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Uma conversa sincera sobre alianças

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por Rodrigo Perez Oliveira, professor de Teoria da História na UFBA


O jogo da política é esporte coletivo. Ninguém faz política sozinho, nem mesmo nas tiranias, nem mesmo nos regimes de poder mais autoritários. As alianças sempre são importantes, estão sempre sendo costuradas, em todos os lugares onde podemos encontrar seres humanos praticando política.

E os seres humanos, leitor e leitora, praticam política em tudo quanto é lugar, estão sempre costurando alianças. É isso que nos humaniza.

Costuramos alianças no trabalho, quando nos aproximamos de determinados colegas e nos afastamos de outros. Costuramos alianças até mesmo em casa, na família, quando construímos relações de afinidade e afeto mais intensas com um irmão e não com o outro, com um primo e não com o outro, com a mãe, ao invés do pai.

Os políticos profissionais, como não poderia deixar de ser, têm na costura de alianças o fundamento do seu ofício.

Neste ensaio, falo sobre alianças, tomando como objeto de reflexão as tratativas que envolveram PT e PDT visando uma aliança progressista nas eleições presidenciais de 2018.

Ao que parece, essa aliança não vai acontecer, pelo menos não no primeiro turno. Acho difícil que aconteça depois também.

Meu objetivo aqui é examinar a movimentação dos atores envolvidos fora do clima de histeria que tomou a militância de ambos. Quero reconstruir as estratégias acionadas pelas lideranças petistas e pedetistas, examinando as suas expectativas.

Vamos lá, passo a passo, começando por Ciro Gomes.

A estratégia de Ciro foi coerente com sua leitura da crise. A leitura, talvez, tenha sido equivocada, mas a estratégia foi coerente. Explico.

Em outubro de 2016, na ocasião das últimas eleições realizadas no Brasil, todos os dados disponíveis apontavam para o colapso do Partidos dos Trabalhadores: redução drástica no número de prefeituras ocupadas, de mandatos parlamentares, sem contar a derrota acachapante em São Paulo, onde Fernando Haddad, em exercício do mandato e com o controle da máquina, foi batido ainda no primeiro turno por João Dória.

Por aqueles tempos, não seria um absurdo decretar a morte do PT. Foi essa a aposta de Ciro Gomes, que viu aí a chance de inaugurar um outro equilíbrio de forças dentro do campo progressista.

Durante quase dois anos, Ciro investiu nessa estratégia, criticando duramente os governos petistas. Ora o alvo de críticas era Lula, acusado de não ter feito nenhuma mudança estrutural, “a não ser a tomada de três pinos”, pra lembrar a ironia feita numa entrevista a Lázaro Ramos. Em outros momentos, era Dilma quem estava na alça de mira, acusada de “não ser do ramo”.

Em entrevista a Paulo Moreira Leite, Ciro chegou a chamar Lula de ladrão, endossando parte das acusações feitas pela operação Lava Jato.

Tudo isso pode ser somado à ausência de Ciro Gomes nos palanques petistas, tanto em Monteiro, na ocasião da inauguração da transposição do Rio São Francisco (março de 2017), como nas manifestações que aconteceram em São Bernardo do Campo, na ocasião da prisão de Lula (abril de 2018).

A mensagem estava clara: Ciro estava disputando a hegemonia dentro do campo progressista. Lendo a conjuntura, Ciro achou que poderia vencer, e apostou alto.

O caminho para a vitória passava pela costura de alianças, e Ciro Gomes sabia perfeitamente disso. Ciro investiu, então, na aproximação com o tal do “centrão”, antigo aliado do PT, especialmente durante a era Lula.

