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Por que o corinthianista fomenta sedições?

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Planejei este texto como relato jornalístico, reto, quadrado, medido, produzido com o rigor formal que se exige do narrador político.

Bastou abrir o “Word” e me deu na telha de encarnar o espírito sedicioso alvinegro.

Afinal, o que conta saber que, neste 31 de Março, duzentos e tantos caminharam em São Paulo, da Praça da Liberdade até a Sé, contra o golpe mal-ajambrado que se armou contra Dilma Rousseff?

Outros grupos cumpriram roteiro semelhante, palmilhando trechos inaugurados no Largo São Francisco, na Rua Tabatinguera ou no Largo de São Bento, todos também destemidos e virtuosos, demandantes de nobre causa.

Então, ouso abandonar quase todo o factual, posto que não nos oferece retrato adequado do fenômeno em foco.

O Corinthians nasceu na esquina do mundo, o Bom Retiro de tantos encontros migrantes e imigrantes, em 1910, ano em que a antiga “capital da solidão” arrojava-se como metrópole industrial

O lugar borbulhava de rebeldias. Não convinha queimar a vida em horas infindáveis de insalubre labor fabril. Não se podia tolerar tanta exploração da elite bandeirante.

No bairro, os anarquistas exibiam-se em teatros de educação popular. Havia também uma escola libertária, a Germinal. Liam-se os jornais incendiários de Gigi Damiani e Oreste Ristori.

O futebol brasileiro nascera ali perto, em 1895, na Várzea do Carmo, naquele terreno gretado que se apresentava nos meses de estiagem.

Nessa época, no entanto, os campeonatos oficiais eram disputados somente pelos filhos das famílias quatrocentonas. Vigia o modelo de interdição. Que os populares arranhassem seus calcanhares nas beiradas de rio.

À turma de operários, pequenos comerciantes, pintores, pedreiros, carroceiros, braçais não bastava, contudo, praticar o ludopédio marginal.

Convinha, como incitavam os libertários, assumir protagonismos. O futebol, mais que corriqueiro bate-bola, deveria constituir também campo de batalha na luta pela universalização de direitos.

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Nesse contexto, o Corinthians emergiu como projeto de sedição. Seu primeiro presidente, Miguel Battaglia, anunciou: “este é o time do povo, e é o povo quem vai fazê-lo”.

Não se pronunciava, no entanto, de puro improviso. Adaptava pensamento do inquieto militante Errico Malatesta: “nós, anarquistas, não queremos emancipar o povo, queremos que o povo se emancipe”.

Evidentemente, o Corinthians sofreu boicotes das agremiações da gente de bem e quase faliu. O jornal O Imparcial, por exemplo, sugeriu que fosse extinto e que seus craques fossem distribuídos entre os times então tradicionais.

Teimoso, resistiu, prosperou e conquistou títulos e mais títulos. Mas sua maior proeza foi insistir na democracia interna e valorizar a diversidade do povo brasileiro.

Virou paixão de italianos, espanhóis, portugueses, gregos, lituanos, japoneses, e também dos filhos d’África, dos tetranetos de Tibiriçá e dos misturados em genes; enfim, de gente que encontrava na insurgência o caminho da convergência.

O Corinthians, portanto, é muito mais do que um simples time de futebol. Desponta como instituição que nasceu para conceder vez e voz àqueles designados subalternos na sociedade paulista.

Os documentos antigos comprovam que surgiu, por exemplo, para igualmente abrigar uma biblioteca e oferecer espaço para a conscientização dos trabalhadores.

Como entidade que se tornou gigante, depois atraiu gentes abastadas, muitas das quais aprenderam no clube o sentido da solidariedade. Exercitaram ali a projeção dialética, o sentir-se como o outro.

Agora, as categorias… Corinthiano é o torcedor desse time campeoníssimo no futebol. Corinthianista é quem, além disso, sabe dessa história, dessa vocação e desse carisma.

Ok, aqui e ali, tivemos cartolas pouco identificados com esses valores, ocorrência inevitável em instituições de massa, convertidas em escadas de acesso ao poder.

E hoje há, sim, muitos corinthianos somando no transe do ódio, embarcando na aventura indecorosa do impeachment, repetindo os motes grotescos divulgados dia e noite pela mídia hegemônica.

Em momentos históricos decisivos, entretanto, o ethos popular sempre se manifestou. O Corinthians foi o lugar onde floresceu a Democracia Corinthiana, o movimento que impulsionou a luta popular contra a Ditadura Militar.

A turma de Sócrates, Wladimir e Casagrande, integrada com o sociólogo Adilson Monteiro Alves, fez história, apontando especialmente aos mais jovens os princípios da luta por liberdade, democracia e justiça.

