A semente é o primeiro elo da cadeia alimentar. É dela que tem origem todos os alimentos, digo os que estão sempre à mesa como o arroz, o feijão, o milho . A semente crioula é o tipo mais antigo, e é o natural. Ao contrário da semente transgênica, tão utilizada nos dias de hoje, a semente crioula não passou por nenhuma modificação genética por meio da interferência humana.
As sementes crioulas são sustentáveis, primeiro, porque não degradam o meio-ambiente. Segundo, porque dos alimentos produzidos a partir delas, pode-se produzir artesanatos. É o caso da palha de milho.
Ela permanece intacta e conservada em um paiol por até dois anos. Já a palha do milho transgênico não dura dois meses.
Mas o maior problema dos transgênicos é a destruição da natureza, com toda certeza. O problema é tão grave no Brasil que a água hoje é um bem ameaçado. Como bem disse Antônio Vicente, guardião de sementes, a falta de água “já doeu na pele, já queimou”.
Conhecimento. Outra palavra que tem tudo a ver com as sementes crioulas.
A alimentação adequada é um direito humano e social previsto na nossa Constituição Federal. Significa tanto que as pessoas devem estar livres da fome e da desnutrição mas também com acesso a uma alimentação adequada e saudável. O conhecimento começa aí. Na barraca das sementes crioulas, instalada na Feira de Artes e Cultura da Reforma Agrária do MST, que acontece em BH entre os dias 20 e 24 de julho, quem visita pode “conhecer” as sementes crioulas e ainda ter acesso a uma cartilha informativa, produzida pelo Conselho Nacional de Segurança Alimentar de Minas Gerais, o Consea.
Antônio é guardião de sementes crioulas há seis anos. Ele faz parte do Conselho Municipal em São João Del Rei, no Campo das Vertentes. Ele veio para o Festival da Reforma Agrária trocar sementes crioulas e partilhar conhecimento. Não imaginou que a troca seria tão profunda.
Trouxe sementes de milho, ervilha, feijão, arroz de vários tipos, quiabo, almeirão, jiló e outras.
Recebeu em troca de suas sementes as de mucumo, fava vinagre, moringa, que é uma árvore cheia de nutrientes, melancia comum, que seu Antônio queria muito, e mamão. A cada troca, vem o valioso conhecimento junto: do mamão por exemplo, ele não sabia que se retirava as sementes da segunda arremessa da colheita, e não da primeira.
A barraca das sementes crioulas está sempre cheia de gente. O que é bom e esperançoso. As pessoas querem o conhecimento. Muitas delas chegam a seu Antônio e vão perguntando: vende, né ? Ele, sempre simpático e atencioso, explica a tradição: “as sementes crioulas não podem ser comercializadas. A alimentação deve ser uma troca, como antigamente. Vamos começar de grão em grão. O dinheiro não tem poder, tem serventia. O poder é a semente, pois ela alimenta”.
Conforme explica seu Antônio, pra ser um guardião de sementes, tem que ter caráter e responsabilidade, e também o conhecimento. Segundo ele, guardar sementes é como um jogo: não se pode colocar todas as cartas na mesa.
Não há muitos guardiões de sementes. Mas o caminho está dado: é preciso recuperar a biodiversidade. Pra se ter uma ideia de como ela está ameaçada, o milho de uma semente transgênica demora dois meses para crescer, enquanto das sementes crioulas o tempo é da natureza: por volta de seis meses. Dá pra imaginar o tanto de água que se gasta para adiantar esse processo de produção, não é?
É por causa desse respeito à Mãe Terra que as sementes crioulas proporcionam, que é importante resgata-las. Há ainda muitas em extinção, que precisam ser recuperadas. Seu Antônio vai continuar na busca. E é cada surpresa boa: uma indiana descobriu 3 mil espécies diferentes de arroz: “Se tem isso de arroz, imagina quantas espécies de feijão não há?”, pergunta, com os olhinhos brilhando de satisfação.
O resgate das sementes crioulas é bom pra natureza e bom para todos os seres vivos que nela habitam: “você não consegue uma galinha de qualidade sem um milho de qualidade, um porco de qualidade sem um milho de qualidade, você não tem uma vaca ou um leite de qualidade se você não tem um milho de qualidade, e você não tem um cavalo bom pra andar se não tem o milho de qualidade. Antigamente eles falavam que o agrário tomava a terra do grande pra dar pro pequeno produzir. Hoje o agrário pra mim é o seguinte: quem trabalhar com a produção certa, sem veneno, com qualidade, e se seu produto tiver etiqueta, tem exportação. Os outros países querem. Se você não estiver preparado, você não vai. Lá fora não querem veneno, então nós não podemos deixar nosso país produzir e consumir veneno! Se estamos com dificuldade com alimentação dentro do nosso país, como vamos exportar? Primeiro nós temos que matar a fome de quem tem fome”.
Na sexta à noite Antônio estava muito animado. Havia preocupação com a grande saída das sementes, que podiam acabar antes do festival, mas a partilha realmente está valendo a pena. Ele havia ganhado mudas de ervas medicinais em troca de sementes. “Incrível como as sementes crioulas puxam as ervas medicinais”. Realmente, das sementes crioulas saem as melhoras coisas: alimentos saudáveis e saberes para todo mundo.