VALTER POMAR: A CATÁSTROFE QUE NOS AMEAÇA

Sabe aqueles filmes em que o personagem vai ao banheiro, a privada entope, o apartamento pega fogo, um terremoto bloqueia a escada de incêndio, o cara sobe para o terraço, vem um helicóptero bonitão fazer o resgate, mas na hora H a aeronave explode, o cara olha para cima e sua última visão é a de um meteoro imenso se aproximando?
Pois então: depois do Ibope e do DataFolha, é mais ou menos assim que muita gente tem antevisto o que pode ocorrer dias 7 e/ou 27 de outubro.
Ou seja: com mais ou menos sofrimento, uma catástrofe.
Não apenas o golpe, mas também a ditadura militar seria “legitimada” pelas urnas.
Não apenas o neoliberalismo venceria, mas um ultraneoliberalismo de modos fascistas.
O que fazer para evitar tal catástrofe?
A primeira coisa a fazer é reconhecer que o pior pode mesmo acontecer.
Claro que as pesquisas devem ser muito relativizadas.
Mas quem estava de “salto alto”, quem imaginava que cresceríamos sempre, quem achava que o outro lado tinha um teto intransponível,  quem achava que nossa mobilização se refletiria nas pesquisas apenas a nosso favor, quem achava que o espancamento do PT (inclusive pelos demais candidatos golpistas e até por Ciro) já não causaria mais dano, quem pensava tudo ou algo assim, realmente entrou no modo “medo aterrorizante”.
Mas há males que vem para bem.
Se tinha que ocorrer, melhor agora que dia 7/10.
E serve para demonstrar que, ao contrário do que diziam certos “especialistas”, cheios de “certeza” de que Isto “nunca” ocorreria, a extrema direita pode sim vencer as eleições presidenciais.
E, embora seja pouco provável, os fascistas estão se esforçando para ganhar no primeiro turno.
A segunda coisa a fazer é entender os motivos pelos quais a extrema direita ampliou sua força nos setores populares.
Não é única nem principalmente o “conservadorismo moral”, nem o “analfabetismo político”, nem a influência de pastores caça-níqueis.
A vida do povo é dura. Grande parte de sua educação e informação política cotidiana é fornecida pelos meios, redes, templos e escolas conservadoras.
Raras vezes na história, uma maioria relativa do povo aderiu ao populismo de esquerda, ao nacional-desenvolvimentismo progressista, à esquerda socialista.
No período neoliberal, foram o PT e Lula que conseguiram hegemonizar pela esquerda setores sociais que de outra forma seguiriam controladas pela direita.
E parte do eleitorado do PT e Lula provém dos mesmos setores “moralmente” conservadores, tratados como “politicamente analfabetos” e influenciado por igrejas conservadoras.
O que não os impediu antes, nem impede agora, de votar nas candidaturas da esquerda, numa prova de que — tomados isoladamente e fora de contexto — aquelas variáveis não explicam nada.
Para criar o ambiente necessário para dar o golpe, prender Lula e criminalizar o PT, os golpistas abriram a porta dos infernos, estimulando a extrema direita a ocupar as ruas.
E, ao tirar Lula da disputa, os golpistas ajudaram a extrema direita a penetrar mais profundamente em parte dos setores populares.
Claro que, do mesmo jeito que em 1964, a direita “normal” achou que a “extrema” faria o jogo sujo e voltaria para casa.
Acontece que no meio tinha uma eleição. E o povo não se identifica com a direita “normal”.
Está de saco cheio com “tudo isto que está aí”. Quer mudança. E quer no governo alguém com cara de povo, simples, fala reta, que “fala o que pensa”, mesmo que seja “politicamente incorreto”.
Se Lula estivesse solto, a maioria do povo votaria nele. Mas como não está, uma parte ainda não decidiu o que fazer; outra parte vai votar no Haddad, porque Lula pediu; e outra parte saiu à busca e acha que encontrou outro candidato “gente como a gente”.
Desmascarar este outro candidato, falando dos defeitos que o tornam parecido com parte de seus (e dos nossos) eleitores, pode ser tão contraproducente quanto certos ataques que a tucanada sempre fez contra Lula.
Não podemos de modo algum abandonar a pauta democrática. Mas esta pauta não pode estar no centro da tática eleitoral, nem pode ocupar em nosso discurso e aparição pública (mídia, redes, ruas) um peso desproporcional aos setores sociais que precisamos atingir para vencer.
Pois ao centrar na pauta democrática, ao falar mais para os setores médios do que para os setores populares, mais para os organizados e convertidos do que para as “pessoas comuns”, acabamos dando uma involuntária mas inestimável contribuição para o êxito da propaganda da extrema direita.
A terceira coisa a fazer, portanto, é voltar ao básico.
E já que Trump está na moda, vale lembrar a célebre tirada de um marqueteiro gringo: “é a economia, estupido”.
Quem considera que a extrema direita é ditatorial, fascista, racista, misógina, fundamentalista e homofóbica, tende a votar (útil ou não) na esquerda, no primeiro ou no segundo turno.
Mas se queremos conquistar o voto dos setores populares, é preciso colocar no centro não a “democracia” em abstrato, mas a democracia real e concreta: emprego, salário, aposentadoria, preço da cesta básica, saúde, educação, moradia etc.
E atenção: o povo são muitos.
Entre os mais pobres e os organizados, a esquerda mantém sua principal fortaleza.
Nossa maior debilidade parece estar entre as trabalhadoras e trabalhadores que ganham entre 2 e 5 mil reais.
Pessoas muitas vezes influenciadas pelo discurso da teologia da prosperidade, que podem ser levadas a confundir políticas sociais com “ajuda indevida a vagabundos”, pessoas que são estimuladas a temer os miseráveis e invejar os bem sucedidos.
Estas pessoas precisam saber que são, desde já, a vítima preferencial de um eventual governo da extrema direita. Aliás, a reforma trabalhista e a terceirização estão aí para demonstrar isto.
E não basta falar, é preciso ter credibilidade ao falar.
Por isso é errado é inútil ficar caraminholando com soluções tipo “governo de coalizão” ou “frente democrática”.
É errado porque ajuda a extrema direita a se posicionar: “ele” contra o “sistema politico” (Trump contra Washington).
É inútil porque não ganha credibilidade junto ao povão com nada disso, muito menos com JK.
A força e a credibilidade de nossa fala está baseada num argumento simples e insubstituível: Lula.
A quarta e principal coisa a fazer é sair da zona de conforto.
Usar cada minuto livre para conversar com os setores populares, com os eleitores indecisos, com gente que no momento apoia Bolsonaro mas que simpatiza com Lula.
Conversar pessoalmente, mas também nas redes sociais, inclusive se possível voltando a participar daqueles grupos de que tanta gente de esquerda saiu por não “suportar” o que estava vendo e ouvindo.
O foco principal deste nosso esforço são os trabalhadores.
Aliás, voltando ao roteiro com que abrimos este texto: quando o meteoro se aproxima, tudo parece estar perdido. E aí acontece algo sobrenatural e salva nosso personagem da morte certa.
Mas como não estamos num filme, não haverá nenhum socorro sobrenatural.
O que pode nos salvar da catástrofe é o de sempre: linha política acertada e mobilização militante da vanguarda da classe trabalhadora. Sem medo, com firmeza e, claro, contando com um pouquinho de sorte.

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