Foram meses de conversas, de promessas recíprocas. Mas a conjuntura mudou (em momentos de crise, as conjunturas mudam muito rápido) e Ciro Gomes sofreu um duplo revés:

1°) A recuperação do lulismo

A agenda do golpe neoliberal se tornou extremamente impopular. O governo de Temer não conseguiu se apropriar da narrativa de combate à corrupção. Além disso, o desmonte do Estado, o ataque à CLT e a tentativa de destruir a previdência pública, colocaram Temer em confronto direto com o imaginário popular, que desde os anos 1930 é atravessado pela ideia de que cabe ao Estado prover direitos sociais e amparar os mais pobres.

Direitos trabalhistas e previdenciários são coisas sagradas para os brasileiros e brasileiras. O golpe neoliberal foi inábil, afobado e pode até ter colecionado vitórias institucionais (a PEC dos gastos e a reforma trabalhista, por exemplo), mas se desgastou na opinião pública.

Com esse desgaste, o capital político de Lula foi reabilitado. Lula se tornou o grande antagonista do golpe neoliberal, ainda que quando presidente tenha sido dócil com os interesses neoliberais.

Lula passou a ser representado no imaginário popular como o novo “pai dos pobres”, personificando a função social do Estado.

No imaginário dos mais pobres, a imagem de Lula lembra o prato mais cheio, lembra o crédito facilitado, a energia elétrica, a cisterna. A imagem de Lula lembra a “vidinha digna”, que nos valores populares significa comer três vezes por dia e ter algum conforto material para “criar os meninos”.

Só isso que explica aquele que, ao menos na minha avaliação, é o dado mais impressionante da crise brasileira contemporânea: mesmo preso, mesmo sendo alvo do mais violento ataque midiático da história do Brasil, Lula ainda venceria as eleições presidenciais, talvez em primeiro turno.

Ciro Gomes subestimou a capacidade do lulismo de sobreviver à crise. Ninguém faz política no campo progressista sem reivindicar o legado de Lula. Ciro achou que dava pra superar Lula. Errou.

2°) O conservadorismo do “centrão”

O centrão é conservador, se alimenta da fisiologia e, por isso, diferente do que fez Ciro Gomes, escolheu apostar baixo. Lendo a conjuntura, o centrão acredita que a polarização ideológica que marcou a história política brasileira nos últimos 25 anos irá se manter nas eleições de outubro: PT x PSDB.

É com esse cálculo, de que a crise não alterou profundamente a sensibilidade do eleitor brasileiro, que o centrão se divide entre um apoio formal a Geraldo Alckmin e um apoio informal a Lula.

Os partidos do centrão escolheram Alckmin, mas lideranças importantes flertam com Lula, como é o caso de um Edson Lobão, de um Renan Calheiros, de um Eunício Oliveira.

Ciro queria o apoio do centrão para isolar o PT e, depois, ditar os termos da aliança. Ciro ficou a ver navios. O centrão lhe disse: “Não vamos trocar o certo pelo duvidoso”.

Depois do “não” do centrão, Ciro reorientou sua estratégia, adotando um tom mais simpático a Lula e ao PT, como ficou claro na sabatina da Globo News, que aconteceu na semana passada. Quando teve que criticar, Ciro criticou Dilma. É redundante criticar Dilma. É fácil criticar Dilma. Com Lula, Ciro foi gentil, elogioso, bem diferente do que fez ao longo de todo esse tempo.

Por seu lado, o PT, nas cordas e com o seu grande líder preso e inelegível, pensou seriamente na possibilidade de coligar com Ciro Gomes. Hoje, Ciro é mais forte do que qualquer quadro interno do PT. Todas as pesquisas mostram isso.

O PT abocanhou o PCdoB e o PSB, para isolar Ciro Gomes e forçá-lo a uma aliança tutelada.

Entendem, leitor e leitora? As duas partes queriam a mesma coisa: isolar o adversário e depois construir uma aliança tutelada.

Quem perdeu e quem venceu?

Por ora, só dá pra responder parcialmente.

Dá pra cravar que Ciro Gomes já perdeu. O PT ainda não perdeu. Pode perder, mas também pode ganhar.

