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Uma conversa difícil sobre segurança pública

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Rodrigo Perez Oliveira, professor de Teoria da História da UFBA, com ilustração de Bagge

 

 

Superávit primário, déficit fiscal, equilíbrio das contas públicas, reforma da previdência, reforma trabalhista, corrupção.

Todos esses temas estão presentes no debate eleitoral. Mas nenhum assunto é mais central e mobiliza mais as paixões da sociedade civil do que a segurança pública. É este o coração do debate público no Brasil contemporâneo, sendo ao mesmo tempo a cereja de bolo de uma certa narrativa eleitoral autoritária e uma casca de banana para as narrativas eleitorais progressistas.

É exatamente a segurança pública que quero discutir neste ensaio. Mas que fique claro que não estou propondo uma discussão técnica. Não conheço suficientemente o tema. O meu objetivo é menos pretensioso: quero propor uma discussão política, sugerindo aquela que, na minha percepção, é a forma ideal de tratar o assunto em tempos de eleição. Sendo ainda mais direto: quero sugerir uma narrativa que me parece mais eficaz na disputa de votos com o bolsonarismo.

Pra isso, faço uma crítica à forma como o campo progressista vem há anos se debruçando sobre o problema da segurança pública, o que lhe custou a antipatia de segmentos das classes populares.

Antes, discuto a narrativa eleitoral de Jair Bolsonaro.

Pouco a pouco, o bolsonarismo vai ganhando contornos mais nítidos e nós, que nos dedicamos diariamente à compreensão da crise brasileira contemporânea, vamos migrando da estupefação para a compreensão.

Já chamamos os eleitores de Bolsonaro de burros e de fascistas. Talvez seja necessário parar com adjetivação e tomar as veredas do entendimento. Tive um grande mestre que dizia que o adjetivo é sempre inimigo do substantivo.

Nas grandes cidades brasileiras, as pessoas estão assustadas. Não as culpo. A sensação de insegurança nunca foi tão grande. Esse medo coletivo é o principal combustível da candidatura de Jair Bolsonaro. Não digo que seja o único, pois há outros, como a representação de uma certa ideia de heteronormatividade masculina, o uso do binômio corrupção x honestidade, que fez com que o bolsonarismo tomasse para si o controle do antipetismo, que desde a década de 1990 era capital político monopolizado pelo PSDB.

Mesmo com esses outros aspectos, acho mesmo que a grande força do bolsonarismo está na solução apresentada para o drama da segurança pública, um fantasma que assusta toda a pirâmide social brasileira.

O bolsonarismo oferece uma resposta de fácil compreensão, que já está presente no imaginário coletivo há muito tempo e que pode ser sintetizada numa formulação bem simples: “Bandido bom é bandido morto”.

Quem é do Rio de Janeiro lembra do Newton Cruz, general do Exército e notório torturador nos tempos da ditadura.

Somente agora, pesquisando para escrever este ensaio, descobri que Newton Cruz ainda está vivo. Eu jurava que o sujeito já era defunto. Impressionante como determinado tipo de vaso custa a quebrar.

Enfim, retomando o fio. O Newton Cruz, nos anos 1990, era famoso por ser o principal verbalizador da tópica do “Bandido bom é bandido morto”, que já na época tinha grande capilaridade social.

O bolsonarismo, portanto, está sentado em um repertório de ideias que tem ancestralidade no imaginário político brasileiro. O colapso da Nova República (o regime político que sucedeu a ditadura militar) alimentou uma velha utopia autoritária que apresenta a força e a violência como meios eficientes de resolução dos problemas que atravessam a nossa sociedade.

O que nós precisamos mostrar para a nossa gente (e não estamos tendo sucesso em fazê-lo) é que a tópica do “Bandido bom é bandido morto” é a inspiração das políticas de segurança pública no Brasil há mais de 30 anos. Nossas polícias são as que mais matam (e morrem) no mundo.

Ou seja, Bolsonaro não está propondo nenhuma novidade. Ele propõe o que já é feito há muito tempo e que não deu certo. Bolsonaro insiste numa fórmula fracassada.

E qual é a narrativa alternativa ao bolsonarismo que o campo progressista desenvolveu para tratar o tema da segurança pública?

