Na última quarta-feira, 13 de Novembro, a embaixada da Venezuela em Brasília foi invadida por um grupo de pessoas que se declaravam representantes diplomáticos de Juan Guaidó. Guaidó é deputado federal e em janeiro deste ano proclamou a si mesmo presidente da Venezuela, numa jogada contra o presidente Nicolás Maduro. A invasão aconteceu pelos fundos da propriedade. Por voltar das 4 da madrugada, os invasores pularam o muro. O corpo diplomático legítimo, representante República Bolivariana da Venezuela, presidida por Maduro, que reside na propriedade, foi surpreendido e se dirigiu ao prédio sede da embaixada assim que foi informado do ocorrido.
O presidente Jair Bolsonaro encontrava-se em reunião com o presidente da China, Xi Jinping, por ocasião da reunião do BRICS, mas enquanto isso o seu filho, o deputado federal Eduardo Bolsonaro, manifestou no twitter o seu apoio à invasão. O governo brasileiro atualmente reconhece Guaidó como presidente da Venezuela. Desde o golpe parlamentar que destituiu Dilma Rousseff da presidência, em protesto, a Venezuela não tem um embaixador presente no Brasil. Quem faz a sua função é Freddy Meregote, Encarregado de Negócios. Já se aproximava das 11 horas da manhã quando Freddy e sua equipe conversaram pela primeira vez com um representante do Itamaraty, Maurício Corrêa. Estavam presentes também os deputados federais Paulo PImenta (PT-SP) e Glauber Braga (PSOL-RJ), um policial federal que não se identificou e alguns policiais militares.
O vídeo a seguir mostra o registro de dois trechos dessa primeira reunião. Abaixo a transcrição dos conteúdos do vídeo.
Transcrição
Maurício Corrêa, representante do Itamaraty:
O que eu sugiro: primeiro a gente não vai discutir questão de fundo, a gente não vai discutir a essência da coisa – “Ah vai expulsar uns, vai expulsar os outros, vai deixar não sei quem entrar…”
A gente não vai discutir nada disso enquanto não tiver instruções. Enquanto não tiver instruções, nada vai acontecer quanto a isso. Isso é uma realidade. Quanto tempo vai demorar a instrução, pode ser que demore muito. Nesse minuto, o meu presidente da República tá com o Xi Jinping.
Eu não posso interromper e resolver isso. Então infelizmente hoje é um dia atípico. Um dia completamente atípico.
(Algumas pessoas atendem ligações e deixam a sala)
Então vou concluir num minuto… então a primeira coisa que eu tô dizendo é o seguinte. Então a gente não tem nada que vá resolver a situação de fundo, vamos manter a situação congelada. Manter a situação congelada o que que é? O pessoal do Maduro de um lado, o pessoal do Guaidó do outro lado, um não chega no outro pra não ter confronto pra não ter quebradeira, pra não ter dano ao patrimônio, pra não ter dano à pessoa, pra não ter nada disso. Então essa é a primeira coisa. É isso que eu vim aqui que eu ia falar pra ele.
Então o que eu queria fazer? Eu não queria simplesmente obrigar, falar com o comandante da polícia: “Olha, bota 20 pessoas aqui no hall pra garantir à força que um lado não vai encontrar com o outro.” Como eu falei, a gente tá primeiro construindo confiança, vai conversar com ele. E quero conversar com o outro lado. Quero que os dois lados percebam que é razoável primeiro que a gente garanta isso daí. E daí a partir daí a gente continua.
Fernando Neto, advogado:
Primeiro, observações e sugestões: se o senhor está esperando uma instrução pra tomada de decisão, houve alguma instrução pra entrada deles aqui.
M.C. – Não.
F.N. – Não houve? Então não tem que se falar em instrução. Existe uma invasão ilegal. Existe uma invasão ilegal. E, sugestão, se o senhor quer dialogar com os dois lados, que desmobilize o lado que não estava aqui ocupado, porque é a República Bolivariana Venezuelana que mantém financeiramente essa estrutura. A parte que representa o Guaidó não tem orçamento público dirigido para a manutenção dessa estrutura. Então por uma questão diplomática, de bom senso e de entendimento do Estado, essas pessoas que estão aqui já ocupavam esse espaço.
Uma sugestão é: desmobilize os outros que são legitimamente reconhecidos pelo Itamaraty e dialogue com os dois lados em território neutro que não seja este. Porque enquanto estiverem todos aqui, inclusive nós, batalhão da polícia militar, o senhor aqui dentro legitima a presença deles, deslegitima o diálogo, e não há como construir um entendimento.
