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Saúde

Suspensão de repasses para a saúde mental afeta rede de tratamento em 22 estados e no Distrito Federal

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O Ministério da Saúde (MS) anunciou no final da semana passada a suspensão de repasses no valor de R$ 78 milhões para estabelecimentos que compõe a rede de tratamento da saúde mental em 22 estados e no Distrito Federal. Segundo a pasta, a decisão foi tomada em razão de municípios e prestadores destinatários dos recursos não terem fornecido as informações sobre a produção dos serviços para o Sistema Único de Saúde (SUS) e ela pode ser revertida com a regularização da situação. Contudo, o Conselho Nacional de Saúde (CNS) expressa preocupação com o impacto no tratamento da saúde mental e cobra o fato de que a medida afeta os usuários, não os gestores dos serviços.

A Portaria Nº 3.659 do Ministério da Saúde (MS), publicada no Diário Oficial da União do dia 16 de novembro, determinou a suspensão dos repasses destinados ao incentivo de custeio mensal para Centros de Atenção Psicossocial (CAPS), Serviços Residenciais Terapêuticos (SRT), Unidades de Acolhimento (UA) e de Leitos de Saúde Mental em Hospital Geral, instituições que compõe a Rede de Atenção Psicossocial (RAPS). Ao todo, 319 instituições foram  afetadas. O registro das informações no SUS é utilizado para o monitoramento da prestação de serviços em saúde e para o planejamento de estratégias para o setor.

O ministério aponta que a decisão está prevista na Resolução CIT nº 36, de 25 de janeiro de 2018. O órgão informa que o restabelecimento do incentivo financeiro é condicionado à regularização do registro da produção dos estabelecimentos afetados nos sistemas de informação do SUS. A Portaria aponta ainda que, caso a situação não seja regularizada em até seis meses, os estabelecimentos em falta terão a habilitação revogada, isto é, terão os repasses cancelados de forma definitiva.

A psicóloga e conselheira do Conselho Estadual de Saúde do Rio Grande do Sul (CES-RS), Ivarlete Guimarães de França, diz que a suspensão dos repasses foi discutida no 1º Seminário Nacional de Saúde Mental, realizado nesta quarta-feira (20), em Brasília, um evento preparatório para a 16ª Conferência Nacional de Saúde, que irá acontecer em agosto de 2019, também na capital federal.

Ela destaca que a avaliação dos trabalhadores, autoridades de saúde, usuários e lideranças comunitárias que compõe o controle social é de que a medida terá um impacto negativo no atendimento e também para as finanças dos municípios afetados. “Com a retirada dos recursos, a rede toda é desmontada. O impacto é gravíssimo, principalmente nos municípios com menor estrutura de cuidados. Viamão, por exemplo, vai sofrer um impacto muito grande, porque eram os únicos recursos que eles contavam na RAPS. Isso vai agravar os problemas de saúde mental”, avalia.

Ivarlete diz que o registro das informações é importante e compreende que medidas sejam tomadas quando o processo não é devidamente cumprido, mas ressalta que a crítica é feita ao fato de que a decisão tomada acaba por punir os usuários da saúde mental. “O ministério penalizou os usuários, porque, quando não repassa o recurso, o que o gestor faz é suspender os serviços. A gente quer que eles encontrem outra forma de responsabilizar o gestor que não seja recaindo sobre o cuidado ao usuário”, afirma.

Ao final do seminário, a Comissão Intersetorial de Saúde Mental do Conselho Nacional de Saúde elaborou um documento, aprovado pelos presentes, elencando justificativas técnicas, éticas e políticas para pedir a suspensão da decisão. Ela diz ainda que o documento deverá ser utilizado para subsidiar uma ação civil pública a ser ajuizada pela Defensoria Pública da União (DPU) solicitando em caráter de urgência o restabelecimento dos repasses. “São muitas pessoas que dependem da rede de atenção psicossocial e de saúde mental, pessoas que vivem e moram nos residenciais terapêuticos, pessoas que dependem das internações nos hospitais gerais e nas unidades de acolhimento”, afirma Ivarlete.