Ciro apostou alto, foi ousado e corajoso ao confrontar o capital político mais valioso da história do Brasil. Se tivesse dado certo, seria uma vitória épica que refundaria o campo progressista brasileiro. Não deu certo e, se nada mudar, se as lideranças dos dois partidos mantiverem suas posições atuais, Ciro Gomes será o primeiro derrotado nas eleições de 2018.

Já o PT vai apostar na estratégia da transferência de votos que já deu certo com Dilma. A diferença é que agora Lula não estará solto por aí, fazendo campanha.

Mas Lula ainda precisa fazer campanha? Ele já não é conhecido, amado e respeitado o suficiente para transferir votos para qualquer poste sem precisar pisar no palanque?

O PT acha que sim. Só o tempo dirá.

Verdade, verdade mesmo é que ninguém é mocinho nessa história, tampouco vilão. Tanto Ciro como PT são players se movimentando no tabuleiro da política. Na política, aliado bom não é aquele com quem tenho afinidade ideológica. Esse pode até ser meu amigo, mas pra ser meu aliado precisa trazer algo. Pra que serve um aliado que só traz ideias, que não tem voto, que não tem mandatos no Congresso? Esse aliado não serve pra nada.

Aliado bom mesmo é aquele que é forte o suficiente para agregar capital político, mas não é forte o bastante para ditar os termos da aliança. É esse o aliado com quem todos eles sonham: a esquerda, a direita e o centrão.

 

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4 Comments

4 Comments

  1. Fernando Argentin

    07/08/18 at 8:11

    Texto e análise irretocáveis!

  2. Daniel Coelho

    07/08/18 at 13:51

    Ok, cada um tinha seus interesses. O que eu discordo foi a forma como aconteceu, tirar o PSB do Ciro para distribuir o tempo entre todos os partidos, inclusive para o Alckmin e Bolsonaro deixou ambas as militâncias furiosas. Ciro tem capitalizado o discurso de traição e tem colado em boa parte do eleitorado. Ainda temos os debates e como a velha estrutura vai funcionar em tempos de redes sociais. Enfim acho que é cedo para dizer que Ciro é carta fora do baralho.

  3. Arildo Hostalácio

    08/08/18 at 6:56

    Aprendi, nesta semana, um antigo pensamento originário de Singapura, “uma montanha só pode abrigar apenas um tigre”.
    Durante todo esse processo eleitoral, Ciro Gomes tem apostado na morte política de Lula e no esfacelamento do PT.
    Por acreditar nisso, empenhou esforços em ocupar espaços políticos, destinando a Lula e ao PT toda sorte de críticas e agressões. Em sua peregrinação, inicialmente tentou abraçar o campo progressista, depois se atirou em direção aos banqueiros, aos latifundiários e por fim ao que há hoje de mais reacionário, o centrão. Não foi feliz em nenhuma de suas investidas e agora, em sua caminhada, faz uma nova guinada e por vias extremas, retoma o discurso crítico inicial.
    Mas, por mais que se empenhe, sempre há, sobre si, a imensa sombra de Lula, isso porque para além do que se diga e se faça o tigre ainda vive nessa montanha.

  4. Silvia Corradi de Azevedo Cruz

    10/08/18 at 10:33

    O texto fala de um ponto de vista. Quem o escreveu esqueceu de mencionar que o Ciro tem apoiado o PT faz anos, inclusive ficou ao lado de Dilma durante todo o processo de impeachment. E se Ciro foi buscar apoio com o centrão (que é execrável), não podemos nos esquecer que o PT além de colocar o Michel Temer na linha sucessória, fez acordos nada transparentes com o PP e o PMDB. Se a pauta é análise crítica, temos necessariamente que falar disso também.

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LUTA ANTIRRACISTA PRECISA ACERTAR A ‘CABECINHA’ DE WILSON WITZEL

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Há anos a tática sobre segurança pública no Rio se concentra em operações espetaculares que resultam, de tempos em tempos, em um derramamento de sangue, com direito a traficantes, moradores de comunidades e policiais mortos.