A minha sugestão é: desmobilizem todos, converse em território neutro, porque é muito simples um comunicado do Itamaraty. Estamos a quase 11 horas da manhã e não houve comunicado. Se não houve comunicado, não existe entendimento do governo. Se não existe entendimento do governo então que se dialogue pra fora e prevaleça o que estava acontecendo antes. Bem simples a sugestão.
M.C. – Obrigado. Eu vou dizer como que é que o outro lado vê isso. Eu entendo que do lado de vocês (…) “aconteceu primeiro tira todo mundo daí a gente conversa”. O outro lado diz exatamente o oposto. O que o outro lado diz? O outro lado diz o seguinte: “Eu sou o representante do Guaidó, o Brasil reconhece o Guaidó, logo essa embaixada representa… Embaixada… Embaixada da Venezuela.”
(várias pessoas falam ao mesmo tempo)
M.C. – Então o que acontece. Eles da mesma maneira estão pedindo pra mim: “tem que expulsar o outro pessoa, porque eu tô aqui, eu sou o representante do governo reconhecido, e eu sou o chefe da embaixada, e eu estou expulsando as outras pessoas.” Entende como está a situação? Eu não quero, nem de um lado nem do outro, fazer nada nesse momento.
F.N. – Eu entendo perfeitamente, mas existe uma contradição dentro da sua instituição que foi o que gerou isso. Que da mesma forma que reconheceu a carta diplomática da embaixadora, manteve a carta diplomática do Freddy, reconhecendo infelizmente essa realidade. Vocês mantiveram a carta diplomática dele, não pediram pra ele entregar a documentação dele e nem por ofício, diário oficial, uma determinação do Itamaraty, vocês não comunicaram a ninguém da embaixada pra que isso acontecesse.
Na sua fala, se você reconhece o que os outros estão, o outro lado, como você gostaria de se referir, se o outro lado está sugerindo, então é preciso ter um entendimento primeiro do governo brasileiro, porque foi o governo brasileiro, o Itamaraty, a sua chancelaria, que não conseguiram decidir o conflito. Por isso estamos aqui hoje.
CORTE. No segundo clipe, está falando Freddy Meregote, Encarregado de Negócios entre Brasil e Venezuela, que ocupa a função de embaixador (Tradução livre).
Freddy Meregote – … Esquema de legalidade, agora mesmo com a presença de dois governos no Brasil em uma intersecção…
M.C. – Para nós não há a presença de dois governo. Para nós há um governo, o governo Guaidó. É esse que nós reconhecemos.(…) Peraí, é a questão da bola, deixa eu dar a bola pra ele.
Alguém fora da imagem: – Não é o senhor que dá a palavra. Se coloca no seu lugar, o senhor não dá a palavra a ninguém.
Paulo Borges, advogado, toma a palavra:
– Nós tamos aqui. Tá de cabeça para baixo. Nós estamos num espaço da Venezuela. Né? Sendo coordenados pelo Itamaraty.
M.C. – Tranquilo. Interlocução acabou. Desculpe, eu tava tentando conversar de maneira pra acalmar, ficaram “ah não, você não pode, aí acabou…”
P.B. – Não. Não. Por favor deixa eu falar. Você falou, re-falou e tal. Em boa parte estamos alinhados e referendo o que o Fernando já disse. Mas até pra fortalecer o que ele propõe do espaço neutro é que nem o senhor tem legitimidade, nem o pessoal lá fora tem legitimidade. Porque se, na hipótese de se reconhecer e dizer que o governo brasileiro reconhece o Guaidó, e eles estão legitimados pra entrar, primeiro que não entrariam 3, 4 da manhã, e segundo, quem foi que o governo brasileiro reconheceu? Essas pessoas que estão lá fora? Como que a gente parte de um pressuposto de que tem dois lados, se aqui tem um lado que é reconhecido, todos sabem que representa a Venezuela, e um outro lado que por invadir o espaço aqui foi considerado um lado legítimo pra negociar! Nós estamos invertendo. É como se entrassem na nossa casa de madrugada, a polícia chega e nós vamos negociar o dono da casa e o interesse do bandido que entrou. Então nós estamos invertendo a lógica. Então pra poder chegar num acordo acho que a gente poderia atentar pra proposta que o Fernando faz. Vamos desmobilizar, distensiona aqui nesse espaço, embora quem pudesse estar coordenando as propostas deveria ser o representando legítimo, o Freddie, mas a gente vai pra um campo neutro…
(Fim do arquivo)
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