Impacto no RS

A suspensão afeta 25 estabelecimentos no Rio Grande do Sul – 12 CAPS, 6 SRTs, 2 UAs e seis hospitais gerais que contam com leitos para a internação de usuários de saúde mental – nas cidades de Porto Alegre, Viamão, Capão da Canoa, Crissiumal, Dom Pedrito, Osório, Frederico Westphalen, Passo Fundo, São Gabriel, Triunfo, Pelotas, Venâncio Aires, Cachoeira do Sul, Taquara, Cacequi, Tapes, Bom Jesus e Santo Antônio da Patrulha (confira a lista dos estabelecimentos afetados pela decisão ao final). Somados, os repasses para os estabelecimentos localizados Estado atingem o montante de R$ 8.709.380,16.

O Ministério da Saúde informa que a rede de atenção psicossocial atendida pelo SUS é composta no Brasil por 2.497 CAPS, 427 SRTs, 27 UAs, 1.492 leitos em hospitais gerais e 3.163 leitos em hospitais psiquiátricos. A previsão de orçamento para a saúde mental para o ano de 2019 é de R$ 1,5 bilhão.

Ivarlete explica que os CAPS são os estabelecimentos responsáveis pelo tratamento de pessoas com sofrimento mental e uso problemático de drogas. Quando estes usuários perdem os vínculos com a família, são encaminhados para um SRT, onde tem uma moradia temporária e recebem tratamento para que possam restabelecer as condições de convívio social. As UAs são os estabelecimentos em que eles retomam o convívio social e os leitos em hospitais são destinados para as pessoas que estão em sofrimento muito grave e temporariamente sem condições de serem atendidas pelos demais serviços.

A Secretaria Estadual de Saúde (SES) diz que a responsabilidade de registrar as informações de produção dos estabelecimentos de saúde mental no sistema do SUS compete aos municípios, que já haviam recebido em janeiro deste ano um ofício do ministério a respeito de irregularidades na prestação destas informações. A secretaria destaca que está em contado com os municípios para verificar o que aconteceu em cada situação individualmente e que alguns deles já atualizaram as informações, sendo então orientados a informarem o MS da situação por ofício para que o repasse seja regularizado.

“Outros estavam, de fato, sem nenhum registro nos sistemas, apesar de estarem realizando os atendimentos. Nesses casos, estão sendo orientados a regularizarem as informações e comunicarem ao MS assim que os registros estiverem normalizados. Dos 25 estabelecimentos listados, apenas um hospital geral não vinha realizando atendimentos de saúde mental, por dificuldades operacionais do prestador (já informado previamente ao MS)”, diz a SES.

A secretaria diz que, com a expectativa de que a situação seja regularizada em breve por municípios e prestadores de serviços, o atendimento aos usuários não deve ser afetado. “Esperamos que, em breve, todos os estabelecimentos e municípios envolvidos tenham regularizado a situação e que, portanto, os repasses sejam restabelecidos”.

Em Porto Alegre, foram suspensos os repasses para o custeio de um residencial terapêutico com 10 vagas (no valor de R$ 240 mil) e de 20 leitos da saúde mental no Hospital de Clínicas (R$ 1.346.426,40). Procurada, a Secretaria Municipal de Saúde informou que as instituições afetadas já prestou esclarecimentos sobre os questionamentos feitos pelo Ministério da Saúde e que espera que os repasses sejam regularizados. Informa ainda que a rede de atenção psicossocial social da cidade não foi impactada pela decisão. Os demais serviços da rede estavam com as informações em dia, segundo a SMS.

Confira os estabelecimentos atingidos:

Centros de Atenção Psicossocial (CAPS)
1) CAPÃO DA CANOA – CAPS Casa do Sol
2) CRISSIUMAL – CAPS Novo Horizonte Pedro Osvaldo Scheid
3) DOM PEDRITO – CAPS Dom Pedrito
4) FREDERICO WESTPHALEN – CAPS Frederico Westphalen
5) OSÓRIO – CAPS I Centro de Saúde Mental Casa Aberta II
6) PASSO FUNDO – CAPS 2 Nosso Espaço
7) PASSO FUNDO – Centro de Atenção Psicossocial Alcool e Drogas Vida (CAPS AD)
8) PASSO FUNDO – CAPS Infantil
9) SÃO GABRIEL – Centro de Atendimento em Saúde Mental
10) TRIUNFO – CAPS I Triunfo
11) VIAMÃO – CAPS II Casa Azul Viamão (CAPS 2)
12) VIAMÃO – CAPS Infantil Viamão