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Enfim, mudamos de século. Em anos recentes, especialmente nas periferias, muitos corinthianos deixaram a pobreza. Muitos ascenderam à classe média. Outros tantos foram os primeiros de suas famílias a pisarem em uma universidade.

Então, não será difícil encontrar, nestas fileiras, inimigos do golpismo. Como apoiar os promotores da fome?

Como apoiar um Estado de armas se os corinthianos sempre sofreram com as arbitrariedades cometidas pela polícia militar?

É óbvio que todo corinthiano deseja vigor no combate à corrupção. Ele sabe que ela atrasa o crescimento econômico, prejudica a atividade empreendedora, promove a injustiça e, por fim, tira o pão da mesa dos mais humildes.

O pessoal do Coletivo Democracia Corinthiana (esse que desfilou da Liberdade à Sé neste 31 de Março de 2016), no entanto, conhece o script e raciocina que a legítima luta contra a corrupção não pode se transformar em pretexto para bestialidades neoconservadoras e perseguições políticas.

Disso sabem os mais jovens torcedores-cidadãos e também os veteranos participantes da caminhada, como o próprio Wladimir Rodrigues dos Santos, já citado, ex-presidente do Sindicato dos Atletas Profissionais de São Paulo; o jornalista Chico Malfitani, um dos fundadores da organizada Gaviões da Fiel; e Antonio Carlos Fon, ex-presidente do Sindicato dos Jornalistas de São Paulo e um dos responsáveis pela operação “subversiva” que, em 1979, no Morumbi, ergueu a faixa com a frase “Anistia ampla, geral e irrestrita”.

Faixa estendida pela torcida corinthiana em 1979 no estádio do Morumbi

Então, ficamos assim: os corinthianistas, mais uma vez, honram a tradição rebelde, proclamando um NÃO ruidoso ao senso comum.

Fazem história, são protagonistas dela, erguem trincheiras para defender os mesmos valores dos pioneiros do Bom Retiro.

Na Praça da Liberdade, receberam como prêmio um balão que explodiu no calcadão, banhando-os de água suja. Uma bolinha de gude de origem coxinha feriu o braço de uma manifestante. Um desbocado gritou do ônibus “olha os curintianos defendendo ladrão”.

Diante da reação intolerante, retrocederam os fiéis? Não! Porque sabem de onde vieram. Sabem para onde vão.

 

 

 

 

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3 Comments

3 Comments

  1. Pingback: Por que o corinthianista fomenta sediç&o...

  2. Mozart Silvestre

    03/04/16 at 18:52

    Não consigo entender porque o Juca esta defendendo um governo incompetente e corrupto. Quem feito isto saõ alguns artistas que receberam altas verbas para seus projetos, vide Wagner Moura. Será que o Juca ou alguém de sua familia esta sendo beneficiada? Seria a unica explicação.

  3. marco antonio albuquerque

    03/04/16 at 19:20

    …Texto maravilhoso…dá até vontade de ser Corintiano…verdade!!! Pra mim que tive que contentar com Perrellas por quase 20 anos…

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#EleNão

Moradores da Maré são bailarinos em espetáculo com temporada na Suiça

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Foto: Andi Gantenbein, de Zurique, Suíça, para os Jornalistas Livres

Denúncias sobre os atuais tempos de antidemocracia, assassinatos da população preta, pobre e periférica e o da vereadora Marielle Franco aparecem em cartazes erguidos pelos bailarinos de “Fúria”, espetáculo de Lia Rodrigues, considerada uma das maiores coreógrafas brasileiras da atualidade e uma das mais engajadas na realidade política do país.

A foto é da noite deste sábado (16), durante apresentação do grupo brasileiro no ‘Zürcher Theaterspektakel’, em Zurique, Suíça.

No Brasil, Fúria estreou em Abril, no Festival de Curitiba. A montagem evidencia, de maneira crítica, relações de poder, desigualdades, e as interligações entre racismo e capitalismo.

O espetáculo foi concebido no Centro de Artes da Maré, na Maré, RJ. O local foi inaugurado em 2009, e o projeto nasceu do encontro de Lia Rodrigues Companhia de Danças com a Redes da Maré. Os bailarinos são moradores da favela e de periferias do RJ.

Fruto dessa mesma parceria é a Escola Livre de Dança da Maré que resiste, em meio ao caos do governo violento de Witzel contra as favelas do RJ.

 

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Temer/Kassab preparam ataque ao seu direito à Internet

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O método Temer de solapar direitos dos cidadãos brasileiros tem novo alvo: a Internet. Sem qualquer discussão prévia, os golpistas querem mudar a composição do Comitê Gestor da Internet.

