Mark Karlin, Truthout, entrevista David Neiwert
De onde surgiram as figuras de extrema direita que, de repente, aparecem em toda a paisagem política americana? O repórter investigativo David Neiwert vem acompanhando a violência e a ideologia fascista e de extrema direita há décadas, e ele revela como esses grupos cresceram, em poder e em influência, no livro Alt-America: The Rise of the Radical Right in the Age of Trump [Alt-America: a ascensão da direita radical na era do Trump].
Como o sapo na água fervente, é possível que os estado-unidenses não percebam, antes que seja tarde demais, que a democracia acabou e que o país afundou no fascismo. Nesta entrevista, David Neiwert diz ao Truthout o que há de novo na chamada “direita alternativa” (“alt-right”) e, em que medida, é uma continuação da supremacia branca americana. O autor de Alt-America também descreve como Donald Trump ganhou o apoio de grupos de extrema direita e deu, à visão de mundo desses grupos, um lugar na Casa Branca.
Mark Karlin: O termo “alt-right” é uma nova marca de um movimento de supremacia branca que está em vigor há décadas ou deve ser reconhecido como uma entidade distinta?
David Neiwert: Definitivamente é uma nova marca do pensamento da supremacia branca, mas é muito mais do que apenas isso – é uma reforma completa do movimento e uma expansão dele também, e é por isso que simplesmente chamá-los de “nazistas” não é preciso. Este não é o Klan do seu avô. Isso foi feito para não apenas aproveitar a tecnologia e suas mudanças rápidas, mas alavancá-las como armas. Também foi reformatado inteiramente para atrair os jovens, ou seja, machos brancos com idades compreendidas entre os 16 e 30 anos – usando recursos não tão tradicionais como humor e ironia e “inteligência viva” abertamente transgressiva.
No final, quando você se aprofunda nos pensamentos deles e examina a ideologia que eles estão promovendo, não há nada realmente novo, nada que os eugenistas e os supremacistas brancos de outros tempos já não tenham dito. Mas é apresentado nas mídias sociais de maneiras hábeis e novas que são muito eficazes com os jovens cuja exposição, desde logo, à história real é superficial.
O que nas declarações e ações de Donald Trump habilitaram a “direita alternativa”, que você chama de um universo alternativo “há muito desacreditado” e aqueles grupos que precederam a “direita alternativa”, para sentir que esse é o momento deles?
As origens de Trump como político em 2011 giram em torno de sua adoção de uma teoria de conspiração de extrema direita (e profundamente intolerante), a saber, a chamada conspiração “birther”, que afirma que o certificado de nascimento do presidente Obama foi de alguma forma forjado.
Mas, se por um lado, essa teoria de conspiração quanto ao local de nascimento de Obama atraiu inicialmente uma turma do Tea Party [ala de extrema direita do Partido Republicano] em sua direção,
por outro, foi seu discurso de abertura de campanha denunciando imigrantes mexicanos como “estupradores” que animou o contingente nativista / nacionalista branco. O evento que realmente conectou Trump à “direita alternativa” foi o lançamento, em 16 de agosto de 2015, de seu “plano de imigração” – um documento que bem pode ter sido escrito por Ann Coulter ou por seu assessor, o nacionalista branco Stephen Miller, porque repete, quase perfeitamente, como um papagaio as agendas de imigração previamente delineadas por brancos nacionalistas e nativistas, como Coulter, Jared Taylor ou Patrick Buchanan. Esse foi o momento em que vimos a “direita alternativa”, quase completamente, saltar a bordo do vagão de Trump. E nada que ele fez desde então os persuadiu a sair.
Por que os seguidores da extrema direita têm um sentimento de vitimização tão extremo?
É um componente essencial do autoritário de direita [RWA – right-wing authoritarian], que apresenta pensamento compartimentado e uma abordagem de soma zero [se um lado ganha é porque o outro perde, a soma é sempre zero] em questões de raça e gênero. Inevitavelmente, os autoritários de direita se concebem como heroicos e um componente essencial da dinâmica de construção do heroísmo é que não só requer a criação de um inimigo, mas também reivindicações de vitimização por ações desse inimigo.
Minha própria experiência, tendo crescido em torno desse tipo de personalidade, é que a vitimização é, em última instância, uma espécie de projeção, porque os autoritários de direita sempre criam classes inteiras de vítimas em virtude de seus comportamentos, frequentemente intolerantes, pessoas cujas vidas são afetadas negativamente pelo seu preconceito e desdém pelos valores da igualdade – e assim eles reivindicam a vitimização como uma espécie de projeção, uma defesa contra o que é evocado por seus próprios atos ruins.
