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Comportamento

Tóquio. Um relato sobre os tempos de Corona

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Tóquio antes da pandemia

Por Ione Merino, direto de Tóquio, para os Jornalistas Livres

Mudamos para Tóquio em julho do ano passado. Apesar do calor infernal do auge do verão, eu já notava um certo número de japoneses fazendo uso da máscara facial. Na época eu achava estranho mas com o tempo entendi que as máscaras fazem parte da cultura japonesa de não disseminar um resfriado ou uma gripe ou qualquer outra doença cujo contágio acontece por via oral.

Em janeiro, eu e minha família retornamos de uma viagem dos Estados Unidos e já com notícias de que um novo vírus estava matando pessoas na China. A primeira ideia foi já encomendar máscaras faciais pois seria útil em algum momento com ou sem o novo vírus. Para minha surpresa as máscaras comuns descartáveis já estavam esgotadas online e muito menos se encontravam disponíveis em farmácias ou supermercados locais.

Em fevereiro, com a maior disseminação do COVID-19, os primeiros casos começaram a surgir, primeiro ao norte na região de Hokkaido e consequentemente, as primeiras mortes devido a população mais idosa da região.

Daí para frente, os alertas ficaram mais frequentes quanto aos cuidados de higiene, e o distanciamento social começou a ser mais cogitado. A partir de 1 de março, as escolas no país fecharam sendo implementado o aprendizado online. No distrito onde moramos, as pessoas começavam a se aglomerar menos e era visível, as ruas mais vazias. Com as crianças em casa, os pais foram obrigados a mudar a sua rotina, tendo que acompanhar o novo programa de ensino com novos horários e conteúdos.

Em meados de março, com a intensificação e maior disseminação da doença no mundo, algumas pessoas que podiam, começaram a fazer o home office. Mas a vida aparentemente continuava normal. A preocupação com higiene aumentou e se via nas ruas mais pessoas usando máscaras faciais. Mas o comércio em geral continuava aberto. Foi decretado o fechamento de museus, estádios e parques temáticos e atividades turísticas em geral. As famílias cancelavam viagens ao exterior que inicialmente estavam programadas para acontecer durante a última semana de março, quando as escolas tem sua programação interrompida por conta das férias de primavera. E, finalmente, houve o pronunciamento do primeiro-ministro anunciando o cancelamento dos Jogos Olímpicos de Tóquio.

Nas duas últimas semanas de março, gradualmente mais serviços, academias de ginástica e esportes em geral, clubes e estúdios, foram fechando ou tendo seus horários reduzidos. Porém na ultima semana de março, com o florescimento das cerejeiras as pessoas saíram às ruas. De repente, o que se via era uma realidade não real. Multidões de jovens em Shibuya e Harajuku, parques lotados de pessoas debaixo das cerejeiras fazendo o famoso “hanami”, ou seja, piqueniques debaixo das árvores para apreciar as flores. Como se o Coronavírus nunca tivesse existido. Aquilo foi surreal. Eu tive que sair para encomendar óculos de leitura e não acreditei no movimento das ruas. Senti que o mundo voltava ao normal e senti uma alegria e felicidade muito grande de ver as pessoas se confraternizando e celebrando a vida.

Mas obviamente esse surto de normalidade acabou quando os casos de COVID-19 começaram a aumentar em grande velocidade após essa semana. Quando abril chegou, a governadora de Tóquio fez um pronunciamento pedindo para as pessoas ficarem mais resguardadas e evitarem locais fechados e sem ventilação, aglomerações e manter o distanciamento social.

Estamos agora entrando na segunda semana de abril e somente ontem, o primeiro-ministro declarou Estado de Emergência. Hoje mais medidas serão detalhadas e será divulgada uma lista de locais que deverão fechar por tempo indeterminado incluindo escolas, universidades, lojas de departamento, karaokês, nightclubs, shopping centers, cinemas, teatros, bibliotecas, salões, barbearias etc.

Serviços essenciais continuam funcionando e incluem, além dos hospitais, farmácias, lojas de conveniência, supermercados, correios, transporte público, táxis e restaurantes com horários reduzidos à noite.

As restrições aconteceram gradualmente assim como nossa rotina aqui em casa. O meu filho conversa com os amigos da Flórida pelo zoom ou skype até bem tarde da noite. Durante o dia, ele tem as aulas online e o pai ainda sai para trabalhar todos os dias, mas muitos fucionários já estão estão fazendo home office. As crianças se encontram lá fora para jogar bola e se exercitar um pouco a tarde, depois das aulas. Eu tenho ficado mais em casa e saio mesmo somente para fazer compras no supermercado. Eu e o Stefan, meu marido, nos exercitamos em casa ou fazemos uma corrida pela manhã. Passo a maior parte do tempo cozinhando e experimentando novas receitas, o que me ocupa quase todo o meu dia.

