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Comportamento

SEMANA INCLUSIVA: A intimidade da mulher com deficiência na mídia de massa brasileira

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As mulheres com deficiência historicamente foram deixadas à margem em todos os âmbitos da vida. No campo da pesquisa e no acadêmico há pouquíssimas obras que falem sobre elas, e são ainda mais escassas aquelas que se referem a suas potencialidades e possibilidades. Partindo de um discurso massivo, como é o da telenovela brasileira, o objetivo da jornalista, professora  e pesquisadora interdisciplinar Melina Ayres com seu recém-lançado livro A intimidade da mulher com deficiência: uma etonogradia de tela interdisciplinar  é contribuir com um novo olhar sobre essas mulheres, “mostrando como a deficiência não é uma grande tragédia pessoal, mas um modo de vida possível”. Ela aponta, todavia, que as mudanças de valores da sociedade brasileira espelhadas pela cultura de massa têm um caráter marcadamente seletivo do ponto de vista socioeconômico.

Atualmente vivem no país 45,6 milhões de brasileiros/as que possuem alguma deficiência. Destes 26,5% são mulheres, conforme o censo de 2010 (IBGE, 2013). Embora tanto homens quanto mulheres com deficiência estejam sujeitos às violências e outras formas de exclusão social, as mulheres estão em dupla desvantagem, acentua a pesquisa. “Por conta de uma complexa discriminação baseada em gênero e deficiência, as mulheres consequentemente enfrentam uma situação peculiar de vulnerabilidade que poucas pessoas conhecem”, analisa Melina, que é professora do Curso de Jornalismo da UFSC. A hierarquia econômica apresenta, segundo a pesquisa, um terceiro elemento dificultador que vai complexificar ainda mais as possibilidades de conquistar um tratamento respeitoso para as mulheres de baixa renda.

Entre as vivências humanas, a deficiência é uma das menos pautadas pelas mídias comerciais, que têm a capacidade de colocar determinados temas na agenda de discussão do país, e podem influir na promulgação de leis, na distribuição orçamentária, e no modo como tratamos nossos próximos no cotidiano, como enfatiza a apresentação da obra. No Brasil o discurso midiático de ficção que possui maior trajetória e alcance são as telenovelas, entendidas por Melina como “campos de batalha simbólicos onde se negociam e divulgam novas e antigas concepções e (pre)conceitos que estão presentes em nossa sociedade”. Uma vez que a temática é incorporada a uma telenovela há grande possibilidade de que ela seja debatida pela sociedade.

Mudança de valores em relação à intimidade da mulher com deficiência é seletiva, analisa Melina Ayres

Marcada por um distanciamento ético e estético no sentido de observar avanços e problematizar recuos e contradições nas representações da mulher com deficiência, o livro parte da análise crítica da narrativa proposta pela telenovela Viver a Vida (escrita por Manoel Carlos e veiculada na Rede Globo, entre 2009 e 2010) e pelo Blog Sonhos de Luciana, focado na história da personagem Luciana, interpretada por Alinne Moraes. A telenovela serve de ponto de partida para um debate mais amplo sobre a experiência da deficiência a partir do universo da corporeidade e da sexualidade de uma mulher com paraplegia. “A escolha dessa telenovela para o estudo se deveu, entre outras coisas, ao fato de que a ficção dialoga com a Convenção sobre os Direitos das pessoas com deficiência”, explica Melina.

A partir de uma perspectiva interdisciplinar, apoiada em três campos de conhecimento, a Comunicação Social, a Antropologia e os Disability Studies em sua interface com os Estudos de Gênero, o livro discute questões como o cuidado e o sistema de suporte; o corpo e o reconhecimento de suas novas condições e potencialidades e a sexualidade das mulheres com deficiência. É uma obra de referência para o campo da deficiência, mas também para a Comunicação Social, a Antropologia e para o campo dos estudos feministas e de gênero.