A consulta pública determinada pelo governo, sem diálogo prévio com os membros do Comitê e com apenas 30 dias de duração, certamente pretende aumentar o poder e servir apenas aos interesses das empresas privadas. As operadoras de telefonia têm todo o interesse do mundo em abafar as vozes de técnicos, acadêmicos e ativistas que lutam pela neutralidade da rede, por uma Internet livre, plural e aberta.

Veja, abaixo, a nota de repúdio ao atropelo antidemocrático da consulta pública determinada por Temer/Kassab. A nota é da Coalizão Direitos na Rede que exige o cancelamento imediato desta consulta.

Nota de repúdio

Contra os ataques do governo Temer ao Comitê Gestor da Internet no Brasil

A Coalizão Direitos na Rede vem a público repudiar e denunciar a mais recente medida da gestão Temer contra os direitos dos internautas no Brasil. De forma unilateral, o Governo Federal publicou nesta terça-feira, 8 de agosto, no Diário Oficial da União (D.O.U.), uma consulta pública visando alterações na composição, no processo de eleição e nas atribuições do Comitê Gestor da Internet (CGI.br).

Composto por representantes do governo, do setor privado, da sociedade civil e por especialistas técnicos e acadêmicos, o CGI.br é, desde sua criação, em 1995, responsável por estabelecer as normas e procedimentos para o uso e desenvolvimento da rede no Brasil.

Referência internacional de governança multissetorial da Internet,

o Comitê teve seu papel fortalecido após a

promulgação do Marco Civil da Internet (Lei 12.965/2014)

e de seu decreto regulamentador, que estabelece que cabe ao órgão definir as diretrizes para todos os temas relacionados ao setor. A partir de então, o CGI.br passou a ser alvo de disputa e grande interesse do setor privado.

Ao publicar uma consulta para alterar significativamente o modelo do Comitê Gestor de forma unilateral e sem qualquer diálogo prévio no interior do próprio CGI.br, o Governo passa por cima da lei e quebra com a multissetorialidade que marca os debates sobre a Internet e sua governança no Brasil.

A consulta não foi pauta da última reunião do CGI.br, realizada em maio, e nesta segunda-feira, véspera da publicação no D.O.U., o coordenador do Comitê, Maximiliano Martinhão, apenas enviou um e-mail à lista dos conselheiros relatando que o Governo Federal pretendia debater a questão – sem, no entanto, informar que tudo já estava pronto, em vias de publicação oficial. Vale registrar que, no próximo dia 18 de agosto, ocorre a primeira reunião da nova gestão do CGI.br, e o governo poderia ter aguardado para pautar o tema de forma democrática com os conselheiros/as.

Porém, preferiu agir de forma autocrática.

Desde sua posse à frente do CGI.br, no ano passado, Martinhão – que também é Secretário de Política de Informática do Ministério da Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações – tem feito declarações públicas defendendo alterações no Comitê Gestor da Internet. Já em junho de 2016, na primeira reunião que presidiu no CGI.br, após a troca no comando do Governo Federal, ele declarou que estava “recebendo demandas de pequenos provedores, de provedores de conteúdos e de investidores” para alterar a composição do órgão.

A pressão para rever a força da sociedade civil no Comitê cresceu,

principalmente por parte das operadoras de telecomunicações,

apoiadoras do governo.

Em dezembro, durante o Fórum de Governança da Internet no México, organizado pelas Nações Unidas, um conjunto de entidades da sociedade civil de mais de 20 países manifestou preocupação e denunciou as tentativas de enfraquecimento do CGI.br por parte da gestão Temer. No primeiro semestre de 2017, o Governo manobrou para impor uma paralisação de atividades em nome de uma questionável “economia de recursos”.

Martinhão e outros integrantes da gestão Kassab/Temer também têm defendido publicamente que sejam revistas conquistas obtidas no Marco Civil da Internet, propondo a flexibilização da neutralidade de rede e criticando a necessidade de consentimento dos usuários para o tratamento de seus dados pessoais. Neste contexto, a composição multissetorial do CGI.br tem sido fundamental para a defesa dos postulados do MCI e de princípios basilares para a garantia de uma internet livre, aberta e plural.

Por isso, esta Coalizão – articulação que reúne pesquisadores, acadêmicos, desenvolvedores, ativistas e entidades de defesa do consumidor e da liberdade de expressão – lançou, durante o último processo eleitoral do CGI, uma plataforma pública que clamava pelo “fortalecimento do Comitê Gestor da Internet no Brasil, preservando suas atribuições e seu caráter multissetorial, como garantia da governança multiparticipativa e democrática da Internet” no país. Afinal, mudar o CGI é estratégico para os setores que querem alterar os rumos das políticas de internet até então em curso no país.

