Por: Vinicius Souza Em meio à tragédia anunciada que é o genocídio de mais de 226 mil brasileiros, oficialmente, até agora pela pandemia de Covid-19, temos assistido desde a semana passada à volta das revelações dos inacreditáveis diálogos da Força-Tarefa da Lava Jato a mostrar com todas suas ilegalidades e imoralidades o caminho que nos trouxe até aqui.
Bons amigos e colegas têm criticado, uns desde antes e outros agora, a estratégia utilizada pelo Intercept Brasil, primeiro recebedor dos diálogos no aplicativo Telegram, para a escolha e a divulgação do conteúdo que deveria ter escandalizado qualquer pessoa com o mínimo de fibra moral e derrubado o governo ainda no seu primeiro ano. Afinal, o material revelado tinha de fato esse potencial, como ficou provado nas audiências em que foi tratado no Congresso e na forma indecente como seu principal jornalista foi atacado no Roda Viva (nunca irei me recuperar da vergonha alheia) e ameaçado de prisão e expulsão do Brasil.
Não tenho procuração para defender colega jornalista e pessoalmente sempre desconfiei do tamanho do ego e dos interesses comerciais-financeiros de Gleen Greenwald. Desconfiança que somente aumentou com sua saída do Intercept e sua tentativa de emplacar notícias de fontes mais que suspeitas que poderiam, teoricamente, ajudar a campanha de Donald Trump na reta final das eleições nos Estados Unidos. Mas essa é outra história e não se pode negar o êxito profissional de um vencedor do Pulitzer e do Oscar que foi também, é importante ressaltar, o primeiro a receber o material de que trata esse texto exatamente por causa do seu prestígio profissional.
Há que se entender, em primeiro lugar, que o material divulgado pela Vaza-Jato e o agora revelado com a abertura do sigilo da Operação Spoofing não é “exatamente” o mesmo. Os terabytes de arquivos compartilhados pelo hacker, na posição de fonte jornalística legítima e que foi preservada assim como deveria e dentro da lei, com o Intercept não estavam organizados de forma alguma e não tinham comprovação de sua origem. O trabalho jornalístico inicial fundamental, portanto, era se certificar de sua autenticidade, algo que foi feito dentro dos melhores métodos jornalísticos: checagem com as fontes originais de diálogos selecionados, especialmente jornalistas que usaram o Telegrama para trocar informações com Moro, Dellagnol e cia. Além de uma checagem óbvia de corrupção ou edição dos arquivos em si e da checagem de datas e de fatos comprováveis fora dos diálogos.
Já o material da Spoofing foi recolhido diretamente dos computadores e celulares do hacker em operação conduzida pelo então Ministro da Justiça, supostamente com auxílio inclusive de especialistas estadunidenses, periciado pela Polícia Federal e formalmente incluído em processos judiciais que se encontram hoje no Supremo Tribunal Federal. Não há mais, portanto, como de fato nunca houve, qualquer possibilidade, como ainda tenta fazer o ex-juiz Sérgio Moro, de dizer que se trata de “supostas conversas” obtidas de forma ilegal. O material é autêntico, facto e juridicamente.
Mas e o que o Intercept não revelou? Até o momento, das 50 páginas de indecências que tiveram seu sigilo levantado a duras penas pelo ministro Ricardo Lewandowski, me parece que há pouca coisa realmente nova. A orientação de Moro aos procuradores nos processos, a manipulação e construção de “provas” e delações, o objetivo político de prisão do ex-presidente Lula, o cuidado para “não melindrar” apoiadores, a manipulação e conluio com a mídia hegemônica, a ilegal parceria com investigadores e autoridades estrangeiras à revelia do governo brasileiro e muitos outros crimes estavam mais do que claros nas centenas de reportagens derivadas da Vaza-Jato. Essas reportagens foram feitas tanto pelo Intercept, como também por parceiros de alto nível jornalístico, como a Agência Pública, vencedora de diversos prêmios internacionais como o prestigiado Gabriel García Márquez de Periodismo Latinoamericano.