O roteiro todos já conhecem. Unem-se policiais de diversos batalhões, eles invadem determinada localidade com poder de fogo muito superior, e terminam matando principalmente a ponta da cadeia do tráfico, a base da estrutura das facções, enquanto seus líderes comandam tudo de longe ou de dentro dos presídios, e no dia seguinte um novo comando paralelo se instala no mesmo lugar.

É uma máquina de moer gente. Mata-se loucamente, e no dia seguinte é como se nada tivesse mudado.

A situação é esta porque em certos locais do Rio a única chance de um jovem criado em situação de miséria comprar um tênis da moda é segurando uma arma que ele não sabe atirar direito. A parcela da população favelada que sobra do espaço da cidadania, por motivos que vão desde abandono familiar, déficit educacional ou imposição de terceiros, é seduzida por uma rede comércio ilegal que promete dignidade no contexto da extrema exclusão e sacrifica a vida destas pessoas como copos descartáveis.

São quase sempre jovens negros, no tráfico, na polícia ou nas casas vizinhas ao confronto entre eles. E suas mortes não comovem nem de perto tanto quanto o cãozinho morto na porta do Carrefour.

É assim desde que a abolição foi seguida pela recusa em absorver os negros no mercado formal de trabalho e a imigração de estrangeiros brancos para substituí-los. A pobreza se perpetuou a partir da negligência em gerar oportunidades e condições de vida saudável, e nela a criminalidade floresceu desde sempre.

Se soubesse da história do Rio, Wilson Witzel, o novo governador eleito no estado, que repete a palavra matar o tempo todo para agradar os ouvidos de uma classe média tanto preocupada com roubos quanto é racista, adepta de praias segregadas, odienta do funk, do samba e de pagode, faria algo para interromper a espiral macabra que corrói sua sociedade por dentro.

Alteraria o atraso social com políticas públicas inteligentes de ensino integral, cooperativas de trabalho, reforma do sistema penitenciário, investimento em tecnologia da informação e preparo de suas polícias. Enfrentaria o racismo com mais educação e cultura, e não faria coro com privilegiados que gostam de se remeter aos negros com termos tipicamente usados para animais, como “abate”.

Em 2010, o Rio viu Sérgio Cabral vencer Fernando Gabeira aproveitando-se, em parte, da crença de que o adversário era veado e maconheiro. Dali seguiu-se uma bandalheira que resultou, nos últimos anos, no colapso total das contas públicas. Já não há mais espaço de tempo para novos demagogos. E nem a população suporta mais mentiras no lugar de competência. Algo melhor que matar precisa vir à cabeça do novo governador. E eu sugiro que superar o seu racismo entranhado seja o melhor começo.

Por: Rodrigo Veloso – Colaborador dos Jornalistas Livres morador do Rio do Janeiro formado em Relações Internações

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OS BACHARÉIS DA RESISTÊNCIA

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Artigo de Rodrigo Perez Oliveira, professor de Teoria da História da Universidade Federal da Bahia, com ilustração de Duke

 

O ano de 2005 é chave para a compreensão da crise brasileira contemporânea. Foi aí, no chamado “mensalão”, que se desenhou pela primeira vez aquela que, na minha percepção, é a característica mais importante da crise: o ativismo político dos profissionais da lei.

Desde 2005 que juízes, desembargadores, ministros dos tribunais superiores e procuradores são personagens recorrentes na crônica política. Depois de 2014, a Operação Lava Jato se tornou palco para a fama desses profissionais. Mais do que nunca, o Brasil é a República dos Bacharéis.

Os marqueteiros da Operação Lava Jato afirmam que pela primeira vez na história do Brasil os empresários milionários sentiram na pele o peso da lei. É uma meia verdade. Se é meia verdade, por consequência lógica, é meia mentira também.

