Curioso que quanto mais o tempo passa mais claro fica que Temer é um pobre coitado do ponto de vista moral e ético. Uma pessoa infame, corrupta, sem carisma e que não cessa de envergonhar o país por onde quer que passe. Suas viagens internacionais se tornaram verdadeiros périplos de humilhação e falta de bom senso e não há um lugar em que ele e seu séquito não se deparem com manifestações contra seu governo e contra sua pessoa.
Ficará na história como exemplo de até onde o mau caratismo,
o cinismo e a covardia podem levar o país quando assumem o poder.
Um político que passou a vida arrastando as asas em torno dos poderosos sem nunca atingir protagonismo significativo e, claramente, um capacho de gravata que vira as costas para a maioria dos brasileiros para atender sem hesitação sua classe social de privilegiados que o sustenta, torce por ele e o mantém.
Acontece contudo que, com esse espírito aprendido durante a ditadura, juntamente com uma parte da ala vendida do PMDB durante o período de exceção, ele chegou ao comando do país realizando imensos estragos e prometendo terra arrasada. É o representante egrégio de um golpe bem sucedido que colocou a teste as instituições brasileiras e o estado democrático de direito, que mais uma vez, cedeu aos ventos do arbítrio, do ocaso e comprovou a ambivalência do não estado de direito, da democracia paradoxal e da incapacidade de reação das forças progressistas à altura da elite predatória que existe no Brasil.
Como uma vez observou Mino Carta:
trata-se da elite mais predatória do mundo.
Bem, hoje testemunhamos uma blindagem impressionante dos 3 poderes, fazendo seus acertos para manter Temer e as reformas de pé, enquanto não houver alternativa acertada entre os mesmos grupos quadrilheiros que conduziram e mantém Michel Temer na presidência. Há nisso tudo um roupagem calamitosa que nos ensinou que instituições como um Superior Tribunal Eleitoral, Câmara dos Deputados, as respectivas Comissão de Constituição e Justiça, Comissão e Conselho de Ética e Decoro, turmas do STF fazem parte de um imenso teatro que encena um faz de conta de democracia para, no final, serem facilmente manipulados por um presidente sem eleitores, determinado a transformar o país num deserto de direitos em que poucos se locupletam e muitos assistem. Testemunhas da própria desgraça.
Pouco a pouco a calamidade pela qual o país passa vai ganhando contornos de uma novela global, hipnotizando seus telespectadores que aguardam a decisão dos autores sobre seu desfecho final. Muitos estão voltando para o sofá aguardando os últimos capítulos, para verter algumas lágrimas com as cenas patéticas e previsíveis que todos esperam numa novela.
– O TSE vai julgar a chapa Dilma-Temer! Suspense!
Uhh! Quase. 4X3 para os quadrilheiros.
– Aécio Neves foi preso. Será solto? Sim, como todos previam, mas não deixa de ser emocionante um acusado conhecido voltar à tribuna do senado para proferir verdades e lições de moral naqueles que o acusaram e bajular os que o libertaram.
– Eduardo Cunha prepara sua delação. Agora vai! Não foi dessa vez. O Deputado que vendeu sua prisão a um custo altíssimo para os brasileiros, e que a justiça brasileira parece manter na cadeia apenas para legitimar a prisão passada e futura dos petistas, prepara-se para negociar agora sua liberdade, após vender seus dias na cadeia a peso de ouro.
Bastam alguns meses de prisão com mesada administrada por sua esposa em liberdade, depois delação premiada e, enfim, liberdade! Uau, quanto suspense na novela da atual crise ética e moral brasileira.
Os personagens do descalabro estão todos aí, daqui a pouco todos em liberdade gozando dos mesmos privilégios, porque a novela vai acabar e os atores voltam para suas casas e os brasileiros realizam que, afinal, era tudo ficção.
Mas quanta emoção! Capítulos empolgantes! Cenas inesquecíveis!
O padrão Globo vigora e define os modos de ver, ouvir e dizer no país não apenas pelo seu jornalismo de última categoria, mas por impor subjetivamente um padrão de interpretação e leitura da realidade novelesco em que tudo termina com o show anual do Roberto Carlos e todos de branco em uníssono cantando que hoje é um novo dia, de um novo tempo no qual se mantém rigorosamente com as velhas repetições e práticas de violência e mando, tal como a música infantil que se repete, infinita e rigorosamente há décadas, nos finais de ano. Lançada em 1971, no auge da ditadura civil-militar, ainda se ouve o bordão da emissora: A festa é sua, a festa é nossa é de quem quiser. Ame-o ou deixe-o.
Terminada a jornada de trabalho sem direito a férias, 13o. e dignidade, num horizonte em que a aposentadoria se tornaria um sonho longínquo para muitos, só resta correr para o sofá e ver as estripulias e traquinagens verossímeis que as elites brasileiras encenam, para nosso entretenimento e descanso, após horas de uma jornada exaustiva de trabalho num Brasil que nunca foi dos brasileiros.
É claro então que Temer não está sozinho, seu cai não cai alimenta uma rede imensa de privilégios e as autoriza como se fosse normal e corriqueiro que ele, para sobreviver, desse início à distribuição de bilhões para emendas parlamentares loteando o orçamento para os parlamentares indignos que se dispõem a apoiá-lo para, em troca, de alimentar seus currais eleitorais. (
Um círculo vicioso blindado se retroalimenta.
Enquanto muitos torcem pela queda de Temer, ele e seu séquito se aproveitam precisamente dessa situação para cometer abusos autorizados e rombos inexoráveis no orçamento da união, com o único objetivo de se manter como distribuidor mor das riquezas nacionais para apaniguados. Do alto ele grita: Estou morrendo, tenho o direito de tentar sobreviver custe o que custar ou custe a quem custar, no caso, nós.
As inúmeras manifestações que ocorreram desde o início do golpe são vigorosas, contundentes e fundamentais mas ainda, infelizmente, não chegaram aos milhões de atingidos pelos retrocessos que caminham a toque de caixa.
Se olharmos de muito perto veremos, para além das encenações dos 3 poderes, nosso próprio espelho e, se nos aproximarmos mais ainda, veremos o retrato dos muitos que sonharam pela democracia, deram a vida por ela e que a cada perda de direitos empreendida são cobertos por um uma véu que encobre sua memória.
Numa obra extraordinária de Oscar Muñoz, um dos artistas colombianos mais importantes da atualidade, ele apresenta uma série de espelhos que o visitante olha e, a princípio, não compreende. Se, curioso, o visitante se aproxima a ponto de o calor da respiração embaçar o espelho. Nesse embaçamento veremos, no fundo, a imagem de um desaparecido colombiano. Por detrás de nossa própria imagem há sempre alguém cuja memória deve ser preservada e que reencontramos, surpreendentemente no ar que respiramos, nos mantém vivos e ainda exala de nossos pulmões.
Hora de desligar a TV e olhar no espelho.