracia e dos direitos sociais no Uruguai”, enfatiza Mota.
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Em Porto Alegre, outra caravana formada por ônibus e carros de transporte coletivo e ainda de caronas solidárias está sendo organizada, com saída no dia 25 de outubro e retorno no dia 27. O objetivo é o mesmo: ajudar os uruguaios gaúchos progressistas a cumprirem a tarefa cívica de deter o avanço da direita no país. Na fronteira argentina, peronistas e outros camaradas também se agilizam para apoiar os uruguaios a comparecerem às urnas.
Muitos uruguaios migraram para o Brasil e para outros países da América Latina e da Europa durante as ditaduras sanguinárias que se revezaram no poder durante os anos 70 e 80 (1973-1984), sacrificando, sobretudo, os rebeldes do grupo Tupamaro, do qual fazia parte José Mujica. Após sucessivos governos tiranos, corruptos e entreguistas, marcados pela tortura, prisão, assassinato e desaparecimento de opositores, o Uruguai teve um longo processo de redemocratização que durou 20 anos. Só então, com a vitória da Frente Amplio nas eleições de 2004, seguiu-se o período mais pródigo de conquistas sociais, distribuição de renda e desenvolvimento cultural e econômico . A formação de esquerda e centro-esquerda assumiu o governo federal em três mandatos sucessivos: Tabaré Vásquez, de 2005 a 2010, foi sucedido pelo popularíssimo Pepe Mujica, de 2010 a 2015, e retornou para cumprir o mandato atual que se finda ao final deste ano.
Daniel Martinez, do Partido Socialista, que foi prefeito de Montevidéu, está perigosamente embolado com o candidato do Partido Nacional, Louis Lacalle Pou, que encabeça uma coalizão conservadora integrada por setores da ultradireita. Político de vida obscura, cuja fortuna milionária nunca foi explicada, e sem nenhuma experiência como dirigente público, Lacalle é investido pelo neoliberalismo da missão de cumprir a cartilha de arrocho do FMI, e está pronto para repetir o resultado desastroso de Macri, a ser amplamente reprovado nas eleições da Argentina, que ocorrem no mesmo dia 27 de outubro. Projeto que sofre também uma reprovação antecipada no Equador insurgente, que ameaça o mandato do traidor Lenín Moreno no primeiro ano de governo.
Um protótipo local da Frente Ampla, inspirado e respaldado na experiência uruguaia, reforça essas ações de socorro à democracia do país de fronteira. Formado pelos partidos de esquerda (PT, PSoL, PCdoB, PDT, PCB, PCO, Rede e IC), esse projeto de unidade pelos ideais democráticos foi lançado em 10 de maio, na Universidade Federal de Santa Catarina, em Florianópolis, com a presença do presidente da FA, Javier Miranda. Uma nova Unidade contra o Autoritarismo ganhou reforço em 4 de outubro, em seminário na Assembleia Legislativa do Estado de Santa Catarina, com a presença de líderes nacionais, como Gleisi Hoffmann (PT),Vanessa Graziotin (PCdoB), Talíria Petrone (PSoL), Edmilson Costa (PCB) e Manoel Dias (PDT).
Agora é hora de ajudar os companheiros que deram exemplo de resistência e ensinaram o continente a tornar factível a utopia da unidade. Grande parte da juventude uruguaia, na faixa dos 30 anos, cresceu sob a égide dos governos da Frente Ampla, sem sentir na pele o terror dos 12 anos de ditadura. Esses jovens, potencialmente eleitores de esquerda, percebem os benefícios de viver num país com distribuição de renda e garantia de políticas públicas como um direito natural. Não naturalizam, contudo, a estagnação econômica internacional, nem o desgaste próprio de uma força que se mantém há 15 anos no governo, conforme a explicação do analista político Katu Arkonada, em La Jornada, periódico de esquerda mexicano. Precisam despertar para os perigos do retorno ao passado, antes que precisem experimentá-lo, como os brasileiros o fazem agora amargamente.
AZARÃO BOLSONARISTA E TUCANO URUGUAIO PODEM DEFINIR UM SEGUNDO TURNO
Num cenário semelhante ao Brasil pré-eleitoral, Louis Lacalle Pou se associa à bancada evangélica reacionária e à mídia, que atua como um partido político fazendo campanha dirigida aos 30% da população menos politizada dos indecisos. A bolsonarização das eleições também marca a disputa nas redes sociais, que virou território livre para a disseminação de fake news contra os governos de esquerda. Nas primárias presidenciais realizadas em 1º de julho, Lacalle chegou a abrir grande vantagem sobre Daniel Martinez, com 41,6% contra 23,6%, quadro que foi se revertendo com a reação das esquerdas reunidas pela Frente Ampla.