Aqui entramos numa discussão muito difícil, mas que deve ser enfrentada. Então, vamos com calma, pra tentar ao máximo evitar as interpretações distorcidas.

O campo progressista aborda o tema da segurança pública a partir de algumas ideias centrais, tais como: direitos humanos, extermínio da população negra, criminalização da violência policial, liberação da maconha, desmilitarização das PMs.

Todas essas ideias são jogadas assim, ao vento, sem a devida tradução didática.

Teoricamente, sou a favor de todas essas agendas. Estou convencido de que não é possível uma discussão séria sobre segurança pública sem que essas questões sejam analisadas com atenção. Porém, o leitor e a leitora não verão aqui a simples evocação dessas ideias. Não vou cantar os mantras: “A PM ainda não acabou, tem que acabar”; “Parem de nos exterminar”; “Libera a maconha pros meninos ficarem felizes”.

Se a intenção for apenas ter contato com esse tipo de lugar comum lacrador, mais vale que o leitor e a leitora parem por aqui busquem algum texto ou vídeo produzido pelo Gregório Duvivier. Aqui, quero fazer algo diferente, com mais responsabilidade política.

Quero dizer, por exemplo, que pessoas armadas, ocupando território, fazendo uma comunidade inteira de refém, precisam ser combatidas. Só quem não conhece a realidade da favela tem uma visão romancizada do tráfico de drogas. Só quem não conhece a favela por dentro acha que o tráfico não violenta a comunidade. Só quem nunca viveu em favela acha que existe no tráfico uma ética de respeito aos moradores.

Morei em favela durante 20 anos e vi famílias inteiras fugindo da comunidade porque o traficante, homem jovem, pobre e preto, cismou que queria namorar a filha mais nova.

Já vi mais de uma vez o trabalhador financiar carro popular em 60 prestações, ficar sem grana pra pagar o seguro e ser roubado por um homem jovem e negro, muitas vezes menor de idade. O cabra, então, senta no meio-fio e chora. Isso mesmo, homem barbado chorando de soluçar porque perdeu o carrinho que ainda tava alienado no banco.

A família que fugiu da favela e o trabalhador que foi roubado, o morador que pra não levar bala tem que piscar o farol quando chega em casa depois das oito da noite, também são pobres e pretos.

O Estado não pode permitir que essas pessoas sejam violentadas. O Estado tem uma função civilizatória a cumprir e isso envolve, também, o uso da força institucional que é prerrogativa do poder público.

Essa força deve, sim, ser utilizada, mas dentro da legislação vigente, que fique claro. Tortura e execução não estão previstas na legislação vigente.

Formulando em outras palavras: todos sabemos que o coração da segurança pública é a inteligência somada à inclusao social. Armas e drogas não são produzidas na favela. Não são os traficantes varejistas, usando bermuda e chinelos de dedo, que vão às fronteiras pra importar pistola, fuzil, maconha e cocaína.

Têm senador e deputado envolvido nisso. Tem funcionário da Polícia Federal e da Polícia Rodoviária envolvido nisso. Tem oficial do Exército envolvido nisso.

Todos sabemos que esses homens jovens e pretos que se envolveram com o tráfico armado foram negligenciados a vida inteira, que são produtos da exclusão social. Eles não tiveram acesso a políticas públicas básicas, como educação de qualidade.

Porém, uma vez que essas pessoas estão armadas e sitiando uma comunidade, recebendo as forças do Estado na bala, elas se tornaram, sim, inimigas do bem comum e como tal devem ser tratadas.

Tem uma dimensão da segurança pública que é urgente, de curtíssimo prazo. O campo progressista ignora esse aspecto. É um erro político/eleitoral gravíssimo.

Pra ser ainda mais claro:

Por um lado, não é possível discutir segurança pública sem levar em conta o extermínio da população negra, a elaboração de uma nova legislação antidrogas e mudanças no organograma institucional das forças de segurança, combatendo os excessos praticados pelos agentes públicos.

Mas, por outro lado, nenhuma proposta será politicamente viável e eleitoralmente aceitável se não levar em conta também a necessidade do enfrentamento direto, o que naturalmente (e infelizmente) custa vidas. Vidas, geralmente, de homens pobres e pretos, tanto do lado do tráfico, como do lado das forças de segurança.