Unidade de Acolhimento – UA
13) PELOTAS – Unidade de Acolhimento Infanto Juvenil
14) VENÂNCIO AIRES – Unidade de Acolhimento Infanto Juvenil

Serviços Residenciais Terapêuticos – SRT
15) CACHOEIRA DAO SUL – SRT tipo 2 (9 vagas)
16) PORTO ALEGRE – SRT tipo 2 (10 vagas)
17) TAQUARA – SRT tipo 2 (10 vagas)
18) VIAMÃO – SRT tipo 1 (6 vagas)
19) VIAMÃO – SRT tipo 1 (7 vagas)
20) VIAMÃO – SRT tipo 2 (5 vagas)

Leitos de Saúde Mental em Hospital Geral
21) BOM JESUS – Instituto de Saúde e Educação Vida – Isev (4 vagas)
22) CACEQUI – Hospital São Luiz Gonzaga – (6 vagas)
23) PORTO ALEGRE – Hospital de Clínicas de Porto Alegre – (20 vagas)
24) SANTO ANTÔNIO DA PATRULHA – Hospital Santo Antônio – (6 vagas)
25) TAPES – Hospital Nossa Senhor do Carmo – (2 vagas)

2014.04.09 – Canoas/RS/Brasil – Centro de Atenção Psicossocial. Saúde mental. Foto: Ramiro Furquim/Sul21.com.br

 

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Saúde

SUS pode ser privatizado com publicação de novo decreto de Bolsonaro

Conselho Nacional de Saúde rechaça a iniciativa, que pode dar os primeiros passos para jogar a saúde pública nas mãos da iniciativa privada e das operadoras de planos de saúde estrangeiras

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Em plena pandemia, ou talvez por isso mesmo, o presidente Jair Bolsonaro lançou o Decreto 10.530, publicado nesta terça-feira, 27, que pretende dar os primeiros passos para a privatização do Sistema Único de Saúde (SUS), para quem as operadoras de planos de saúde norte-americanas têm os olhos voltados. A iniciativa foi rechaçada desde já pelo presidente do Conselho Nacional de Saúde (CNS), Fernando Pigatto, que chama de “arbitrariedade” a intenção do governo federal de privatizar as Unidades Básicas de Saúde (UBS) de todo o país.

“Vamos tomar as medidas cabíveis. Precisamos fortalecer o SUS contra qualquer tipo de privatização e retirada de direitos”, disse Pigatto.

Assinado ontem, 26, o decreto presidencial já está em vigor e institui a Estratégia Federal de Desenvolvimento para o Brasil para o período de 2020 a 2031 e baseado na visão neoliberal e privatista do governo Bolsonaro.

O decreto de Bolsonaro traz diretrizes econômicas, institucionais, de infraestrutura, ambiental e sociais – na qual estão eixos específicos sobre a saúde. Entre eles, “aprimorar a gestão do Sistema Único de Saúde (SUS), avançando na articulação entre os setores público e privado (complementar e suplementar)”. Conforme o documento, o avanço na articulação com o sistema privado de saúde vai aperfeiçoar o setor, “aumentando a eficiência e a equidade do gasto com adequação do financiamento às necessidades da população.”

Após tomar conhecimento do teor do decreto, Fernando Pigatto distribuiu a seguinte nota:

“Nós, do Conselho Nacional de Saúde, não aceitaremos a arbitrariedade do presidente da República, que no dia 26 editou um decreto publicado no dia 27, com a intenção de privatizar as unidades básicas de saúde em todo o Brasil. Nossa Câmara Técnica de Atenção Básica vai fazer uma avaliação mais aprofundada e tomar as medidas cabíveis em um momento em que precisamos fortalecer o SUS, que tem salvado vidas. Estamos nos posicionando perante toda a sociedade brasileira como sempre nos posicionamos contra qualquer tipo de privatização, de retirada de direitos e de fragilização do SUS. Continuaremos defendendo a vida, defendendo o SUS, defendendo a democracia.”

