Terezinha de Jesus começaria tudo outra vez

Por Júlia Carvalho I agência Saiba Mais 

Por trás do óculos de armação prata, os olhos esverdeados de Terezinha de Jesus ainda são os mesmos que estamparam a capa preta de “Para Incendiar Seu Coração”, em 1981, terceiro LP da cantora. O álbum foi produzido pelo artista Sivuca e ganhou o nome de uma canção escrita por Moraes Moreira, na época integrante do grupo Novos Baianos. O disco é um dos cinco gravados pela artista, que deixou a capital potiguar em 1972 para fazer história no cenário musical do Rio de Janeiro.

Terezinha, que completa 68 anos no dia 3 de julho, será homenageada nesta quarta-feira, às 19h, no Bardallos Comida e Arte. No dia da homenagem, Falves Silva, artista e marido da cantora, vai lançar um fanzine em homenagem à potiguar.

Natural de Florânia, interior potiguar, Terezinha Menezes da Cruz vem de uma família musical. Estimulada por avós e tios, a afeição pela música se estendeu à menina e à irmã, Odaíres Menezes, também artista: “A gente brincava muito, podia ser qualquer um da família, todo mundo tinha talento pra música. Fui fazendo e as pessoas foram gostando até que teve um momento da minha vida que não deu mais pra voltar atrás”, relembra.

Dos grupos de coral na cidade de Currais Novos, no Seridó, a penúltima entre seis irmãos se mudou com a família para a praia dos Artistas, em Natal. No início da fase adulta, optou por cursar Serviço Social na Universidade Federal do Rio Grande do Norte. Contestadora dos bons costumes e preconceitos, a potiguar decidiu largar o curso, do qual se disse decepcionada, e trocar o provincianismo da cidade pelas ruas de Botafogo, na capital fluminense, onde já morava a irmã, Gracie.

“O curso não foi o que eu esperava. Era paternalista, as pessoas queriam levar presente para os pobres… pobre não quer presente, quer trabalho e comida na mesa. Achei um serviço social dissociada da vida, me decepcionei”, desabafa.”Na época, minha irmã morava no Rio e vivia me chamando para uma cidade grande, decidi ir”, conta.

Já no Rio, começou trabalhando em uma companhia de seguros, emprego arranjado por Gracie. Dois anos depois, em 1974, decidiu cursar Licenciatura em Música na UNIRIO, primeira decisão direcionada ao campo musical:

“Foi difícil concluir porque no final eu já estava cantando tanto que não tinha tempo de ir à faculdade. Música você tem que ralar o dia todo. O cantor tem que estar cantando sempre, porque a voz também fica fora de forma. Cantei em muitos lugares“, lembra.

Terezinha nos palcos do Rio de Janeiro: “música tem que ralar o dia inteiro” (foto: acervo pessoal)

No prédio onde morava, vivia também Afonso Celso Garcia, aquele que ganhou de Pelé o título de único homem livre no futebol. Além de percursor da lei de passe livre no país, ‘Afonsinho’ foi também quem levantou a taça Brasil em 1968, pelo Botafogo, o campeonato nacional da época. A amizade do décimo andar da Zona Sul do Rio de Janeiro prolongou os contornos e continua até hoje, através do Whatsapp.

“Ele ia pra Mangueira e me chamava. A gente ficava até de manhã lá, sambando. Ele foi considerado um dos melhores no meio campo. Jogou no Botafogo, no Santos, no Flamengo. Brigou com Zagallo. Hoje escreve pra Carta Capital, eu leio, mas não entendo nada de futebol (risos). Foi um grande amigo que eu tive, abriu muitas portas pra mim e me apresentou a muita gente. Ele conhecia muitas pessoas do meio artístico e aí eu fui fazendo amizade muitas boa”, conta.

Afonsinho, ex-atleta do Botofago (RJ), foi um dos grandes amigos de Terezinha Foto: Arquivo/Folhapress

Uma das amizades feitas através do ex-jogador foi com Abel Silva, escritor e professor de literatura da UFRJ, que anos mais tarde lhe deu a alcunha de Terezinha de Jesus.

De Abel, ganhou a declaração: “É porque gostamos da voz de Terezinha de Jesus mesmo. Da voz e dela própria, mulher tão brasileira, alma musical, afinada, sensível.

Inspirada por Dalva de Oliveira, Orlando Silva e cantoras americanas de Jazz, Terezinha surgiu num cenário pós-tropicalismo e foi influenciada por esse contexto:

“Nesse momento da música brasileira, estávamos em plena ditadura militar. Essa insurgência musical surge na continuidade da história da arte brasileira. A gente era monitorado e a ditadura se mostrava oprimindo os artistas, mesmo os que não dessem opiniões políticas.”

No quarto andar do prédio, a potiguar conheceu Fagner, a quem a cantora considera como um irmão. Na mesma rua, morava ainda o sambista Paulinho da Viola, padrinho musical da artista e o primeiro a lhe apresentar como Terezinha de Jesus.

“Antes todo mundo me chamava de tiazinha. Aí o Abel disse que tinha pensado num nome legal que era Terezinha de Jesus. Eu gostei, achei folclórico. À noite eu estava me preparando pra um show no Museu de Arte Moderna que eu ia cantar com Paulinho da Viola. Estávamos eu, Paulinho, Abel e Capinan. Eles gostaram do nome e o Paulinho me apresentou naquela noite como Terezinha. Foi o primeiro a fazer isso”, lembra.

