São montanhas de roupas velhas, tão velhas. São ferros retorcidos, entulho. Vapores me fazem pensar no Ararate, o monte entre ocidente e oriente. Centenas de pessoas entre roupas coloridas parecem esperar, eufóricas, a arca diante do caos; alguns talvez se salvem.
Quem é que ocupa essa praça, quem está entre as lajes do patrimônio da União? Penso em Castro Alves, seu navio negreiro cortando o mar. Me culpo tanto em ambiente sem poesia, mas a poesia insiste entre os subterrâneos. Entendo escandalizado, ser Brasil é ser resiliente.
Há um clima de arena, o espetáculo da miséria e caridade. Tantas roupas, tantas roupas para vestir o homem que quer casa. Quer casa, comida, trabalho, educação, respeito.
Tantos sacos de roupas se acumulam na praça. A praça é do povo, ah, a praça é nossa ressoa uma voz no largo. Tantos prédios cercam os homens, seus desconsolos. A avenida São João e a platéia de miseráveis, as igrejas, os bombeiros, os repórteres, o povo.
No monte de entulhos vejo a solidão pasma do bombeiro, tão só entre ferros, a fumaça tão branca, tão cinza a terra a cuspir vapores, coisa vulcânica e de infernos.
Sozinho o bombeiro olha meu pensamento se entortar em contas, tal o ferro bruto: quantos milhões serão gastos na limpeza do terreno, na logística para os despossuídos, na restauração da ordem urbana, quantos milhões serão? E continuarão todos sem casa, pois o Estado é burro.
Para que tantas roupas, pergunta minha alma. Por que tantos prédios, tantas janelas, tantas bocas?
A praça. A praça é do povo. Para o povo a praça, a calçada, a guia, as barracas coloridas, o navio negreiro.
*imagens por Helio Carlos Mello
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