Sobre o golpe na Bolívia

Evo Morales testa o carro elétrico desenvolvido na Bolívia. Setembro/2019. (Reprodução/twitter)

No início de 1952, a Bolívia vivia uma grave crise eleitoral, que resultou na subida ao poder de uma junta militar. Em abril daquele ano uma convulsão social varreu o país, em um processo revolucionário de caráter nacionalista, uma verdadeira revolta popular que levou ao poder, Victor Paz Estenssoro, que havia sido o candidato vencedor das eleições, de perfil reformista, e líder do MNR (Movimento Nacionalista Revolucionário). Mineiros e camponeses aliados a militares nacionalistas formaram a força motriz desse movimento. O exercito foi totalmente derrotado. Foram criadas por todo o país milícias populares formadas por sindicatos, que assumiram o poder de policia nas ruas. A partir daquele momento, a Bolívia passou por um amplo processo de modernização e valorização da classe trabalhadora, com nacionalização das principais minas e aplicação da reforma agrária. Esse processo de reformas nacionalistas durou até 1964, quando ocorreu um golpe liderado pelo general René Barrientos, que era vice na chapa do próprio Estenssoro e que contou com o apoio do Governo dos EUA, dando início a um grande retrocesso social.

Em 1953, ainda no período inicial da revolução, viajava pela Bolívia um jovem aventureiro, de nome Ernesto Guevara de La Senra, que aos 24 anos ficou empolgado com o processo social que ali ocorria. Hoje o mundo fica estarrecido com a ocorrência na Bolívia do mais violento golpe militar do século XXI, disfarçado de “renuncia do presidente”.

Não houve pressão popular pela renuncia. O que houve foram hordas fascistas armadas, alimentadas por policiais, mercenários e integrantes de falsas igrejas evangélicas, todos previamente acertados com as FFAA, que se “fingiu de morta” e nada fez para impedir a barbárie, passando a falsa impressão de que não houve participação militar. Houve sim, por omissão. A posição das FFAA foi decisiva para a consolidação do golpe.

Por trás desse golpe militar, travestido de renuncia, está a não aceitação, pela burguesia branca boliviana, do poder nas mãos de um nativo originário, um “colla” que representa a maioria da população, além dos interesses imperialistas de olho no lítio, mineral utilizado na produção de baterias pelas indústrias de alta tecnologia. Hoje, seu celular e os de todos, funciona com baterias de lítio e seu futuro carro elétrico será movido por ele também. O lítio é hoje, estrategicamente, mais importante do que o petróleo. A Bolívia tem a maior reserva de lítio do mundo, praticamente inexplorada, equivalente a metade da que existe no planeta. Morales optou pela extração e industrialização do litio por empresas nacionais, e chegou há poucas semanas atrás, a lançar um veiculo elétrico totalmente produzido na Bolívia.

De nada valeram os excelentes índices de crescimento da economia boliviana, os melhores da America Latina, que conforme projeção do Fundo Monetário Internacional (FMI), divulgada em outubro/19, sinalizam um avanço de 4% do Produto Interno Bruto (PIB), isso além de uma média de 5% de crescimento na ultima década.

Está claro que assim como produziram um golpe no Brasil para se apoderarem das imensas reservas de petróleo localizadas no Pré Sal, também na Bolívia, a questão eleitoral foi apenas um pretexto para mais essa tragédia latina.

Não houve renúncia, houve golpe.

– Por Sérgio Prata

COMENTÁRIOS

Uma resposta

  1. Com tanta clareza sobre a pressão e disputa por “recursos naturais”, hoje aliás afirmados como bem comum, e reconhecidamente estrategicos para a saude e a economia no mundo…po que voces nao abordam com mais enfase o tratamento dado a politicas ambientais pelo mundo, inclusive pautando essas relações geopoliticas? É muito importante fazer essas conexoes e falar sobre isso. Ajudem a mudar essa logica, onde tem crime ambinetal tem corrupção, perdas de territorio, problemas sociais enormes…

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