Comecei tambem a costurar máscaras de pano. Passei a usar a máscara com mais frequência quando saio de casa e até para correr, o que é bem sufocante. O meu filho, que saía para se encontrar com os amigos e utilizava o transporte público, passou sair de casa somente a pe, de bicicleta ou quando o levamos de carro e somente para a casa da namorada. Nosso condomínio passou também a não aceitar mais visitantes.

A vida mudou muito para todos nós em geral, desde bem antes da sombra do Coronavírus chegar e principalmente para o meu filho. Desde que mudamos para Tóquio, a vida dele tem sido um oceano de novos desafios e difíceis ajustes na sua vida social e pessoal. Ele encontra amigos facilmente em toda parte do mundo, mas a transição aqui não tem sido fácil para ele e consequentemente para nós. A escola americana que ele frequenta aqui é extremamente competitiva e o nível de ensino muito superior ao que ele tinha nos Estados Unidos. Os esportes ajudaram bastante no início, quando ele fez parte do time de futebol americano e soccer, porém, academicamente ainda há muito para ser trabalhado. E agora com o distanciamento social para um adolescente de 15 anos com uma personalidade extremamente sociável, é por si só, já um grande desafio.

Mas a cada dia trabalhamos com o nossos estresses e frustrações de uma maneira onde o convívio familiar se torne possível sem grandes dramas. Cada dia se torna mais um dia e o que antes era estranho e que só se via nos filmes, está acontecendo agora. Tempos difíceis de aprendizado. Tempos de reflexão. Tempos de solidariedade e compreensão. Como será a vida pós-Corona para essa geração? E para o resto de nós? Muitas mudanças ainda estão por vir globalmente e apesar de cada governo decidir o que quer, sinto que as pessoas em qualquer parte do mundo estão passando pelas mesmas fases de insegurança, tristeza, angústia, depressão seguidas de euforia, danças tiktok, confraternizações pelo zoom, troca de receitas, aprendizados, shows e eventos online que fazem as pessoas compartilharem nas redes sociais a cara lavada sem maquiagem, sem pentear o cabelo, sem fazer as unhas, usando a mesma roupa, fazendo faxina, fotografando as ruas vazias quando se sai de casa etc. E depois da euforia, as pessoas voltam ao ciclo de depressão, tristeza, angústia e inseguranças.

Todos estamos passando pelo mesmo ciclo em qualquer parte do globo. Em Tóquio ou São Paulo. Aqui em casa, em quase sete semanas de semi-confinamento, já enfrentamos muito drama, desespero, choradeira seguidos de períodos de paz e relativo otimismo e esperança. Ups and downs, vai e vem, nascem e morrem diariamente. E a vida continua… Com ou sem Corona…

 

Tóquio com a pandemia

Parque em Tóquio

 

Comportamento

Quilimérios, um povo isolado entre belas rochas de Minas

Vídeo revela os moradores remanescentes que habitam há quase dois séculos uma área próxima à divida com a Bahia

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Quem percorre o Vale do Jequitinhonha no extremo Nordeste de Minas, quase divisa com o sul da Bahia, vê ao longe um conjunto de belas pedras de granito como se tivessem sido despencadas numa chuva de meteoritos. É difícil passar por ali e conter a vontade de ir ver de perto, afinal, a pacata e hospitaleira cidade de Rubim fica logo ali. Pois bem, foi neste belo lugar que um antigo quilombo volante, certamente vindo do interior da Bahia, resolveu se fixar de vez, esquecendo-se do tempo e da chamada civilização, vivendo ali esquecido, isolado. São os Quilimérios, um nome de origem desconhecida.

Uma equipe de cineastas e jornalistas de Belo Horizonte esteve lá e fez o interessante curta-metragem chamado Quilimérios, um documentário de 24 minutos que trata da história deste povo que vive isolado desde o século XIX, na parte mineira do Vale do Rio Jequitinhonha, que logo depois deságua no litoral baiano. Escondidos entre altas pedras de lugares quase inacessíveis, os Quilimérios ainda são desconhecidos por muita gente que vive até mesmo na própria região.

O curta Quilimérios conta um pouco da história deste povo, mostra cenários deslumbrantes e lugares quase intocados do Baixo Jequitinhonha, filmados praticamente com celular e drone, “o que o torna um produto experimental e inovador”, afirma Emerson Penha. O diretor do curta revela que ir a esta comunidade e fazer o documentário foi muito significativo: “É impressionante, nos dias de hoje, com tanta tecnologia, um povo permanecer isolado. Por outro lado, é importante poder mostrar que o mundo tem lugar para todos, independentemente do seu jeito de ser e viver. Todos têm direito a viver como desejam e isso precisa ser respeitado”, observa.