Tirando o diálogo em que Moro e Dellagnol combinam reunião com estadunidenses e suíços para dividir dinheiro a ser recolhido pela Operação Lava-Jato, do qual parte provavelmente foram os R$ 2.5 bilhões que sigilosamente a juíza Gabriela Hardt, que substituiu Sérgio Moro na 13ª Vara, destinou a uma fundação particular “contra a corrupção” que seria gerida pelos procuradores, qual a grande revelação? Temos o incrível diálogo no dia da prisão do ex-presidente atestando “tesão”, “orgasmos múltiplos” e desejos sexuais de fotos da humilhação. Mas alguém duvidava disso a essa altura do campeonato ou foi mesmo necessário ler a afirmação de uma procuradora de que “Lula não pode voltar porque pobre não pode ter direito”?
Temos também o almoço de Dellagnol com um dos filhos do Roberto Marinho para combinar como a Rede Globo realizaria sua parte no complô. Novamente, isso sempre foi conhecido “até pelo mundo mineral”, como dizia Paulo Henrique Amorim. Só não estou certo de ter lido nas reportagens (como disse, centenas) da Vaza Jato sobre a liberação “se for só 38 mil, acho que não tem problema” de dinheiro público da Operação Lava-Jato para realização de peça publicitária na Globo de apoio ao projeto político das tais “10 Medidas Contra a Corrupção”.
Não há dúvidas que os fatos novamente apresentados e uma ou outra nova revelação são, mais uma vez, o atestado da falência das instituições brasileiras, incluindo a justiça e a imprensa hegemônica, e um histórico claro de como foi arquitetado e executado um golpe de estado, sem um único tiro, que destruiu uma parte importante da economia nacional, jogando milhões de pessoas na miséria, e abriu caminho para um governo fascista e genocida que empurra deliberadamente as pessoas para a morte por fome e peste enquanto arma parte da população na preparação de uma guerra civil anunciada há mais de 20 anos.
A grande novidade, a meu ver, é exatamente a diferença entre o material da Vaza-Jato e o da Spoofing. A sociedade, por meio do trabalho jornalístico, não foi capaz, inclusive pelo boicote que ainda ocorre nas TVs abertas, de se organizar para resistir e tomar de volta o controle da República. O sistema político-partidário institucional é em sua maior parte sócio e beneficiário do golpe, como de resto ficou mais que provado, novamente, com a eleição essa semana do comando da Câmara e do Senado. Não se pode esperar nada de uma casa legislativa de um presidente do Senado que recebe um celular do corrupto Flávio Bolsonaro para ouvir o cumprimento do “presidente da república” e nem de um presidente da Câmara espancador de mulheres que faz uma festa sem máscaras para 300 pessoas em meio a uma pandemia com gente “opositora do governo” como Joice Hasselmann e a acusada de assassinato Flordelis.
Resta saber se o Supremo Tribunal Federal do ministro “InFuxWeTrust” terá o mínimo de vergonha na cara, coragem também é algo que não se pode esperar do colegiado, de pelo menos fingir que foi enganado e ensaiar uma volta ao Estado Democrático de Direito. As provas, como disse anteriormente, não são mais jornalísticas, são jurídicas! É preciso anular imediatamente as condenações ilegais de Lula, independentemente das consequências políticas disso, e abrir processos, ora vejam só, pela Lei de Segurança Nacional que o PT não teve coragem de derrubar, contra a organização criminosa que em conluio com potências estrangeiras, por meio de uma farsa jurídico-midiática chamada Lava-Jato, causou o desastre econômico, social, político e mesmo sanitário em que morremos agora.
Se essas medidas não forem tomadas, e logo, pode esquecer. O último que sair que apague a luz porque a briga de foice vai ser feia.