Os vazamentos tornados públicos pelo The Intercept das conversas entre o ex-juiz Sérgio Moro com o Procurador Deltan Dallagnol e destes com o conjunto da Força Tarefa da Lava Jato apontam para a dimensão do racismo estrutural brasileiro e como a branquitude tem salvo conduto para cometer um sem-número de crimes em central prejuízo a população negra do País.
Como se pode notar nos diálogos nada republicanos que foram divulgados pelo The Intercept, por detrás da implacável perseguição ao ex presidente Lula a fim de retirá-lo de concorrer às eleições presidenciais do ano passado, houve uma incessante e tresloucada busca da Força Tarefa da Lava Jato para tentar construir uma narrativa de provas que o criminalizasse. Conjuntamente, juiz e acusador arquitetaram planos, decidiram conjuntamente as informações a serem vazadas, ajustaram a ordem das operações a serem realizadas pela operação etc. Além disso, existem indicativos outros de que muita coisa está por vir, pois, segundo um dos editores do The Intercept, somente 1% do conteúdo vazado foi tornado público.
No entanto, como diria Marc Bloch, “mesmo o mais claro e complacente dos documentos não fala senão quando se sabe interrogá-lo”. E ao historiador (assim como ao jornalista) é dada a responsabilidade de se ler nas entrelinhas das narrativas.
Daí fica uma pergunta inquietante: qual o objetivo central da representação simbólica de criminalizar Lula, o PT e as esquerdas?
Pois, dados históricos através da análise documental desses governos demonstram que, em que pese a limitação e equívocos, foram esses setores, através das suas crenças e gestões da “rés pública”, que minimamente garantiram acesso a direitos que constam na Constituição do Estado Brasileiro, mas que sempre foram negadas à população negra, indígena, pobre e periférica, às mulheres e comunidade LGBTQI+, além da classe trabalhadora em geral.
Esse é o pano de fundo dos ataques e o inegável fato oculto àqueles que não dialogam com a realidade brasileira ou conviveram com os choques provocados por tais ações.
São esses os elementos que norteiam o ódio a Lula, atualmente a maior representação histórica das esquerdas, e aos partidos que compuseram essa transformação no país.
Daí, desse locus, do ódio ao pobre, à ralé e ao povo preto provém os demais elementos necessários para contê-lo a qualquer sorte e forma, custe o que custar. O que o filósofo negro Achille Mbembe descreve no conceito de necropolítica: “Que a expressão máxima da soberania reside, em grande medida, no poder e na capacidade de ditar quem pode viver e quem deve morrer”.
Senão o que justifica o Pacote Anti-Crime do até agora ministro da Justiça Sérgio Moro e a liberação para se matar negro mais do que já se mata no Brasil?
O que justifica uma Reforma da Previdência onde as pessoas trabalham mais, contribuem mais e se aposentam com direito a menos?
O que justifica a destruição sistemática das universidades públicas e do acesso gratuito a espaços de reflexão, pesquisa e livre-pensar que a população negra, pobre e periférica passou a participar somente depois de mais de 500 anos de Brasil contribuindo assim com a reparação da história brasileira como vinha sendo contada até então?
Como se justifica o desmonte da Justiça do Trabalho?
A precarização do trabalhador em pleno século XXI?
O enfraquecimento das instituições sindicais que reivindicam o direito do trabalhador?
No fundo, é sabido que há uma instituição branca, heteronormativa, racista e poderosa que controla esse País e eles fazem o que querem.
Essa instituição garante aos seus fidalgos e cupinchas livre poder para fazerem o que querem e, acima de qualquer lei ou marco civilizatório. Por isso é importante termos em mente que a Justiça brasileira não existe ou se e quando existe árbitra sistematicamente a favos desses poderosos.
As provas estão postas à mesa.
Negão, imagine aí você dentro desse sistema de justiça brasileiro? Pense na força do racismo estrutural que sustenta o País, o racismo institucional, aquele que se dá com o poder de
uma canetada longe dos olhos acusadores e pronto, você está na prisão. É um criminoso e sua vida está acabada! Ou está morto pelas mãos do Estado e ninguém investiga nada – e cada vez mais testemunhamos a esse horror transmitidos ao vivo em diversos canais de televisão. Sua (nossa) vida vale menos do que a de uma barata. Os pesticidas no Brasil são mais importantes e geram mais debates do que a sua, a nossa existência.
Estamos condenados a nossa própria sorte, manipulados pela mídia branca vigente, explorados na nossa fé e crenças, temerosos com nosso futuro, esperando o tempo e tentando manter o que resta da nossa dignidade.
Não vejo salvação.
Mas se ainda assim, com todos esses fatos expostos a nossa cara, essa conspiração e esse hediondo plano de extermínio contra o nosso povo, nada acontecer e tivermos que botar fogo nesse País, vamos ter que botar fogo nesse País!
André Luzolo é Candomblecista, mestre em Artes Visuais no PPGAV/UFBA, coordenador de comunicação do CEN e Portal 4P.
Marcos Rezende é professor de História, membro do Coletivo de Entidades Negras da Bahia, religioso do Candomblé e atualmente bolsista do Centro Cultural África Caribe – Harlem-NY
2 respostas
Kkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkk
Contém com minha compreensão para difundir essa consciência.