Na região do Baixo Jequitinhonha, divisa entre Minas Gerais e Bahia, as pedras gigantes marcam o caminho do rio. A muralha natural isola tudo, até mesmo a passagem do tempo. Nesse cenário, os Quilimérios vivem como no século XIX. Para eles, o isolamento foi a única opção e até hoje o mistério de sua existência permanece. A explicação sociológica mais razoável é que seriam remanescentes dos quilombos volantes, grupos nômades formados por afrodescendentes que escapavam do cativeiro, indígenas expulsos de suas terras e mesmo brancos que fugiam das cidades por diversas razões.

A história que se conta entre várias gerações na região de Rubim, cidade mais próxima e de pouco mais de 10 mil habitantes, é que esse grupo de pessoas foi formado a partir da fuga de um ex-escravo, Juca Preto, contratado por um fazendeiro da vizinha cidade de Pedra Azul para matar alguém importante. Após cometer o crime, Juca fugiu para a região onde seus descendentes vivem até hoje e que permanece quase inacessível. Ali só se chega a pé ou a cavalo. Na fuga, Juca levou uma índia, com quem teria dado início à família dos Quilimérios. São pessoas muito reservadas, que cultivam costumes antigos e têm hábitos comportamentais como o casamento endogâmico. Atualmente restam apenas alguns quilimérios remanescentes, já que as novas gerações vêm se transferindo para Rubim.

Quilimérios é um filme de Emerson Penha, com música de Túlio Mourão, fotografia de Fábio Damasceno, produção de Zu Moreira, edição de Rafael Diniz (Fiel) e argumento de Tião Soares.

Confira o vídeo acima indo ao Youtube.

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Chacina

Cuiabá nas ruas contra do racismo, o fascismo e o genocídio

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Da: MediaQuatro especial para os Jornalistas Livres

Desde de 2019, com as manifestações contra os cortes na educação e a deforma da previdência, Cuiabá não juntava tanta gente nas ruas. E talvez nunca tenha havido tamanho contingente policial, incluindo helicóptero, para o improvável caso de “vandalismo”. Mas era mesmo de se esperar. Afinal, o racismo estrutural brasileiro em uma das capitais mais conservadoras do país exige que se trate os pretos e pretas sempre como potenciais criminosos. BASTA! O país não pode mais conviver e não conseguirá sequer viver como nação integral enquanto houver preconceitos que se refletem em práticas cotidianas e políticas públicas que oprimem e excluem a maior parte da população.

Texto e fotos: www.mediaquatro.com

Texto e fotos: www.mediaquatro.com

Chegamos a um ponto no Brasil que não é mais suficiente não ser racista. É preciso lutar contra o racismo, nas ruas, nas redes, nos campos e nas casas. E a luta antirracista é central na derrubada do governo Bolsonaro e suas políticas genocidas na economia, na segurança pública e na saúde. Foi por isso que, apesar da necessidade de se intensificar o isolamento social, fomos à Praça Alencastro e marchamos pelas avenidas Getúlio Vargas, Marechal Deodoro, Isaac Póvoas e BR 364 para retornarmos à Praça da República sem qualquer incidente.

Texto e fotos: www.mediaquatro.com

Assim como em outras cidades e estados por todo o Brasil, em Cuiabá e Mato Grosso os negros e negras são maioria e são exatamente os corpos pretos os mais encarcerados, os pior pagos, os que vivem nos lugares mais distantes, os que mais precisam trabalhar fora de casa durante a pandemia (e muitas vezes sem sequer os equipamentos de proteção adequados) e os que mais são atingidos pela Covid-19. Isso não é uma coincidência. É resultado de quase 400 anos de escravidão formal, que em Mato Grosso também vitimou indígenas em larga escala, e de uma abolição inconclusa que indenizou os “proprietários” de pessoas mas nunca pagou a dívida histórica com quem sente na pele seus efeitos até hoje.

Texto e fotos: www.mediaquatro.com

É fato que o assassinato do estadunidense negro George Floyd foi o estopim dos protestos antirracistas em todo mundo e também no Brasil, onde houve atos em pelo menos 20 cidades, incluindo São Paulo, Rio de Janeiro, Brasília e Recife. Mas por aqui, as mortes do menino Miguel, do adolescente João Pedro e dos jovens em Paraisópolis, só pra citar alguns casos mais representativos nos últimos seis meses, demonstram cotidianamente o que significa ser alvo do preconceito, da polícia e das políticas.