Os empresários presos atuavam no ramo da construção civil e de obras de infraestrutura. Os agentes econômicos envolvidos com atividades financeiras e especulativas não foram incomodados. Somente os mais ingênuos são capazes de acreditar que Marcelo Odebrecht ou Léo Pinheiro são mais corruptos que os executivos do Itaú ou do Santander, que também financiavam campanhas eleitorais, que também estabeleciam relações nada republicanas com a classe política.

Por que uns foram presos, enquanto os outros estão aí, lucrando bilhões todos os anos?

A seletividade da Operação Lava Jato é óbvia e salta aos olhos de qualquer um que queira enxergar a realidade. A narrativa do combate à corrupção está sendo utilizada como pretexto para o desmanche do Estado e dos investimentos públicos em infraestrutura, o que favorece os interesses ligados ao capital financeiro nacional e internacional. A comunidade jurídica brasileira colaborou com esse projeto, ajudou a desmontar parques industriais, levando empresas nacionais à falência, sempre com o pretexto do “combate à corrupção”.

Como bem disse Eugênio Aragão, ex-ministro da Justiça, a Justiça brasileira “prometeu acabar com os cupins, mas acabou ateando fogo à casa”.

Porém, seria um erro dizer que a comunidade jurídica é um bloco homogêneo, que todos os seus integrantes se movem na mesma direção. Alguns momentos na cronologia da crise mostram que o cenário não é tão simples, que há bacharéis dispostos a confrontar a hegemonia daqueles que entregaram seus serviços aos interesses do capital financeiro internacional.

Destaco aqui três nomes: Rodrigo Janot, Rogério Favreto e Marco Aurélio de Mello.

Em algum momento da crise, os três contrariaram interesses hegemônicos. Meu objetivo aqui é relembrar esses episódios e sugerir que a resistência democrática não pode abrir mão da institucionalidade. Ir às ruas e disputar o imaginário das pessoas não significa deixar de operar por dentro das instituições burguesas, explorando suas contradições. Uma coisa não exclui a outra. Uma coisa complementa a outra.

 

Rodrigo Janot

Rodrigo Janot foi empossado pela presidenta Dilma Rousseff como procurador geral da República em 2013, sendo reconduzido ao cargo, também por Dilma, em 2015. Janot foi personagem protagonista em alguns dos momentos mais agudos da crise brasileira, no período que compreendeu a derrubada de Dilma Rousseff e a ascensão de Michel Temer.

Sinceramente, não sou capaz de definir a identidade ideológica de Rodrigo Janot, de dizer se ele é de esquerda ou de direita. Talvez ele não pense a realidade nesses termos. Antes de se tornar procurador geral da República, Janot tinha atuação engajada na defesa dos direitos da população carcerária. No segundo turno das eleições presidenciais de 2018, Janot se manifestou a favor da candidatura de Fernando Haddad.

26 de agosto de 2015. Sabatina de recondução de Janot à chefia da Procuradoria Geral da República. Senado Federal. A crise institucional se aprofundava e começava a se desenhar no horizonte o golpe parlamentar que meses depois derrubaria Dilma Rousseff.

A oposição, liderada por senadores do PSDB e do DEM, colocou Janot contra a parede. Ana Amélia, Aécio Neves, Aloísio Nunes, Antonio Anastasia exigiam que a PGR denunciasse a presidenta Dilma Rousseff. Foram quase 12 horas de uma sabatina tensa e atravessada pelo partidarismo político. Por inúmeras vezes, Janot disse que não havia indícios suficientes para fundamentar uma denúncia contra a presidenta da República.

Janot não denunciou Dilma enquanto ela estava no exercício do mandato.

Já com Temer, o comportamento de Rodrigo Janot foi completamente diferente. Foram duas denúncias, em pleno exercício do mandato. A primeira denúncia foi apresentada em junho de 2017. A segunda veio três meses depois, em setembro.