Notícia escondida

Em Porto Alegre, o jornalista Moisés Mendes tratou a questão em seu blog, observando que “os jornais esconderam a notícia sobre o decreto de Bolsonaro que abre a porteira para a privatização das Unidades Básicas de Saúde. Arranjaram um jeito de entregar um serviço essencial do SUS aos amigos de Paulo Guedes”, observou.

“A grande imprensa decidiu esconder a informação. O governo vai arranjar um jeito de transferir recursos públicos para quem atua como ‘operador’ privado na área da saúde. Vão depreciar ainda mais o serviço público e os quadros de servidores para contratar a parceirada da direita. O dinheiro que não existe hoje vai aparecer para construir unidades e remunerar parceiros. Que farão o quê?”, pergunta Moisés.

Segundo ele, o governo poderá até dizer que o sistema continuará público e universal, como manda a Constituição. “Mas a que custo? Quem pagará por essas parcerias é o setor público. Os parceiros vão entrar no negócio da saúde pública por desprendimento, para não ganhar nada?”, indaga o jornalista. “É preciso ver o que está camuflado nesse decreto que abre os estudos para a privatização do SUS, apenas começando pelas unidades básicas”, alertou.

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Saúde

A vulnerabilidade da população negra escancarada pela Covid-19

Sociedade Civil pressiona Congresso para discutir a situação

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Vulnerabilidade pelo Covid-19

Entidades apontam ainda que entre a população negra, quilombolas, mulheres, pessoas presas e moradores de favelas são os mais afetados

Por Alane Reis e Naiara Leite

No último sábado (8) o Brasil alcançou a marca de 100 mil mortes em decorrência do coronavírus. De acordo com a 11ª Nota Técnica divulgada pelo Núcleo de Operações e Inteligência em Saúde (NOIS) da PUC-RJ, entre o número de óbitos, negros são 55% dos vitimados, contra 38% dos brancos. A mesma pesquisa aponta que as pessoas que não concluíram o ensino básico apresentam taxas três vezes maiores de letalidade (71%) ao adquirirem a doença do que pacientes com nível superior (22,5%).

A pandemia tem escancarado as violências do racismo na vida da população negra, das periferias e favelas, dos quilombos e comunidades rurais de todo país. Condições de moradia, saneamento básico, uso de transporte público, ocupações em postos de serviços essenciais fazem com que negros se exponham mais ao risco de adquirirem a doença. Mas além disso, as vulnerabilidades sociais têm agravado a situação da população negra no contexto atual: aumento do índice de pessoas convivendo com a fome e o não acesso a renda básica para suprir as necessidades fundamentais; o desemprego ou o dia a dia dos trabalhos informais; o não acesso a manutenção da educação em método home office; o crescimento das violências do Estado e doméstica; entre outros fatores, expõem as pessoas negras a diversas ameaças à vida e ao bem estar. 

Como forma de enfrentar esta realidade a Frente Parlamentar Mista em Defesa da Democracia e dos Direitos Humanos apresentou no dia 13 de julho um requerimento, para realização de audiência pública junto a Comissão Externa de Enfrentamento à Covid-19 (CEXCORVI) com o objetivo de discutir e incidir nos impactos do coronavírus nas populações negras e quilombolas. 

A Frente Parlamentar é presidida pelo deputado Marcelo Freixo (PSOL – RJ) e é formada por representantes da Câmara, do Senado e da sociedade civil. De acordo com Paola Gersztein, assessora do Instituto de Estudos Sócio-econômicos (INESC) na coordenação do GT de Direitos Humanos da Rede de Advocacy Colaborativo (RAC), o objetivo da audiência é a escuta de especialistas que representam a população negra acerca dos impactos da pandemia e a urgente visibilização que o tema merece, para que assim sejam tomadas medidas necessárias para a proteção e a garantia de direitos. “Nosso objetivo é denunciar, visibilizar e exigir providências do Estado que sempre tratou essas vidas como supérfluas, em um genocídio que se perpetua desde que a primeira pessoa negra foi violentamente arrancada de seu território e escravizada nessas terras”, afirma.

