Por Caio Santos, especial para os Jornalistas Livres
Quando disse a um amigo que ia ao teatro assistir a uma peça em homenagem ao Caio Fernando Abreu, ele ironizou: “Para que uma peça em homenagem a ele? O facebook e orkut já fazem isso.”
A sua reação é compreensível. O escritor se tornou um clichê, citações dele aparecem recorrentemente em diferentes perfis das redes sociais: “Não doí mais. Mas dá saudade.” “Tudo que você precisa está na sua alma e em seu coração” “O tempo tem uma forma maravilhosa de nos mostrar o que realmente importa”. Essas e outras frases de efeito motivacionais são recortadas de seus textos e viralizadas na internet. Isto, em parte, fez com que sua obra fosse popularizada. No entanto, também se banaliza. Quantas destes compartilhadores conhecem sobre a vida do autor? E quantos de fato leram os contos originais?
“Caio era um escritor muito marginal, era gay assumido, uma figura underground, libertária, relacionada às drogas e ao sexo. Ficou conhecido no meio por representar a voz de uma geração dos anos 70 e 80, dos jovens que viveram a ditadura, principalmente por uma escrita confessional e intimista, que se volta para dentro.” explica o dramaturgo Juarez Guimarães Dias. “Quando você edita três frases de um conto inteiro, empobrece as frases porque elas perdem o contexto. Então parece que são frases de autoajuda […], mas ele também estava preocupado sobre a ditadura e sobre o que estava acontecendo”.
O espetáculo EuCaio, chegando agora na sua terceira temporada em Belo Horizonte, busca revelar este lado esquecido do autor. Com direção de Juarez Guimarães, os textos e a vida de Caio Fernando Abreu mostram uma consciência atormentada pela perseguição e pela violência política da época, manifestada em cena por um recurso próprio do teatro: o corpo.

O ator Matheus Soriedem se contorce e se mutila, sofrendo pelos horrores da ditadura militar. Brutalizado, sua performance tem como cenário nada mais que um amontoado de carvão, marcando e realmente afetando o ator durante o espetáculo. O diretor confessou que chega a machucar o artista, que recebeu acompanhamento médico para evitar lesões.
Apesar da voz atormertada e do corpo martirizado, o mais assustador do espetáculo é sua atualidade. A cada temporada, seu texto é revisto, acrescentando referências a fatos recentes, porém condizentes com o clima de terror e opressão dos Anos de Chumbo. Os tiros disparados na Marcha das Mulheres Negras em Brasília, as mortes de trabalhadores do MST no Paraná e, em Minas Gerais, a liminar que proibia estudantes de discutirem o impeachment são alguns exemplos mencionados, todos que aconteceram nos últimos meses. EuCaio é uma peça documentário sobre a aflição de um tempo tragicamente próximo, o que torna esta citação de Caio Fernando Abreu, pouco compartilhada, tão adequada aos dias de hoje: “Eu não quero viver em uma ditadura”.
EuCaio está em cartaz no Teatro Marília, de 10 a 19 de Junho de 2016, de sexta-feira a domingo, sempre às 20:00. A entrada é R$20,00 (meia R$10,00). Mais informações (31) 3277-6319.
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