Michel Temer precisou acionar suas bases na Câmara dos Deputados para barrar as duas denúncias. Precisou liberar verbas para os deputados aliados. Precisou gastar capital político. Acabou lhe faltando fôlego político para aprovar a Reforma da Previdência, que era a grande agenda do seu governo. Capital político tem limite, igual a peça de queijo: diminui um pouco a cada fatia retirada.

Se Temer não conseguiu aprovar a Reforma da Previdência, parte da derrota pode ser explicada pelas flechas disparadas por Rodrigo Janot, que acabou colaborando para defender os direitos previdenciários dos trabalhadores brasileiros do ataque do capital especulativo.

Qual era o seu objetivo? Comprometimento com uma agenda social-democrata? Um republicanismo genuíno que parte do princípio de que não pode existir seletividade na aplicação da lei? As duas coisas juntas?

Não dá pra saber. Fato mesmo é que ao desestabilizar Michel Temer, Janot contrariou os interesses do rentismo.

 

Rogério Favreto

Quem acompanha a trama da crise brasileira lembra bem do dia 8 de julho de 2018. Era manhã de domingo e o país foi sacudido pela notícia que dividiu a sociedade, deixando metade da população em estado de graça e a outra metade babando de ódio.

“Lula vai ser solto!”. Assim, estampado em letras garrafais em todos os veículos da imprensa.

Rogério Favreto, desembargador do Tribunal da 4° Região em diálogo direto com lideranças petistas, autorizou um habeas corpus de urgência, determinando a soltura imediata de Lula.

Todos os envolvidos sabiam que Lula não seria solto. Lula nem fez as malas. O objetivo ali era tático: levar as instituições burguesas a extrapolar os limites da própria legalidade.

Sérgio Moro despachou estando de férias e negou o habeas corpus, o que ele não poderia fazer. Moro contrariou a ordem de um superior, subvertendo a hierarquia do Poder Judiciário.

Thompson Flores, presidente do Tribunal da 4° Região, cassou a decisão de Favreto, o que somente poderia ser feito pelo colegiado dos desembargadores.

Em um ato de resistência, Rogério Favreto deixou claro para o mundo que Lula é um preso político que a todo momento inspira atos de exceção.

 

Marco Aurélio Mello

Marco Aurélio Mello, tendo mais coragem que juízo, vem sendo a voz da resistência no Supremo Tribunal Federal. Eu poderia dar vários exemplos de ações de Marco Aurélio em defesa da Constituição, da legalidade democrática e da soberania nacional. Fico apenas com dois.

1°) Em 19 de dezembro de 2018, na véspera do recesso do Judiciário, Marco Aurélio soltou um bomba: em decisão autocrática determinou que a Constituição fosse respeitada, ordenando a libertação de todos os presos condenados em segunda instância, o que beneficiaria o presidente Lula.

É que a Constituição é clara. Só pode prender depois do trânsito em julgado. Se está errado ou não é outra discussão. Constituição não se questiona, a não ser para fazer outra Constituição.

Liminar pra cá, liminar pra lá. Procuradores da Lava Jato convocando entrevista coletiva para dizer como STF deveria agir. Mais uma vez a sociedade dividida. Novamente, Lula nem fez as malas, pois experimentado que é, sabia muito bem que não seria solto.

Dias Toffoli, presidente do STF, derrubou a decisão de Marco Aurélio, contrariando o regimento interno da Casa, que diz que somente a plenária do colegiado é legítima para anular ato autocrático de um ministro.

Se Lula não estivesse preso, o regimento seria respeitado. Lula não é um preso comum.

2°) Na última semana, vimos outro embate entre Marco Aurélio e Dias Toffoli. Dessa vez, o motivo foi a venda dos ativos da Petrobras. Marco Aurélio, outra vez em decisão autocrática, proibiu a venda, num ato de defesa da soberania nacional. Dias Toffoli autorizou a venda, se alinhando aos interesses privados e internacionais.