Ainda em 1975, saiu em excursão para o Nordeste com o grupo liderado por Paulinho da Viola, Suely Costa, Moraes Moreira, Fagner e Gonzaguinha. O final da viagem resultou em um romance de Terezinha com o filho de Luiz Gonzaga, de quem ganhou a música ‘‘Começaria tudo outra vez”, em fita gravada com a voz do cantor e guardada até hoje pela potiguar. Na época, a canção foi gravada por Doris Monteiro.

Três anos depois, a potiguar foi vocalista de Tim Maia, com quem trabalhou por um ano e só saiu em 1979, para gravar o primeiro disco.

“Depois que eu parei de cantar com o Tim, encontrei ele na rua. Ele disse que tinha ouvido meu disco e que depois de gravar eu não queria mais falar com os pobres (risos). Ele era muito engraçado”, revela.

Primeiros discos

Foi através do Projeto Vitrine, da Funarte, de onde saiu a oportunidade de gravar o primeiro compacto, em 1978. Entre 1979 e 1983, Terezinha gravou cinco LP’s. O primeiro disco foi Vento Nordeste (1979), que tinha faixas como Curare, de Bororó, Chorinho, de Paulinho da Viola e Capinan, e Coração Imprudente, cantada com a participação de Paulinho. O nome da capa vinha de uma canção de Suely Costa e Abel Silva, que também estava no LP. Neste primeiro disco, Terezinha ganhou um texto de Capinan:

“Ter minha alma em cada voz índia menina ou potiguar em cada voz
onde outros cães sem plumas além dos curiós e canarinhos outra
voz onde outras almas sejam editadas dos canaviais, das marés,
onde mergulham peixes, cassacos, onde mergulha e emerge nossa
febre de Brasil.
Não seja talvez assim que se apresente uma cantora mas nem de
outra forma se não assim eu sinto essa presença.

As vozes sejam para os poetas editoras de almas e na voz da Terezinha (al)minha exala.”

Terezinha gravou cinco disco numa carreira meteórica que começou nos anos 1970 e foi até meados de 1990.

O segundo LP foi Caso de Amor, de 1980. Na sequência, seu maior sucesso, Pra Incendiar Seu Coração (1981). Depois, Sotaque (1982) e o último, Frágil Força (1983), além de diversos compactos e participações em discos de outros artistas. Entre os principais sucessos da cantora, estão Para Incendiar Seu Coração e Quando Chega o Verão, de Dominguinhos em parceria com Abel Silva. Entre as parcerias musicais, estiveram nomes como João do Vale, Belchior, Sivuca, Lupicínio Rodrigues, Bororó, Mirabô, Capinam, Moraes Moreira e Gonzaguinha.

A rotina carioca era frenética. Entre os bairros da cidade onde morou, estão Botafogo, Laranjeiras, Leblon e Flamengo. O apartamento era dividido entre amigas e uma delas foi a cantora Elba Ramalho, que pediu a ajuda da potiguar no Rio.

“Elba passou um tempo em São Paulo e quando voltou pro Rio não tinha onde ficar. Ela soube da gente. Ela era atriz, na época, e queria me botar pra fazer teatro. E até fiz, mas não gostei. Me sentia mal. Mas cheguei a fazer dois filmes, “O casal”, com Zé Wilker e Beth Faria, e Morte e Vida Severina. Nesse último ganhei uma fala porque o diretor gostou do meu sotaque nordestino”, recorda.

A música Casos de Amor, cantada por Terezinha, chegou a ser trilha sonora da novela “As três Marias”, da Rede Globo, protagonizada pela atriz Glória Pires. A canção foi selecionada pelo cantor Lulu Santos.

Lembrada pela voz afinada e dócil, a trajetória musical no Rio de Janeiro foi interrompida em 1994, com o retorno para Natal. Terezinha havia rompido o contrato com a CBS e não tinha condição de financiar o trabalho de forma independente:

“O mercado pra mim foi ficando parado e mamãe estava ficando velhinha, com princípio de alzheimer”, conta.

Aos 67 anos, Terezinha hoje mora em Ponta Negra e está disposta a gravar um novo disco (foto: Júlia Carvalho)

Em Natal, apresentou-se no Teatro Alberto Maranhão com Belchior, em 1996, e Dominguinhos, em 1997. Agora, a frequência nos palcos está limitada.

“Aqui eu já estou coroa e o ritmo aqui é muito devagar para a música. Mas com essas homenagens eu canto bastante. Tem gente que me chama pra gravar. Esse ano gravei com um Roberto, que é de Natal e mora em Brasília. Ele gravou um disco e me chamou pra cantar. De vez em quando eu trabalho, mas não fico procurando aqui porque os preços de cachê são muito baixos. E tem que ensaiar, montar repertório e tudo isso dá muito trabalho e gasta dinheiro”, desabafa.

A música representa cada vez mais

“Hoje eu penso em gravar, só preciso de alguém que me ajude. A música representa cada vez mais, no sentido de ser amor, dedicação, sentimento. Acho que o interessante da música é você passar isso para as pessoas, coisas boas, suaves. Nesse mundo em que a gente vive é muito bom a música em si. Eu sempre gostei muito por isso. E fazendo eu procuro aprimorar cada vez mais minha voz, minhas ideias, no que eu quero passar paras pessoas.”

Às vésperas de completar 68 anos, Terezinha de Jesus será homenageada no Bardallos (foto: Júlia Carvalho)

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