Há 30 dias a Preta foi conduzida para prestar um depoimento no DEIC. Lá, foi informada de que ficaria em prisão temporária somente até sexta-feira, para “esclarecimentos”. Era uma segunda-feira. Na sexta-feira Preta teve sua prisão temporária convertida em preventiva, e que em seguida um Habeas Corpus negado em primeira instância e o outro negado no STJ.
Há 30 dias Preta Ferreira, cantora, apresentadora, ativista, trabalhadora é criminalizada por uma investigação e uma denúncia que inclui várias lideranças dos movimentos de sem teto localizados no centro de São Paulo. Há 30 dias essas mesmos pessoas, algumas que sequer se conhecem, são associados a criminosos do nosso país. Há 30 dias vemos notícias que criminalizam participantes de movimentos legais e organizados, e os associam ao crime organizado.
Há 30 dias, são 4 pessoas negras privadas da liberdade, sem sequer terem sido julgadas.
Há 30 dias os amigos de Preta que a conhecem, que a vêem como profissional e cidadã solidária, se indignam.
É simbólico que em tempos como estes, em que vemos tanta pobreza e preconceito, quem luta contra isso, fala e age por amor, seja perseguido pelos que deveriam representar o Estado de direito. Perseguidos por instituições que não deveriam representar os interesses de exceção dos poderosos, perseguir quem luta por moradia. O Estado deveria reconhecer a legitimidade do movimento, e apoiá-lo.
A Preta hoje — 30 dias depois de presa, simboliza que o amor precisa de um lugar pra crescer e pra morar; justamente ela que não é mais sem teto, e que luta pra que no MTSC as pessoas se habitem e se alojem com amor e dignidade!
Algumas pessoas como a Preta — trabalhadores, artistas, profissionais diversos, autônomos, aposentados — geram o calor da solidariedade. São voluntárias, missionárias da hospitalidade generosa, anfitriãs umas das outras, acolhem e aquecem vidas na reciprocidade de seus corações e na adequação de moradias seguras, dignas e auto sustentáveis.
Mas algumas dessas pessoas, em troca, recebem grades frias de uma prisão injusta e sem necessidade legal São privadas da liberdade, de serem livres para continuar amando e servindo aqueles que continuam precisando de sua solidariedade e que lutam ao seu lado.
Ao termo deste estágio, todos estão presos: uns, injustamente presos, por um processo tecnicamente mal iniciado e mal julgado e pelo comando oculto e truculento de interesses poderosos e estranhos. Outros, mesmo fora da prisão, estão privados da liberdade de conviver com seus companheiros, que colaboraram para os receber com amor, enquanto estavam sem teto, e para desenvolver moradias dignas e socialmente organizadas.
Liberdade Preta é a liberdade que tem sido assassinada com Marielle Franco; que vem sendo esquecida, como é há seis anos com Rafael Braga, por portar um vidro de desinfetante. Liberdade Preta é o clamor que busca alcançar a nossa amiga todo dia, e que não pode.
Enfim, nós também estamos privados da liberdade: liberdade de lhe abraçar, Preta, escutar seu canto, sorrir com você, lutar inclusive com você, na luta compartilhada com aqueles que tiveram quebradas as grades do “desmorar” desalentado.
Uma resposta
ditadura, estado policial, dop, doi-cod! tudo de volta!