Apresentei três exemplos, de três profissionais da lei que em algum momento da crise contrariaram os interesses que hoje ditam os rumos da política brasileira. Não existiu nenhuma articulação entre eles. Os exemplos mostram apenas que as instituições burguesas não são homogêneas, que existem contradições que devem ser exploradas.

A resistência democrática, portanto, precisa se equilibrar sobre dois pés. Um nas ruas, agitando e apresentando soluções para o nosso povo, que já vai começar a sentir na pele as consequências de um governo ultraliberal, autoritário e entreguista. O outro pé deve estar bem fincado nos corredores palacianos, onde se desenrolam as tramas institucionais.

Precisamos, sim, de líderes populares, de líderes que saibam falar ao coração do povo, que entendam as angústias da nossa gente. Precisamos também de articuladores, de conhecedores da lei e dos regimentos, de lideranças versadas no jogo jogado nos bastidores. Resistência democrática é trabalho de equipe.

 

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Armai-vos uns aos outros

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Por José Barbosa Junior
O presidente da República Fundamentalista de Vera Cruz (antigo Brasil – porque agora nada pode ser vermelho), decretou nesta terça-feira algumas flexibilizações na Lei que regulamentava a posse de armas, o que, na prática, significa que ele liberou geral. A proposta anterior, de no máximo duas armas por cidadão, passou para quatro armas, sendo liberadas outras mais, conforme a necessidade apresentada pelo futuro portador.
Em resumo, a barbárie está liberada oficialmente em nosso país. “Cidadãos de bem” agora vão poder, finalmente, matar os bandidos que lhe atormentam a vida. Por bandidos leia-se pobres, pretos, pardos e párias, que de já tão coisificados, tornaram-se sem valor e pessoalidade em sua existência.
O que mais me choca, porém, é que Bolsonaro foi eleito e é apoiado, inclusive e principalmente nesta questão, por gente que se afirma cristã. Isso mesmo! Gente que diz seguir aquele nazareno marginal que afirmou que “bem-aventurados são os pacificadores, pois eles serão chamados filhos de Deus”, aliás o mesmo que afirmou que “quem vive pela espada, morrerá pela espada”.
Parece estranho. E é.
Mais estranho ainda porque em toda a campanha do atual presidente, ele fez questão de repetir o versículo que diz “e conhecereis a verdade e a verdade vos libertará”.
A verdade é que a liberação de armas só gerará mais violência num país que respira violência.
A verdade é que mais mulheres serão vítimas de feminicídio, já que seus maridos machões agora poderão ter suas armas para suprirem seus outros fracassos.
A verdade é que mais LGBT’s morrerão nas mãos de homofóbicos que disfarçam seus preconceitos em discursos machistas e religiosos.
A verdade é que agora fica mais fácil planejar o suicídio, endêmico numa sociedade cada vez mais doente e adoecedora, refém de um sistema que empurra pessoas à depressão (sem contar as depressões que independem de fatores externos) e num país onde adolescentes cada vez mais se matam por conta de bullying e outras coisas mais. Ah! E sem falar no alto índice de suicídio entre pastores, tema cada vez mais recorrente nos últimos anos.
A verdade é que as brigas de trânsito, de bares, de baladas agora serão resolvidas na base do “quem saca primeiro”, porque com essa liberação a ideia de que o outro possa estar armado será sempre evidente e, entre ele e eu, é melhor que eu saque antes dele.
A verdade é que temos um governo violento, que ampara e incita à violência, que não esconde o prazer na tortura e na morte dos inimigos. Isso legitima e legitimará a barbárie!
Em nome da verdade… no governo mais mentiroso que já temos! E eu aguardo o dia da liberdade! Ela virá… mais cedo ou mais tarde!

*Teólogo e Pastor da Comunidade Batista do Caminho em Belo Horizonte.

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