Alimentando uma fachada de direita moderada, o candidato que ameaça o processo de transformação iniciado em 2015 já acenou para uma perigosa aliança com o candidato extremista Guido Manini Ríos. Estagnado em 12% nas pesquisas, Manini é considerado uma versão de Bolsonaro, por quem declara forte admiração. Mesmo fora do páreo, o militar que defende os torturadores pode ser um azarão, se transferir seus votos para o candidato do Partido Nacional num mais que provável segundo turno entre Lacalle e Matínez.
Conforme as pesquisas divulgadas em 29 de setembro, no primeiro turno, a Frente Ampla vence em todas as pesquisas, com 30%, apenas 4 a 7 pontos de vantagem em cima do segundo colocado do Partido Nacional. Pesquisas mais recentes apontam uma vantagem entre 41% e 39% para Martínez, contra 23% de Lacalle. O perigo, contudo, mora no segundo turno, que deve ocorrer em novembro, uma vez que nenhuma agremiação superará os 50% da soma dos outros candidatos. Nesse caso, herdando os votos de Manini, somados aos de Ernesto Talvi, do Partido Colorado (uma versão uruguaia do PSDB), que tem cerca de 15% nas pesquisas, Lacalle poderia vencer com certa folga no bloco de direita rumo ao retrocesso.
A ameaça da onda conservadora no Uruguai sensibiliza particularmente a resistência internacional pela história de sofrimento político atravessado por seu povo, admirado pelo alto nível de politização e coragem no enfrentamento da ditadura. O carisma conquistado após a ascensão da Frente Ampla (Frente Amplio), especialmente com a eleição de Pepe Mujica em 2004, chegou a produzir um movimento migratório contrário. Até então era considerado o refúgio dos democratas que deixaram países como Argentina, Colômbia, Paraguai e mais recentemente o Brasil, após os golpes brancos que instalaram governos neofascistas ou neoliberais.
URUGUAI, ÀS VÉSPERAS DE DECIDIR UM FUTURO QUE PODE REPETIR O PASSADO
Muitos compatriotas que deixaram o Uruguai há 20, 30, 40 anos, têm retornado na última década. Isso em função de que vem sendo o país da América Latina que melhor leva sua situação econômica e financeira na convulsionada região à que pertencemos. Em três períodos consecutivos de governo de esquerda, a Frente Amplio do Uruguai tem conseguido elevar o nível de vida da população, melhorar substancialmente a economia e desenvolver políticas sociais que têm beneficiado os setores mais vulneráveis da sociedade.
Por Ricardo Botana*
É importante lembrar que a Frente Amplia chega ao poder, no ano 2005, com o país numa das crises mais agudas da sua história. Décadas de governos de direita, tinham deixado o país, nos primeiros anos deste século, numa situação catastrófica; com altíssimo níveis de pobreza, desemprego e desigualdade social, a economia péssima, a dívida externa imensa em relação ao paupérrimo Produto Interno Bruto daqueles tempos sombrios.
A partir do 2005, tudo mudou. Foram 15 anos de crescimento econômico ininterrompido (dados reais da Cepal e de outros organismos internacionais como o Banco Mundial, entre outros) confirmam que o país vem percorrendo o caminho certo.
Basta comparar os indicadores sociais e econômicos mais importantes entre os anos 2004 e 2019: nesse período, a pobreza no Uruguai caiu de 38% em 2004 para 8,9% hoje. A indigência (pobreza extrema) passou de 6% para 0,7%. No âmbito social, as políticas de benefícios para a população e os setores mais vulneráveis têm sido fundamentais na redução do índice de pobreza, à condição do menor da América Latina.
O salário mínimo alcançou um recorde histórico de majoração em 15.600 pesos uruguaios, que equivalem a R$ 1.700,00. Há 15 anos consecutivos, o S.M. uruguaio e as aposentadorias crescem acima do índice de inflação. Para citar outros resultados de políticas públicas, o sistema de saúde vem sendo exemplo na América Latina. Com a criação do novo Fonasa (Fundo Nacional de Saúde), o governo popular implementou um sistema integrado de saúde, no qual a totalidade da população tem direitos ilimitados em todo o país para fazer uso dos hospitais que empregam hoje a melhor tecnologia disponível no mundo. Os medicamentos são distribuídos gratuitamente para a população.
