Por Helio Carlos Mello, especial para os Jornalistas Livres
O que os lábios não dizem as mãos falam em seus cliques. Quando sobrevoamos a floresta abstraímos. Mato denso no coração aflora, outro império de leis. Cede-se. A ilusão doce do mar verde de árvores, aos olhos no horizonte sem palidez se mostra, mas nossa atitude em si contradiz desvarios, pois vamos em busca de pessoas. Sob o manto verde do mato o pensamento mágico dos Txai, os Huni Kuin, Kaxinawá. Ensinar a outros em civilização para captação de imagens e comunicação é o rumo de nosso grupo e o rio será nossa estrada depois do céu.
Meus caros amigos e eu descemos do velho avião Bandeirante que nos compraz e nos traz ao pisar em Jordão, pequena e isolada cidade acreana às margens do Rio Tarauacá. Jordão é local cinematográfico, um não ter aonde ir amazônico, sem jeito nas areias da margem do porto. Tudo se acalma na precisão do aprender a ser aqui, o cotidiano viciado da metrópole desfeito de repente. Nossa vida apressada e eletrônica da cidade grande perde toda a função aqui. Agora o rio espera com suas águas secas em céu de pouca chuva nessa época do ano.
Três barcos seguem recheados com tambores cheios de combustível necessário aos percursos, alimentos e muitas malas e câmeras para os 40 alunos reunidos de várias localidades na aldeia Boa Esperança, no médio Rio Jordão. Os barqueiros Huni Kuin, incansáveis, repetem sempre a lembrança do batismo do rebento Jesus, batizado em águas de mesma identidade. Penso, em engano, ser isso influência das igrejas evangélicas na Amazônia, e descubro sim, ao longo da viagem no barco, que essa etnia se define verdadeira por ter o pensamento mágico como ponto de partida para o entendimento da cultura de redenção e afirmação do espírito. O cipó sagrado traz na tradição a miração do mundo paralelo presente na floresta através do Ayahuasca, chá usado por muitos durante as cerimônias tradicionais. Meu Deus, indaga e afirma a mente Huni Kuin, o povo verdadeiro em tradução de sua auto denominação. A vida do espírito se afirma a todo momento.
O longo percurso para a aldeia se estende muitas horas noite adentro e é imenso o esforço de todos, num constante sobe e desce dos barcos a encalhar nas águas rasas do Rio Jordão obstruído por imensos troncos de árvores e galhos em muitos trechos. Empurrar o barco é solução necessária a todo momento.
Somos recebidos na madrugada por toda comunidade e a Oficina é semeada entre o cotidiano diverso da aldeia, afoita em aprender e se mostrar. São preparos de alimentos, maestria na arte dos artesanatos, riqueza de rituais e hábitos cotidianos que permeiam toda a teoria pedagógica da ação fotográfica em curso durante uma semana de exercícios.
A palavra Txai, a outra metade de mim, como uma terceira margem do rio, se desvela, e plenamente afirma o desenho de luz da fotografia em sua química a revelar as necessidades, sabedoria e delicadezas da comunidade. Doce é ensinar e aprender, armar para a guerra com objetivas e máquinas de imagem. Força soberana que renova na mata, a fotografia se mostra como possível antídoto aos evangélicos, militares e políticos que insistem em serem donos do índio. Índio é do índio, não há espaço para outras posses, onde todos se chamam Txai, e são definidos como um só no vasto território.
Voltamos para casa olhando as águas, no céu apenas lembranças. Vão-se os dedos, ficam as fotos.