Nesse sentido, considerando o que estabelece o Marco Civil da Internet, o caráter multissetorial do CGI e também o momento político que o país atravessa – de um governo interino, de legitimidade questionável para empreender tais mudanças –

a Coalizão Direitos na Rede exige o cancelamento imediato desta consulta.

É repudiável que um processo diretamente relacionado à governança da Internet seja travestido de consulta pública sem que as linhas orientadoras para sua revisão tenham sido debatidas antes, internamente, pelo próprio CGI.br. É mais um exemplo do modus operandi da gestão que ocupa o Palácio do Planalto e que tem pouco apreço por processos democráticos.

Seguiremos denunciando tais ataques e buscando apoio de diferentes setores,

dentro e fora do Brasil,

contra o desmonte do Comitê Gestor da Internet.

 

8 de agosto de 2017, Coalizão Direitos na Rede

 

Notas

1 A Coalizão Direitos na Rede é uma rede independente de organizações da sociedade civil, ativistas e acadêmicos em defesa da Internet livre e aberta no Brasil. Formada em julho de 2016, busca contribuir para a conscientização sobre o direito ao acesso à Internet, a privacidade e a liberdade de expressão de maneira ampla. O coletivo atua em diferentes frentes por meio de suas organizações, de modo horizontal e colaborativo. A nota está em https://direitosnarede.org.br/c/governo-temer-ataca-CGI/ .

2 Para ouvir a entrevista, à Rádio Brasil Atual, de Flávia Lefévre, conselheira da Proteste e representante do terceiro setor no Comitê Gestor da Internet, que afirma que as mudanças visam a atender interesses do setor privado e ferem caráter multiparticipativo do Comitê: https://soundcloud.com/redebrasilatual/1008-enrevista-flavia-lefevre

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FRAGMENTO E SÍNTESE

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Ligar a tv logo cedo num pequeno quarto de hotel no interior do país é desentender-se dos fatos nos telejornais matutinos. Abre-se a janela e uma menina vai à escola à beira do rio, um menino faz gol de bicicleta entre guris e o homem ergue a parede de sua casa.  Tudo tão distinto das ruas em alvoroço de protestos urbanos ou políticos insanos.  No rincão o que se busca é continuar vivo entre chuvas e trovões, sem não ou talvez. Tudo é certo. Sem modernidades calam ou arremedam nossa urbanidade, gente que se defende com pimentas e ervas, oração e vizinhança. Voz sem boca, boca sem voz, essa gente não é parte nas notícias selvagens dos jornais distantes.  Se resolvem entre cozidos, arte, bola e santos. No país de tantos cantos, muitos voam fora da asa e sem golpes entre si vão tocando suas mazelas e graça.

Mas vivemos tempos obscuros, a noite persiste em nossos avançados quinhentos e tantos anos e muitos santos. Dizem que burro velho é difícil se corrigir nos hábitos. Em manhã chuvosa na grande São Paulo, ligo a tv e o notbook, as janelas se abrem antes que a cortina deixe entrar o novo dia. Surpreendente ver na tv o deputado Jair Bolsonaro afirmando em um clube israelita na cidade do Rio, que se presidente for, não teremos mais terras indígenas no país. Ao mesmo tempo o computador expõe na rede social a opinião de meu amigo Ianuculá Kaiabi Suiá, jovem liderança do Parque Indígena do Xingu, onde leio ao som do deputado que ladra:

Jair Bolsonaro, obrigado por você existir. Graças a você, hoje, temos noção de quanto a população brasileira carece de conhecimento, decência, consciência, juízo, amor e que carrega um imenso sentimento de ódio sem saber o porque. Sim, sim, não sabem. Um exemplo? Veja a bandeira de quem te aplaude, é de um povo que, assim como nós, sofreu as piores atrocidades cometidas pelas pessoas que pensavam como você. Enfim, eu não sei se essa parcela do povo brasileiro pode ser curada, mas vou pedir para um pajé fumar um charuto sagrado e revelar se o espírito maligno que se apossou da tua alma pode ser desfeita com uma grande pajelança.

Ianuculá sabe o que diz, sabe de todo martírio vivido pelos povos originários, e mesmo assim se propõe a consultar o mundo dos espíritos.

 

É deus e diabo na terra do sol, a mesma terra que ofende também abriga e anuncia uma mostra de cinema indígena nos próximos dias. Terra de etnias e corpos na terra, a cidade maravilhosa do Rio não se calará diante do fascismo desses tempos sombrios, acompanhe.

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