Na educação, as melhorias começam pela implementação do “Plan Ceibal”. que outorgou, de forma gratuita, a absolutamente todas as crianças das escolas do país, um computador individual para estudar na escola e em suas casas. Outro plano implementou tratamento gratuito para toda criança com problemas de visão, o que inclui o fornecimento de óculos quando necessários. A Frente Ampla colocou em funcionamento uma quantidade enorme de novos centros de estudo, em nível escolar e universitário e elevou substancialmente os orçamentos anuais da educação, mantendo-os e curva crescente.
São também inúmeras as conquistas obtidas nesses últimos 15 anos em relação aos direitos das mulheres e população LGBT+, como legalização do aborto; matrimonio igualitário; ley trans (Ley N° 19684, que tem como objetivo assegurar os direitos das personas trans). Na área comportamental, a legalização da venda e distribuição da cannabis tem sido apontada como um avanço no mundo todo. (https://www.cepal.org/pt-br/publicacoes/tipo/estudios-perspectivas-oficina-la-cepal-montevideo)
Enfim, um país que vem crescendo ininterruptamente nos últimos 15 anos, mas cujo crescimento vem relacionado com a redistribuição de renda. Trata-se de um diferencial definidor em relação a outras economias do continente que também crescem, mas não repartem os dividendos na sociedade. Isso porque, para os governos desses países, a acumulação de riquezas continua sendo o objetivo final de todo superávit. É o caso do Chile, onde o crescimento também tem sido favorável nos últimos anos, mas a desigualdade social continua muito alta, sem que haja políticas sociais para os setores vulneráveis.
Hoje, após o transcurso histórico que resumi aqui, o povo uruguaio está prestes a definir, na eleição nacional do dia 27 de outubro, o país que vai querer para os próximos anos. Este que temos, onde o crescimento, as melhoras e as conquistas de direitos têm sido permanentes, ou retroceder ao pais de princípios do século, onde governava a direita, que nos levou à miséria, às graves injustiças e à ausência de perspectiva de futuro.
Sabemos como a direita vem avançando na região, impulsionada sempre pelos planos estratégicos do império… E não é o Uruguai que vai escapar dessa situação. Como em outros países, os partidos da direita uruguaia orquestram falsidades, mentiras, valendo-se das mídias sociais e do apoio incondicional dos países sob a liderança dos Estados Unidos, que atuam para que os interesses estrangeiros sejam privilegiados. Esses países conspiram para que a Frente Amplio saia do poder e assim eles possam voltar à condução do Uruguai para integrá-lo aos países da região que tornaram a cair nas garras do liberalismo extremo.
Nós, da Frente Amplia de Uruguai em Florianópolis, estamos trabalhando para fazer nossa parte e colaborar com a imprescindível tarefa de conscientizar compatriotas, de mostrar o caminho certo e de juntar a maior quantidade de votantes para manter o governo de esquerda no nosso pais. Infelizmente no Uruguai ainda não temos “voto consular”: a gente pode votar, mesmo morando fora, mas só viajando e votando lá no país de origem. Nesse contexto é que estamos realizando uma campanha de arrecadação de fundo, com o único objetivo de conseguir levar a maior quantidade de compatriotas ao sufrágio presidencial.
Neste sábado, 12 de outubro (das 12h às 22 h), realizamos um evento que chamamos “Festa América”, na “Associação Baiacu de Alguém”, em Santo Antônio de Lisboa. Música, Candombe, Gastronomia, Cerveja e muita fraternidade latino-americana para receber o povo progressista da Grande Florianópolis e ter a possibilidade de conseguir os recursos necessários para custear os ônibus de compatriotas para votar no dia 27 deste mês.
Os esperamos a todos/as…
Arriba los que luchan!!!
* Artista plástico uruguaio radicado no Brasil
Frente Amplio em Florianópolis
Secretário da Associação dos Uruguaios de Florianópolis (Asurflo)
5 respostas
Na atual conjuntura, mais do que nunca, é importante a solidariedade internacional perante o avanço do fascismo na América Latina. Já fiz minha modesta doação na conta de Melba Luz Moreno. Neste momento, gostaria de estar na luta do povo equatoriano. Lamentavelmente só posso enviar minhas mensagens de solidariedade àquele povo. Também é importante a organização popular aqui para derrotar o neoliberalismo e o fascismo. Recentemente, estive na Venezuela, dando apoio internacionalista àquele povo, contra as sanções e perseguições imperiais do vizinho do norte. Também recentemente fiz uma LIVE sobre minha viagem à Venezuela. Fiz o total de três LIVES (nas versões em português, espanhol e russo), as quais vou divulgar aqui.
https://youtu.be/e97EiEbBhjk
https://youtu.be/XITkfUar3xM
https://youtu.be/RHY4MSY5fOs
kkkkkkk rindo muito com tanta besteira dita nesse post