Não é um equívoco pensar que as pessoas nos EUA devem estar mais preocupadas com o terrorismo islâmico fanático do que os atos frequentes de terrorismo doméstico?
Sim. Na verdade, passei cinco anos compilando uma base de dados definitiva sobre terrorismo doméstico nos Estados Unidos como parte de um projeto do Reveal News / Center for Investigative Reporting e do Nation Institute Investigative Fund, que foi publicado no verão passado e detalhou precisamente o quanto a ameaça é maior – quase uma diferença de dois a um na violência política interna americana de extrema direita do que a infligida por islamitas radicais nos últimos nove anos. No entanto, nosso aparelho de aplicação da lei e nosso foco na mídia estão direcionados de forma esmagadora para qualquer pessoa com um fundamento muçulmano, mas trata os terroristas de direita como Dylann Roof como “incidentes isolados”. Em muitos aspectos, essa inclinação é o produto de uma mídia dominante extremamente irresponsável.
Em que sentido a ascensão das forças da “direita alternativa” para o nível da Casa Branca é compartilhado por movimentos ao redor do mundo?
O surgimento da direita radical nos EUA é apenas uma peça de uma sombria maré global, e é realmente um fenômeno assustador. Na Europa, a extrema direita está crescendo, não apenas no Reino Unido, onde o voto de Brexit refletiu um nacionalismo crescente, mas na Alemanha, onde o partido de extrema-direita ganhou uma crescente participação nos assentos no Parlamento recentemente e em lugares como a Polônia, onde milhares de jovens nacionalistas xenófobos marcharam recentemente em massa, assim como a Hungria, onde o novo primeiro-ministro, Viktor Orbán, também é um nacionalista descarado ao molde de Trump.
Já vimos um aumento do autoritarismo em regimes na Ásia, além do maior regime autoritário de todos eles, a China. Em Myanmar, por exemplo, onde a junta militar no poder está liderando uma campanha de limpeza étnica contra o povo muçulmano Rohingya; e nas Filipinas, onde o presidente populista lidera abertamente uma campanha de violência assassina e extermínio contra “usuários de drogas” e jornalistas.
Por que é importante notar, como você faz em seu livro, que o que o Trump desencadeou é uma descida incremental no fascismo?
Os americanos sempre se imaginaram imunes ao fascismo. Após a Segunda Guerra Mundial e os horrores do Holocausto foram revelados, nós nos demos tapinhas nas costas e dissemos: “É impossível acontecer aqui!” E, ao nos dizermos isso, mentimos – porque as próprias raízes do fascismo estão enterradas, em lugares, no solo [dos EUA]: as Leis de Nuremberg foram modeladas em Jim Crow; os Brownshirts foram inspirados pela Ku Klux Klan; e tanto o programa Lebensraum de Hitler como o próprio Holocausto foram construídos sobre a admiração dos nazistas pelo genocídio dos nativos americanos nos Estados Unidos.
Nos anos seguintes, nos tornamos cada vez mais complacentes com o significado e com o funcionamento do fascismo, projetando-o como um insulto fácil e, em última instância, torcendo seu significado com propósitos político-partidários, como fizeram figuras de direita como Jonah Goldberg e Dinesh D’Souza nos últimos anos.
O fascismo nunca foi nada além do populismo de direita ter se tornado ido metastático – uma manifestação cancerígena de uma visão de mundo já tóxica. Mas, como permitimos que esse populismo, muitas vezes sob o disfarce de “libertarianismo”, se infiltre em nossa política dominante, nos tornamos vulneráveis a sua profunda hostilidade em relação a todas as nossas instituições democráticas, bem como a sua manipulação cínica de tais princípios básicos de democracia como a liberdade de expressão.
Os americanos querem acreditar que sua democracia continuará funcionando como sempre, mas é como qualquer outro sistema quando se trata de um ataque direto – em última análise, é um sistema tão vulnerável quanto permitimos que ela seja.
Nota
1 Entrevista por Mark Karlin, publicada na Truthout em 19/11/2017, no endereço: http://www.truth-out.org/opinion/item/42644-the-american-roots-and-21st-century-global-rise-of-fascism
2 Tradução de César Locatelli, Jornalistas Livres