Não é possível vir ao debate público em época de eleição e, simplesmente, criminalizar a atuação das polícias militares.

Como que vamos convencer o trabalhador que foi assaltado, a família que precisou fugir da favela, que os seus algozes não devem ser combatidos?

Repito: só quem não conhece a vida na periferia, na favela e nos entornos da comunidade, acha que essa narrativa tem alguma viabilidade eleitoral.

É aqui que o bolsonarismo vence e as forças progressistas perdem. Na periferia, na favela, existem pessoas pobres e pretas que não estão assaltando, que não estão matando e que querem ter sua vida e propriedade protegidas.

A vida é sempre valiosa. A propriedade, quando é pouca, é ainda mais valiosa e inspira ainda mais cuidados.

Hoje, o bolsonarismo, com a tópica do “Bandido bom é bandido morto”, está vencendo a disputa pelo imaginário dessas pessoas. Não estamos sendo capazes de reagir.

 

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LUTA ANTIRRACISTA PRECISA ACERTAR A ‘CABECINHA’ DE WILSON WITZEL

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Há anos a tática sobre segurança pública no Rio se concentra em operações espetaculares que resultam, de tempos em tempos, em um derramamento de sangue, com direito a traficantes, moradores de comunidades e policiais mortos.

O roteiro todos já conhecem. Unem-se policiais de diversos batalhões, eles invadem determinada localidade com poder de fogo muito superior, e terminam matando principalmente a ponta da cadeia do tráfico, a base da estrutura das facções, enquanto seus líderes comandam tudo de longe ou de dentro dos presídios, e no dia seguinte um novo comando paralelo se instala no mesmo lugar.

É uma máquina de moer gente. Mata-se loucamente, e no dia seguinte é como se nada tivesse mudado.

A situação é esta porque em certos locais do Rio a única chance de um jovem criado em situação de miséria comprar um tênis da moda é segurando uma arma que ele não sabe atirar direito. A parcela da população favelada que sobra do espaço da cidadania, por motivos que vão desde abandono familiar, déficit educacional ou imposição de terceiros, é seduzida por uma rede comércio ilegal que promete dignidade no contexto da extrema exclusão e sacrifica a vida destas pessoas como copos descartáveis.

São quase sempre jovens negros, no tráfico, na polícia ou nas casas vizinhas ao confronto entre eles. E suas mortes não comovem nem de perto tanto quanto o cãozinho morto na porta do Carrefour.

É assim desde que a abolição foi seguida pela recusa em absorver os negros no mercado formal de trabalho e a imigração de estrangeiros brancos para substituí-los. A pobreza se perpetuou a partir da negligência em gerar oportunidades e condições de vida saudável, e nela a criminalidade floresceu desde sempre.

Se soubesse da história do Rio, Wilson Witzel, o novo governador eleito no estado, que repete a palavra matar o tempo todo para agradar os ouvidos de uma classe média tanto preocupada com roubos quanto é racista, adepta de praias segregadas, odienta do funk, do samba e de pagode, faria algo para interromper a espiral macabra que corrói sua sociedade por dentro.

Alteraria o atraso social com políticas públicas inteligentes de ensino integral, cooperativas de trabalho, reforma do sistema penitenciário, investimento em tecnologia da informação e preparo de suas polícias. Enfrentaria o racismo com mais educação e cultura, e não faria coro com privilegiados que gostam de se remeter aos negros com termos tipicamente usados para animais, como “abate”.

Em 2010, o Rio viu Sérgio Cabral vencer Fernando Gabeira aproveitando-se, em parte, da crença de que o adversário era veado e maconheiro. Dali seguiu-se uma bandalheira que resultou, nos últimos anos, no colapso total das contas públicas. Já não há mais espaço de tempo para novos demagogos. E nem a população suporta mais mentiras no lugar de competência. Algo melhor que matar precisa vir à cabeça do novo governador. E eu sugiro que superar o seu racismo entranhado seja o melhor começo.