Paola Gersztein destaca que além da formalização do requerimento, as organizações da sociedade civil que compõem a Frente tem buscado apoio junto aos gabinetes dos deputados que fazem parte da CEXCORVI para que a realização da reunião técnica não tarde ainda mais. “Nesse processo, algo já ficou claro: a demora na concretização deste pedido é uma inequívoca expressão de racismo institucional”, enfatizou.

Vulnerabilidade pelo Covid-19
Ação comunitária feita por moradores do Complexo do Alemão (RJ)

O “Novo Normal” do Congresso

Desde o início da pandemia os trabalhos do Congresso Nacional têm sido realizados de maneira virtual. A sociedade civil, por meio da Frente Parlamentar, lançou um manifesto pressionando a garantia de sua participação no processo legislativo e a transparência das decisões tomadas pelo parlamento. Nenhuma medida proposta no manifesto foi acatada pelo presidente da câmara Rodrigo Maia (DEM – RJ). E neste cenário, parlamentares demoram para votar pautas essenciais como PLs de proteção às mulheres, indígenas e quilombolas; e ainda tentam pautar retrocessos de direitos, como foi o caso do “PL da grilagem”.

A Emenda Constitucional (EC 95), chamada da EC do Teto de Gastos, aprovada em 2016 pelo Congresso, resultou na perda de 20 bilhões de reais entre 2018 e 2020 para a saúde pública no Brasil. Os cortes limitaram a capacidade de uma resposta rápida e eficiente à pandemia da Covid-19, prejudicando principalmente as populações mais vulneráveis – ou seja, negras –, que dependem exclusivamente do SUS.

Ainda assim, o Congresso Nacional autorizou desde 20 de março, R$ 500 bilhões de reais para enfrentamento a Covid-19 no Brasil, não só para a saúde, mas diversas ações. Deste montante, apenas 54% já foram executados, o que é insuficiente considerando que é recurso específico para o enfrentamento da crise sanitária, já contamos com quatro meses do decreto de calamidade.

Carmela Zigoni, representante do Fórum Permanente pela Igualdade Racial (FOPIR) na Frente Parlamentar, destaca que ao analisarmos as ações específicas do governo em enfrentamento à pandemia, a melhor execução é a do Auxílio Emergencial, pois trata-se de transferência direta da Caixa Econômica Federal para as contas dos beneficiários. “Do recurso geral destinado ao enfrentamento à pandemia, R$ 254,2 bilhões são reservados ao pagamento do auxílio, e 65,7% deste recurso já foram executados. No entanto, outras ações estão com execução aquém do necessário para a sociedade, como auxílio financeiro aos estados e municípios, com 50,4%; e o benefício emergencial para manutenção do emprego e renda, com execução de apenas 37,4%.  A ação específica de enfrentamento da Covid executou somente 47% do recurso disponível, após 4 meses de crise sanitária”, informa Zigoni, que também é assessora do Instituto de Estudos Socioeconômicos (INESC) e atua no monitoramento do orçamento público.

Os impactos da baixa execução orçamentária é um dos fatores responsáveis para que alcançássemos a triste marca de 100 mil mortos em quatro meses de pandemia. Ainda segundo Zigoni, “se a política fosse feita de maneira responsável, certamente o número de vitimas letais da covid-19 seria menor, principalmente entre negros e quilombolas, cujos territórios não acessam as políticas públicas necessárias”.

Ressalta-se que a política de promoção da igualdade racial e enfrentamento ao racismo foi completamente desmontada após a publicação da EC 95. O Programa 2034: Promoção da Igualdade Racial e Superação do Racismo sofreu uma queda de 80% de seus gastos entre 2014 e 2019, passando de R$ 80,4 milhões para R$ 15,3 milhões no período; quando comparamos 2019 e 2018, a queda foi de 45,7%. A despeito de todas as legislações, conferências nacionais e estruturação da política de igualdade racial desde 1988, o PPA 2020-2023 do Governo Bolsonaro extinguiu o Programa de Promoção da Igualdade Racial e Enfrentamento ao Racismo, bem como qualquer menção às palavras racismo e quilombolas.