Texto e fotos: www.mediaquatro.com

Desse modo, derrubar o governo o quanto antes o governo do fascista que ocupa a presidência é indispensável para conseguirmos combater a epidemia de forma minimamente eficiente. E tirar apenas o presidente não é suficiente, porque seu vice e ministério são igualmente racistas, como está provado em entrevistas antes mesmo das eleições, em pronunciamentos em eventos e na fatídica reunião ministerial.

Texto e fotos: www.mediaquatro.com

Enquanto não derrubarmos as políticas estúpidas da “guerra às drogas”, do encarceramento em massa, da concentração de renda, do agronegócio acima da agricultura familiar, não há presente para o país. E enquanto não investirmos em políticas públicas de igualdade racial e de gênero, de proteção às minorias e à diversidade, e de promoção dos direitos humanos a TODOS e TODAS, incluindo a punição de policiais assassinos, milicianos e racistas, não haverá futuro também.

 

 

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#EleNão

Os camisas negras de Bolsonaro

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Mais de 1 milhão de crianças, 2 milhões de mulheres e 3 milhões de homens foram submetidos ao assassinato e à tortura de forma programada pelos nazistas com o objetivo de exterminar judeus e outras minorias. Nos primórdios da Itália fascista, os camisas negras – milícias paramilitares de Mussolini – espancavam grevistas, intelectuais, integrantes das ligas camponesas, homossexuais, judeus. Quando a ditadura fascista se estabeleceu, dez anos antes da nazista, Mussolini impôs seu partido como único, instaurou a censura e criou um tribunal para julgar crimes de segurança nacional; sua polícia secreta torturou e matou milhares de pessoas. Em 1938, Mussolini deportou 7 mil judeus para os campos de concentração nazista. Sua aliança com Hitler na 2ª Guerra matou mais de 400 mil italianos.

Perdoem-me relembrar fatos tão conhecidos, ao alcance de qualquer estudante, mas parece necessário falar do óbvio quando ser antifascista se tornou sinônimo de terrorista para Jair Bolsonaro. Os direitos universais à vida, à liberdade, à democracia, à integridade física, à livre expressão, conceitos antifascistas por definição, pareciam consenso entre nós, mas isso se rompeu com a eleição de Bolsonaro. O desprezo por esses valores agora se explicita em manifestações, abraçadas pelo presidente, que vão de faixas pelo AI-5 – o nosso ato fascista – ao cortejo funesto das tochas e seus símbolos totalitários, aqueles que aprendemos com a história a repudiar. Jornalistas espancados pelos atuais “camisas negras” estão entre as cenas dessa trajetória.

A patética lista que circulou depois que o deputado estadual Douglas Garcia(PSL-SP) pediu que seus seguidores no Twitter denunciassem antifascistas mostra que o risco é mais do que simbólico. Depois do selo para proteger racistas criado pela Fundação Palmares, e das barbaridades ditas pelo seu presidente em um momento em que o mundo se manifesta contra o racismo, e que lhe valeram uma investigação da PGR, essa talvez seja a maior inversão de valores promovida pelos bolsonaristas até aqui.

A ameaça contida na fala presidencial e na iniciativa do deputado, que supera a lista macartista pois não persegue apenas os comunistas, tem o objetivo óbvio de assustar os manifestantes contra o governo e de açular as milícias contra supostos militantes antifas, dos quais foram divulgados nome, foto, endereço e local de trabalho.

É a junção dos “camisas negras” com a Polícia Militar, que já se mostrou favorável aos bolsonaristas contra os manifestantes pela democracia no domingo passado em São Paulo e no Rio de Janeiro. E que vem praticando o genocídio contra negros impunemente no país desde sua criação, na ditadura militar, muitas vezes com a cumplicidade da Justiça, igualmente racista.

Como disse Mirtes Renata, a mãe de Miguel, o menino negro de 5 anos que foi abandonado no elevador pela patroa branca de sua mãe, mulher de um prefeito, liberada depois de pagar fiança de R$ 20 mil reais, “se fosse eu, a essa hora já estava lá no Bom Pastor [Colônia penal feminina em Pernambuco] apanhando das presas por ter sido irresponsável com uma criança”. Irresponsável. Note a generosidade de Mirtes com quem facilitou a queda de seu filho do 9º andar.

Neste próximo domingo, os antifas vão pras ruas. Espero não ouvir à noite, na TV, que a culpa da violência, que está prestes a acontecer novamente, é dos que resistem como podem ao autoritarismo violento. Quem quer armar seus militantes, e politizar forças de segurança pública, está no Palácio do Planalto. É ele quem precisa desembarcar. De preferência de uma forma mais pacífica do que planejam os fascistas para mantê-lo no poder.

Por: Marina Amaral, codiretora da Agência Pública

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