Por: Rodrigo Veloso – Colaborador dos Jornalistas Livres morador do Rio do Janeiro formado em Relações Internações

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OS BACHARÉIS DA RESISTÊNCIA

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Artigo de Rodrigo Perez Oliveira, professor de Teoria da História da Universidade Federal da Bahia, com ilustração de Duke

 

O ano de 2005 é chave para a compreensão da crise brasileira contemporânea. Foi aí, no chamado “mensalão”, que se desenhou pela primeira vez aquela que, na minha percepção, é a característica mais importante da crise: o ativismo político dos profissionais da lei.

Desde 2005 que juízes, desembargadores, ministros dos tribunais superiores e procuradores são personagens recorrentes na crônica política. Depois de 2014, a Operação Lava Jato se tornou palco para a fama desses profissionais. Mais do que nunca, o Brasil é a República dos Bacharéis.

Os marqueteiros da Operação Lava Jato afirmam que pela primeira vez na história do Brasil os empresários milionários sentiram na pele o peso da lei. É uma meia verdade. Se é meia verdade, por consequência lógica, é meia mentira também.

Os empresários presos atuavam no ramo da construção civil e de obras de infraestrutura. Os agentes econômicos envolvidos com atividades financeiras e especulativas não foram incomodados. Somente os mais ingênuos são capazes de acreditar que Marcelo Odebrecht ou Léo Pinheiro são mais corruptos que os executivos do Itaú ou do Santander, que também financiavam campanhas eleitorais, que também estabeleciam relações nada republicanas com a classe política.

Por que uns foram presos, enquanto os outros estão aí, lucrando bilhões todos os anos?

A seletividade da Operação Lava Jato é óbvia e salta aos olhos de qualquer um que queira enxergar a realidade. A narrativa do combate à corrupção está sendo utilizada como pretexto para o desmanche do Estado e dos investimentos públicos em infraestrutura, o que favorece os interesses ligados ao capital financeiro nacional e internacional. A comunidade jurídica brasileira colaborou com esse projeto, ajudou a desmontar parques industriais, levando empresas nacionais à falência, sempre com o pretexto do “combate à corrupção”.

Como bem disse Eugênio Aragão, ex-ministro da Justiça, a Justiça brasileira “prometeu acabar com os cupins, mas acabou ateando fogo à casa”.

Porém, seria um erro dizer que a comunidade jurídica é um bloco homogêneo, que todos os seus integrantes se movem na mesma direção. Alguns momentos na cronologia da crise mostram que o cenário não é tão simples, que há bacharéis dispostos a confrontar a hegemonia daqueles que entregaram seus serviços aos interesses do capital financeiro internacional.

Destaco aqui três nomes: Rodrigo Janot, Rogério Favreto e Marco Aurélio de Mello.

Em algum momento da crise, os três contrariaram interesses hegemônicos. Meu objetivo aqui é relembrar esses episódios e sugerir que a resistência democrática não pode abrir mão da institucionalidade. Ir às ruas e disputar o imaginário das pessoas não significa deixar de operar por dentro das instituições burguesas, explorando suas contradições. Uma coisa não exclui a outra. Uma coisa complementa a outra.

 

Rodrigo Janot

Rodrigo Janot foi empossado pela presidenta Dilma Rousseff como procurador geral da República em 2013, sendo reconduzido ao cargo, também por Dilma, em 2015. Janot foi personagem protagonista em alguns dos momentos mais agudos da crise brasileira, no período que compreendeu a derrubada de Dilma Rousseff e a ascensão de Michel Temer.

Sinceramente, não sou capaz de definir a identidade ideológica de Rodrigo Janot, de dizer se ele é de esquerda ou de direita. Talvez ele não pense a realidade nesses termos. Antes de se tornar procurador geral da República, Janot tinha atuação engajada na defesa dos direitos da população carcerária. No segundo turno das eleições presidenciais de 2018, Janot se manifestou a favor da candidatura de Fernando Haddad.

26 de agosto de 2015. Sabatina de recondução de Janot à chefia da Procuradoria Geral da República. Senado Federal. A crise institucional se aprofundava e começava a se desenhar no horizonte o golpe parlamentar que meses depois derrubaria Dilma Rousseff.