Situação da população negra dos Quilombos

Organizações da sociedade civil desde o início da pandemia denunciam que os povos tradicionais, incluindo as comunidades quilombolas, seriam os mais afetados com o contexto, justamente pelo não acesso a direitos fundamentais anteriores. De acordo com a Coordenação Nacional de Articulação das Comunidades Negras Rurais Quilombolas (CONAQ), até o dia 11 de agosto, foram 4.102 casos e 151 óbitos nas comunidades quilombolas. Um destaque revelador da negligência do governo com esta população, é que estes números estão sendo coletados pela própria CONAQ.

“Desde o primeiro óbito, no estado de Goiás, a CONAQ começou o monitoramento diretamente com as lideranças porque o acesso aos dados pelas secretarias de saúde e Ministério é muito complicado. A gente sabe que o número é muito maior do que isso, mas da nossa forma é como estamos conseguindo dialogar com a sociedade sobre a Covid nos quilombos”, afirma Selma Dealdina, quilombola que integra a secretaria da CONAQ. 

Dealdina destaca que até o acesso a informação sobre a situação real do contágio e prevenção ao covid é um desafio enfrentado pelos quilombolas. Realidade vivenciada em muitas comunidades sem o mínimo de acesso a internet e a radiodifusão. “A gente teve várias situações de praticamente linchamento dentro dos quilombos porque muitas pessoas não entenderam que pacientes quilombolas que contraíram o covid estavam curados. O que demonstra o alto nível de violação do direito à informação nos quilombos”. A liderança quilombola denuncia que antes da pandemia a saúde sempre foi um problema sério nos quilombos. “As comunidades não têm acesso a posto de saúde, a médico da família, então, nessa época, também não temos nada garantido”. 

Vulnerabilidade pelo Covid-19
Quilombo de Alcântara, no Maranhão

As Mulheres negras

É um grupo destacado no texto do requerimento apresentado pela Frente Parlamentar como vulnerável neste contexto. Um exemplo disso diz respeito a situação das trabalhadoras domésticas no período da pandemia. Como herança e manutenção da cultura escravocrata (racista e sexista), a maioria dos trabalhadores domésticos no Brasil (62,5%) são mulheres negras, de acordo com dados publicados pelo DIEESE (Departamento Intersindical de Estatísticas e Estudos Socioeconômicos).

A Deputada Federal Áurea Carolina (PSOL – MG), autora do Projeto de Lei (PL 2477/2020), que propõe a garantia da integridade do salário para trabalhadoras domésticas e a manutenção de todos os direitos trabalhistas durante o estado de calamidade pública, comenta a importância de construir uma política que defenda essas trabalhadoras.

“As terríveis mortes de Cleonice, infectada com covid-19 pela patroa que voltou da Itália, e Miguel Otávio, que há dois meses caiu do prédio onde sua mãe trabalhava, foram causadas por negligência e desumanização, decorrências diretas do racismo estrutural. Esses casos reforçam a urgência pela aprovação do projeto de lei 2477/20, para proteger as trabalhadoras domésticas durante a pandemia e garantir a elas o direito ao isolamento”, comenta a deputada.

Outro projeto de lei sobre o trabalho doméstico no período da pandemia que merece destaque é o PL 3977/2020, de autoria dos deputados federais Benedita da Silva (PT – RJ) e Helder Salomão (PT – ES). O projeto propõe que os empregadores domésticos que liberaram as trabalhadoras para o isolamento social mantendo a remuneração tenham desconto de abatimento equivalente no pagamento do Imposto de Renda.

O trabalho doméstico já foi pauta em destaque na agenda pública brasileira no contexto da pandemia algumas vezes. A morte de Cleonice, a primeira vítima letal da Covid-19 no Brasil, foi uma delas. Outra situação emblemática foi quando o governador do estado do Pará, Helder Barbalho (MDB), decretou que entre as medidas de prevenção e contenção da pandemia no estado, o trabalho doméstico deveria ser considerado como atividade essencial.

Enquanto isso, após cinco anos de cortes de recursos na política de mulheres, em 2020 o Ministério de Direitos Humanos (MDH) teve 425 milhões em recursos autorizados, porém, menos de 3% tinha sido gasto até maio deste ano. Carmela Zigoni destaca que “as mulheres negras periféricas e quilombolas são as mais vulneráveis no contexto da Covid-19, e é urgente que a ministra Damares Alves realize políticas com estes recursos para aliviar a violência e insegurança destas mulheres”.

