STF motiva insegurança em todo sistema judicial brasileiro

Luís Roberto Barroso, por José Cruz/Agência Brasil

por Ruy S. S. Jr.*

No último dia 12/04/2018 a Juíza da 9ª Vara do Trabalho de Vitória/ES, Germana de Morelo, proferiu decisão(1), com base no entendimento do STF que possibilitou o início do cumprimento de pena após o julgamento pelo Tribunal de 2º Grau, mesmo na pendência de recursos aos Tribunais Superiores, transformando a Execução até então Provisória em Definitiva, oportunidade em que determinou a penhora de bens da parte condenada.

O STF possibilitou a execução imediata da pena tendo como um dos argumentos o de que a maioria dos Recursos Extraordinários e Especial, que via de regra não possuem efeito suspensivo, são julgados improcedentes, ou seja, como a percentagem de reforma das decisões seria muito pequena, nada impediria que o resultado do processo fosse desde logo alcançado. Nesse sentido é o voto do Min. Luís Barroso.

O problema aqui é que o STF fez uma interpretação da Lei Maior, Constituição Federal, que é expressa ao dizer no art. 5º, LIV, “ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória”,  pelo Código de Processo Civil, que é uma lei de hierarquia menor, quando diz no art. 995  que “Os recursos não impedem a eficácia da decisão, salvo disposição legal ou decisão judicial em sentido diverso”.

Streck, ainda no ano de 2016, ao comentar o voto do Ministro Edson Fachin no HC 133.387, assim se manifestou:

“(…) Na verdade, por descuido, o ministro Fachin deu mais relevo ao CPC, mesmo que a questão trate de liberdades. Depreendo isso do voto, que diz que, face ao CPC, não há nenhum problema de o STF decidir pela permissão de execução provisória da decisão condenatória de segundo grau. Ou seja, para o ministro, o CPC permitiu que se restabelecesse a validade de um dispositivo do CPP (artigo 637, o qual, insisto, virara pó em 2009). Esqueceu, por exemplo, que, quando o STF decidiu o HC 126.292, o novo CPC não estava em vigor. Em palavras mais simples, entre a taxatividade do artigo 283 do CPP (espelhado da CF) e uma suposta amplitude do CPC sobre recursos e seus efeitos, o ministro ficou com o CPC (…).” (2)

Assim, o STF acabou por abrir uma possibilidade interpretativa muito perigosa para os demais ramos do direito.

Vejam o argumento utilizado pela Magistrada do Trabalho: se cabe a execução após o esgotamento das vias ordinárias em relação ao direito à liberdade, bem jurídico em patamar superior, também cabe em relação ao direito à propriedade.
O Impacto de interpretações como a da Juíza do Trabalho de Vitória/ES, pode chegar ao Processo Civil, com repercussões desastrosas nos orçamentos públicos.

A Atual redação do art. 100, § 5º, da CF/88 determina a expedição de precatórios ocorra somente após o trânsito em julgado da decisão (3).

O que ocorreria se os Juízes das Varas das Fazendas Públicas Estaduais e Vara Federais, nos processos contra a União/Estados/Municípios, com base no mesmo argumento, passassem a determinar a expedição de precatórios a partir do esgotamento da jurisdição da 2ª instância?

O mesmo raciocínio pode atingir os devedores dos tributos da União/Estados/Municípios?

E em caso de reforma dessas decisões, como restituir os valores sacados/recebidos? Estaria o exequente que gastasse os mesmos de boa-fé ou de má-fé?

Fica muito difícil para o STF explicar e convencer a sociedade brasileira por que a execução no direito penal pode ser antecipada e nos demais ramos não.

Não se está aqui a defender a extensão dessa interpretação do STF aos demais ramos do direito, como fez a Juíza do Trabalho, ao contrário, essas ponderações sevem para demonstrar a incoerência da decisão do STF, uma vez que todo o sistema jurídico brasileiro fora construído com base na presunção de inocência, no devido processo legal, no contraditório e na ampla defesa, o que resulta na impossibilidade de se executar de forma definitiva uma decisão judicial antes do trânsito em julgado.

O suposto ganho de eficiência e/ou celeridade do sistema judicial com a mitigação do Princípio da Presunção de Inocência, o que hipoteticamente diminuiria a sensação de impunidade, além de não atacar os problemas estruturais da justiça criminal brasileira (falta de servidores, juízes, promotores, defensores públicos, estrutura física deficiente, entre outros problemas que merecem estudos sérios), em verdade, está por colocar em risco não apenas o interesse privado, mas também o interesse público na medida em que permite, em tese, a prevalecer a interpretação dada pela Juíza do Trabalho ao julgamento do HC pelo STF, que as partes vencedoras em 2ª instância possam, desde já, ingressar no patrimônio da parte vencida.

  • Ruy S. S. Jr. é advogado, formado pela Universidade Estadual de Feira de Santana/Ba

Notas

1 Disponível em: <http://www.trtes.jus.br/principal/publicacoes/leitor/766345085?Formato=PDF&securityCode=A22Fp1spdx7j4nSVC0DmM1VUYvZULDoIth3/>. Acesso em: 18/04/2018.

2 Lênio Streck in “Presunção da inocência: Fachin interpreta a Constituição conforme o CPC?”. Disponível em: <https://www.conjur.com.br/2016-jun-30/senso-incomum-presuncao-inocencia-fachin-interpreta-constituicao-conforme-cpc>. Acesso em 18/04/2018.

3 Constituição Federal. “Art. 100. Os pagamentos devidos pelas Fazendas Públicas Federal, Estaduais, Distrital e Municipais, em virtude de sentença judiciária, far-se-ão exclusivamente na ordem cronológica de apresentação dos precatórios e à conta dos créditos respectivos, proibida a designação de casos ou de pessoas nas dotações orçamentárias e nos créditos adicionais abertos para este fim.

(…) § 5º É obrigatória a inclusão, no orçamento das entidades de direito público, de verba necessária ao pagamento de seus débitos, oriundos de sentenças transitadas em julgado, constantes de precatórios judiciários apresentados até 1º de julho, fazendo-se o pagamento até o final do exercício seguinte, quando terão seus valores atualizados monetariamente.”

COMENTÁRIOS

POSTS RELACIONADOS