A oposição, liderada por senadores do PSDB e do DEM, colocou Janot contra a parede. Ana Amélia, Aécio Neves, Aloísio Nunes, Antonio Anastasia exigiam que a PGR denunciasse a presidenta Dilma Rousseff. Foram quase 12 horas de uma sabatina tensa e atravessada pelo partidarismo político. Por inúmeras vezes, Janot disse que não havia indícios suficientes para fundamentar uma denúncia contra a presidenta da República.

Janot não denunciou Dilma enquanto ela estava no exercício do mandato.

Já com Temer, o comportamento de Rodrigo Janot foi completamente diferente. Foram duas denúncias, em pleno exercício do mandato. A primeira denúncia foi apresentada em junho de 2017. A segunda veio três meses depois, em setembro.

Michel Temer precisou acionar suas bases na Câmara dos Deputados para barrar as duas denúncias. Precisou liberar verbas para os deputados aliados. Precisou gastar capital político. Acabou lhe faltando fôlego político para aprovar a Reforma da Previdência, que era a grande agenda do seu governo. Capital político tem limite, igual a peça de queijo: diminui um pouco a cada fatia retirada.

Se Temer não conseguiu aprovar a Reforma da Previdência, parte da derrota pode ser explicada pelas flechas disparadas por Rodrigo Janot, que acabou colaborando para defender os direitos previdenciários dos trabalhadores brasileiros do ataque do capital especulativo.

Qual era o seu objetivo? Comprometimento com uma agenda social-democrata? Um republicanismo genuíno que parte do princípio de que não pode existir seletividade na aplicação da lei? As duas coisas juntas?

Não dá pra saber. Fato mesmo é que ao desestabilizar Michel Temer, Janot contrariou os interesses do rentismo.

 

Rogério Favreto

Quem acompanha a trama da crise brasileira lembra bem do dia 8 de julho de 2018. Era manhã de domingo e o país foi sacudido pela notícia que dividiu a sociedade, deixando metade da população em estado de graça e a outra metade babando de ódio.

“Lula vai ser solto!”. Assim, estampado em letras garrafais em todos os veículos da imprensa.

Rogério Favreto, desembargador do Tribunal da 4° Região em diálogo direto com lideranças petistas, autorizou um habeas corpus de urgência, determinando a soltura imediata de Lula.

Todos os envolvidos sabiam que Lula não seria solto. Lula nem fez as malas. O objetivo ali era tático: levar as instituições burguesas a extrapolar os limites da própria legalidade.

Sérgio Moro despachou estando de férias e negou o habeas corpus, o que ele não poderia fazer. Moro contrariou a ordem de um superior, subvertendo a hierarquia do Poder Judiciário.

Thompson Flores, presidente do Tribunal da 4° Região, cassou a decisão de Favreto, o que somente poderia ser feito pelo colegiado dos desembargadores.

Em um ato de resistência, Rogério Favreto deixou claro para o mundo que Lula é um preso político que a todo momento inspira atos de exceção.

 

Marco Aurélio Mello

Marco Aurélio Mello, tendo mais coragem que juízo, vem sendo a voz da resistência no Supremo Tribunal Federal. Eu poderia dar vários exemplos de ações de Marco Aurélio em defesa da Constituição, da legalidade democrática e da soberania nacional. Fico apenas com dois.

1°) Em 19 de dezembro de 2018, na véspera do recesso do Judiciário, Marco Aurélio soltou um bomba: em decisão autocrática determinou que a Constituição fosse respeitada, ordenando a libertação de todos os presos condenados em segunda instância, o que beneficiaria o presidente Lula.

É que a Constituição é clara. Só pode prender depois do trânsito em julgado. Se está errado ou não é outra discussão. Constituição não se questiona, a não ser para fazer outra Constituição.

Liminar pra cá, liminar pra lá. Procuradores da Lava Jato convocando entrevista coletiva para dizer como STF deveria agir. Mais uma vez a sociedade dividida. Novamente, Lula nem fez as malas, pois experimentado que é, sabia muito bem que não seria solto.

Dias Toffoli, presidente do STF, derrubou a decisão de Marco Aurélio, contrariando o regimento interno da Casa, que diz que somente a plenária do colegiado é legítima para anular ato autocrático de um ministro.

Se Lula não estivesse preso, o regimento seria respeitado. Lula não é um preso comum.

