Terror na Cracolândia

Na tarde desta quinta (1), tivemos mais uma tarde de terror na região da Luz, em São Paulo.

Desde às 14h, recebemos denúncias de violência contra os usuários de drogas que formam o chamado “fluxo”, conhecido popularmente em São Paulo como Cracolândia.

As denúncias estão acompanhadas inclusive, de imagens que compartilhamos aqui.

A rotina de violência vem sendo noticiada pelos Jornalistas Livres há mais de um ano, como por exemplo em https://jornalistaslivres.org/2018/01/inspetor-bomba-foi-promovido-por-doria-junior-e-volta-atacar-cracolandia/ e em https://jornalistaslivres.org/2017/08/moradores-da-cracolandia-sofrem-com-sitio-violento/.

Mas para profissionais da Saúde, da Assistência Municipal do Município e voluntários que trabalham na região, a repressão vem subindo o tom violento, conforme obras da prefeitura e Porto Seguro evoluem no local.

São duas quadras, que incluem as ruas Dino Bueno, Lgo Coração de Jesus, Barão de Piracicaba, Helvétia e Cleveland, onde é possível ver obras adiantadas de torres de prédios de moradia popular que devem ser inauguradas em breve com pompa e circunstância por Doria Jr., já em plena campanha eleitoral para o cargo de governador do Estado.

Segundo o Padre Julio Lancelotti, da Pastoral da Rua, a repressão violenta deve seguir noite adentro, já que os serviços de Saúde e Assistência Social foram acionados pela prefeitura para funcionar diuturnamente. “Não importa para onde vão. A ordem é dispersar. Só não querem eles ali”, afirmou o Padre.

Para ele, a repressão tem relação direta com a proximidade da inauguração dos prédios.

Padre Julio contou ainda que durante o dia houve uma tentativa de negociação para que as pessoas se deslocassem voluntariamente para o final da rua Prates, onde funcionam outros equipamentos municipais, mas a proposta não foi aceita, pois a rua é sem saída, e os o dependentes tem medo de ficarem sem defesa no caso de um novo ataque das polícias.

A Jornalista Livre Joana Brasileiro também esteve hoje na Cracolândia. Veja abaixo, seu relato da situação:

“De um lado o desespero a pressão e o abandono. Do outro, a parte do mundo que tem direito a discutir e ter voz.

Moradores e donos de comércio denunciam que comércios foram fechados, com truculência e repressão e sem intimação ou notificação que valha efetivamente como instrumento legal. Maria, moradora de uma pensão onde paga aluguel, quase foi despejada. Isso só não aconteceu porque ela, como mulher forte que é, reagiu à ação dos agentes da prefeitura, que alegavam que o imóvel onde ela mora era uma ocupação ilegal.

Na porta de casa. Foto de Maria Eugênia Sá – www.mediaquatro.com – 2014

Além do aparato policial ostensivo e violento, a pressão sobre esta população é gigantesca e os deixa muito desorientados.

Alice desabafa com os olhos marejados. “Eu fui pegar meu filho na escola e o GCM passou por mim e ameaçou pegar meu filho e levar para a assistência social. Outro dia um policial entrou na minha casa e agrediu meu marido. Eu moro aqui há oito anos, e ele vem e me diz: ‘Vocês é que moram no lugar errado’ “.

O Fórum Aberto Mundaréu da Luz reúne diversas instituições e pessoas que atuam nas regiões da Luz e Campos Elíseos, formado como reação às ações autoritárias e violentas e com o intuito de orientar moradores do território e monitorar as ações do estado.

Moradores e usuários no Fluxo da Cracolândia. Foto de Maria Eugênia Sá www.mediaquatro.com 2014

Hoje foi mais um dia muito intenso, cheio de violência e violações dos direitos, tanto dos moradores estabelecidos há anos em casas, apartamentos, hotéis ou pensões, como dos chamados usuários da região da Cracolândia. Mas uma rede de pessoas da sociedade civil está procurando acionar a defensoria pública e a ouvidoria a cada sinal e denúncia de violências do estado e acionar instrumentos de possíveis ações, inclusive com a presença pontual de defensores e do auditor da polícia. A partir da presença desses representantes, os funcionários da prefeitura e mesmo os agentes da polícia passam a agir de forma menos desrespeitosa. No dia de hoje conseguiram evitar concretamente algumas ações de lacração e interdição.

Algumas entidades preocupadas com o aumentos das ações nos próximos dias estão elaborando vigílias.

Logo ali, na Rua do Triunfo, no Teatro da Companhia Turma do Faroeste, ocorria o debate “Drogas e Democracia: Desafios em tempos de polarização”, transmitido pela Plataforma Brasileira de Políticas de Drogas (compartilhamos parte do AO VIVO na nossa página do Facebook), que reuniu algumas personalidades entre elas Luciana Boiteux (PSOL) e Preto Zezé (CUFA e FFB).

Falas bastante importantes sobre o que pode vir a ser a agenda da política de drogas, incluindo aí o combate ao encarceramento em massa. Debates assim são fundamentais, principalmente para os diálogos que devem existir neste período eleitoral. Mas que pareciam estar do outro lado da cidade, isoladas da realidade que passava ali na rua depois de mais um dia da rotina de bomba, porta da e violação de direitos.”

Após o fechamento inicial dessa matéria, os colegas do @Na_luta pediram para incluir um último parágrafo:

“São muito os mistérios que permeiam esse esforço do prefeito para aprovar os tais ajustes. Doria sempre afirmou que não era politico. Sim ele é, e dos mais perversos. Higienista e contraditório com os valores da cidade que sempre acolheu a todos. Hoje, com a gestão Doria, a municipalidade se esforça pela em excluir quem não está dentro da sua ‘Cidade Linda’. Aliás, para facilitar, devíamos ler o slogan como ‘Cidade Limpa’, pois o que o projeto pretende de fato é ‘limpar’ as ruas e praças de pobres, negros, moradores em situação de rua, periferia e todo aquele que lhe incomoda a vista do alto do seu quinto andar do prédio da prefeitura de São Paulo“.

O Terror na sombra. Foto de Maria Eugênia Sá – www.mediaquatro.com – 2014

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