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Mulher Quilombola

População negra encarcerada

As prisões brasileiras registraram no início de junho um aumento de 800% nos casos de infecção pelo novo coronavírus em relação a maio, segundo balanço divulgado pelo CNJ (Conselho Nacional de Justiça). A situação da população carcerária no Brasil é outro contexto explícito do funcionamento do racismo institucional. O país possui a terceira maior população carcerária do mundo, com quase 800 mil pessoas presas, segundo dados do Departamento Penitenciário Nacional (Depen). Deste total, 65% são negros. A superlotação e as condições de baixa higienização nos presídios preocupam especialistas, ativistas e familiares de presos desde o início da pandemia.

Leonardo Santana, assessor de advocacy da Rede de Justiça Criminal, comenta que a pandemia do coronavírus ao atingir o sistema prisional, expos pessoas presas e trabalhadores à morte. “A superlotação torna impossível o distanciamento exigido para conter a propagação do vírus. Além disso, a ausência de equipes de saúde, água e itens de higiene contribui para que os números sobre a doença nas unidades prisionais sejam proporcionalmente superiores ao da população em liberdade. A visita de familiares foi suspensa em todo o Brasil e com ela a assistência material que supre em parte a omissão estatal, agravando o quadro de desespero intra e extramuros”, comenta Santana.

De acordo com as informações do Depen até o dia 3 de julho apenas 2,18% dos mais de 748 mil presos no país foram testados. O Conselho Nacional de Justiça, através da Recomendação 62, listou orientações ao Judiciário para evitar contaminações em massa da Covid-19 no sistema prisional e socioeducativo. A Recomendação vem sendo ignorada pelo sistema de Justiça. No Legislativo, os projetos de lei 978/2020 e 2468/2020 construídos em conjunto pela sociedade civil e parlamentares pretendem dar uma resposta para o problema. 

Diante deste contexto as organizações da sociedade civil que compõem a Frente Parlamentar Mista em Defesa da Democracia e pelos Direitos Humanos tem pressionado o Congresso Nacional para cobrar dos poderes executivos a realização de ações que protejam a população negra no Brasil. A sociedade civil segue pressionando o Congresso para agendamento da audiência, onde os parlamentares poderão ouvir especialistas nos temas da saúde e do orçamento, além de organismos internacionais e movimentos negros. Os poderes executivos seguem dando sinais do afrouxamento das medidas de isolamento, mas os números de contágio e morte continuam crescendo a cada dia. “O vírus é invisível, mas as ações do governo de descaso com nossas vidas são bastante visíveis. Somos nós que estamos morrendo e o cenário é desolador”, reafirmou Selma Dealdina, liderança quilombola da CONAQ. 


(1) https://reformapolitica.org.br/2020/03/25/organizacoes-da-sociedade-civil-pedem-transparencia-e-garantia-de-participacao-nos-trabalhos-do-congresso-durante-pandemia-de-coronavirus/

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Saúde

Boca de Rango. Um grito sobre as nossas urgências

Minidoc mostra as ações sociais colaborativas na região da Luz

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Boca de Rango

Boca de Rango é um mini-documentário que mostra a realidade de quem está vivendo essa pandemia na linha da necessidade e do medo. Um documento audiovisual do tempo de agora. Um grito sobre as nossas urgências.

O Teatro de Contêiner Mungunzá tornou-se, neste momento, um importante ponto de assistência social e defesa dos diretos humanos do centro de São Paulo, no bairro de Santa Ifigênia.

Boa de Rango. 600 pessoas são atendidas diariamente com entregas de refeições, kits de higiene, cobertores, águas, roupas, cestas básicas e máscaras, movimentando também uma rede de, aproximadamente, 40 trabalhadores(as) ativistas no território.

Boca de Rango
Boca de Rango
Boca de Rango

Cuidar, denunciar e sonhar.

Realização: https://www.instagram.com/ciamungunza / @teatrodeconteiner / #mungunzadigital

Produção: https://www.instagram.com/mangueio_

Rede de afeto

https://www.instagram.com/coletivo_temsentimento
https://www.instagram.com/pagodenalata
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https://www.instagram.com/ccedelei
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