2°) Na última semana, vimos outro embate entre Marco Aurélio e Dias Toffoli. Dessa vez, o motivo foi a venda dos ativos da Petrobras. Marco Aurélio, outra vez em decisão autocrática, proibiu a venda, num ato de defesa da soberania nacional. Dias Toffoli autorizou a venda, se alinhando aos interesses privados e internacionais.

Apresentei três exemplos, de três profissionais da lei que em algum momento da crise contrariaram os interesses que hoje ditam os rumos da política brasileira. Não existiu nenhuma articulação entre eles. Os exemplos mostram apenas que as instituições burguesas não são homogêneas, que existem contradições que devem ser exploradas.

A resistência democrática, portanto, precisa se equilibrar sobre dois pés. Um nas ruas, agitando e apresentando soluções para o nosso povo, que já vai começar a sentir na pele as consequências de um governo ultraliberal, autoritário e entreguista. O outro pé deve estar bem fincado nos corredores palacianos, onde se desenrolam as tramas institucionais.

Precisamos, sim, de líderes populares, de líderes que saibam falar ao coração do povo, que entendam as angústias da nossa gente. Precisamos também de articuladores, de conhecedores da lei e dos regimentos, de lideranças versadas no jogo jogado nos bastidores. Resistência democrática é trabalho de equipe.

 

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Armai-vos uns aos outros

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Por José Barbosa Junior
O presidente da República Fundamentalista de Vera Cruz (antigo Brasil – porque agora nada pode ser vermelho), decretou nesta terça-feira algumas flexibilizações na Lei que regulamentava a posse de armas, o que, na prática, significa que ele liberou geral. A proposta anterior, de no máximo duas armas por cidadão, passou para quatro armas, sendo liberadas outras mais, conforme a necessidade apresentada pelo futuro portador.
Em resumo, a barbárie está liberada oficialmente em nosso país. “Cidadãos de bem” agora vão poder, finalmente, matar os bandidos que lhe atormentam a vida. Por bandidos leia-se pobres, pretos, pardos e párias, que de já tão coisificados, tornaram-se sem valor e pessoalidade em sua existência.
O que mais me choca, porém, é que Bolsonaro foi eleito e é apoiado, inclusive e principalmente nesta questão, por gente que se afirma cristã. Isso mesmo! Gente que diz seguir aquele nazareno marginal que afirmou que “bem-aventurados são os pacificadores, pois eles serão chamados filhos de Deus”, aliás o mesmo que afirmou que “quem vive pela espada, morrerá pela espada”.
Parece estranho. E é.
Mais estranho ainda porque em toda a campanha do atual presidente, ele fez questão de repetir o versículo que diz “e conhecereis a verdade e a verdade vos libertará”.
A verdade é que a liberação de armas só gerará mais violência num país que respira violência.
A verdade é que mais mulheres serão vítimas de feminicídio, já que seus maridos machões agora poderão ter suas armas para suprirem seus outros fracassos.
A verdade é que mais LGBT’s morrerão nas mãos de homofóbicos que disfarçam seus preconceitos em discursos machistas e religiosos.
A verdade é que agora fica mais fácil planejar o suicídio, endêmico numa sociedade cada vez mais doente e adoecedora, refém de um sistema que empurra pessoas à depressão (sem contar as depressões que independem de fatores externos) e num país onde adolescentes cada vez mais se matam por conta de bullying e outras coisas mais. Ah! E sem falar no alto índice de suicídio entre pastores, tema cada vez mais recorrente nos últimos anos.
A verdade é que as brigas de trânsito, de bares, de baladas agora serão resolvidas na base do “quem saca primeiro”, porque com essa liberação a ideia de que o outro possa estar armado será sempre evidente e, entre ele e eu, é melhor que eu saque antes dele.
A verdade é que temos um governo violento, que ampara e incita à violência, que não esconde o prazer na tortura e na morte dos inimigos. Isso legitima e legitimará a barbárie!
Em nome da verdade… no governo mais mentiroso que já temos! E eu aguardo o dia da liberdade! Ela virá… mais cedo ou mais tarde!

*Teólogo e Pastor da Comunidade Batista do Caminho em Belo Horizonte.

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