A publicação é resultando de uma pesquisa desenvolvida, entre 2011 e 2015, no Doutorado Interdisciplinar em Ciências Humanas da Universidade Federal de Santa Catarina, com orientação da professora Carmen Rial e coorientação do professor Adriano Henrique Nuernberg. Os professores, que além de orientar a autora assinam o prefácio e a apresentação da obra, enfatizam que a pesquisa aplica uma inovadora metodologia proveniente da antropologia visual – a etnografia de tela. Carmen destaca as conclusões do livro em relação às mudanças de comportamento da sociedade sobre a subjetividade dessas mulheres. Segundo Carmen, a obra denuncia que a inserção gradativa dos indivíduos com deficiência tem ocorrido de forma cada vez mais seletiva na sociedade brasileira: “A posição na hierarquia econômica desempenha papel decisivo nas possibilidades abertas ou nos limites a serem enfrentados”.

No intuito abordar a deficiência apartir de um relato distinto ao da telenovela, o texto do livro foi organizado seguindo a circulação de Luciana entre os espaços de sua moradia. “O prazer de ler A intimidade da mulher com deficiência cresce a medida em que avançamos nas páginas e nos espaços dos apartamentos habitados por Luciana desde que ficou tetraplégica – a sala, quarto, banheiro”, comenta Carmen Rial.

Sobre a metodologia de análise, Adriano Nuernberg anota que, de modo instigante, o livro conduz o leitor a se aproximar paulatinamente dos contextos mais íntimos da protagonista, obedecendo a essa lógica espacial que serve de metáfora à lógica da etnografia. Assim, Melina segue das cenas realizadas em cenários da sala até aquelas que adentram à vida sensual, sexual e afetiva, no banheiro e no quarto de Luciana.

Sexualidade da mulher com deficiência: temática pouco admitida pela cultura midiática brasileira

A autora:

Melina de la Barrera Ayres é doutora Interdisciplinar em Ciências Humanas pela Universidade Federal de Santa Catarina (2015), mestra em Jornalismo (UFSC, 2009) e bacharel em Comunicação Social – Jornalismo pela Universidade Católica do Uruguai (2006). Há mais de dez anos realiza pesquisas no campo da Comunicação social, com especialidade na linguagem audiovisual.  Seus estudos centram-se fundamentalmente nas representações das identidades culturais, gênero e deficiência.

Serviço:

Título: A intimidade da mulher com deficiência: uma etnografia interdisciplinar

Editora: Insular, 2017.

Autora: Melina Ayres

Lançado no marco do 11º Fazendo Gênero, no dia 31 de julho.

À venda na Livraria Livros e Livros e no site da editora: www.insular.com.br

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Quilimérios, um povo isolado entre belas rochas de Minas

Vídeo revela os moradores remanescentes que habitam há quase dois séculos uma área próxima à divida com a Bahia

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Quem percorre o Vale do Jequitinhonha no extremo Nordeste de Minas, quase divisa com o sul da Bahia, vê ao longe um conjunto de belas pedras de granito como se tivessem sido despencadas numa chuva de meteoritos. É difícil passar por ali e conter a vontade de ir ver de perto, afinal, a pacata e hospitaleira cidade de Rubim fica logo ali. Pois bem, foi neste belo lugar que um antigo quilombo volante, certamente vindo do interior da Bahia, resolveu se fixar de vez, esquecendo-se do tempo e da chamada civilização, vivendo ali esquecido, isolado. São os Quilimérios, um nome de origem desconhecida.

Uma equipe de cineastas e jornalistas de Belo Horizonte esteve lá e fez o interessante curta-metragem chamado Quilimérios, um documentário de 24 minutos que trata da história deste povo que vive isolado desde o século XIX, na parte mineira do Vale do Rio Jequitinhonha, que logo depois deságua no litoral baiano. Escondidos entre altas pedras de lugares quase inacessíveis, os Quilimérios ainda são desconhecidos por muita gente que vive até mesmo na própria região.

O curta Quilimérios conta um pouco da história deste povo, mostra cenários deslumbrantes e lugares quase intocados do Baixo Jequitinhonha, filmados praticamente com celular e drone, “o que o torna um produto experimental e inovador”, afirma Emerson Penha. O diretor do curta revela que ir a esta comunidade e fazer o documentário foi muito significativo: “É impressionante, nos dias de hoje, com tanta tecnologia, um povo permanecer isolado. Por outro lado, é importante poder mostrar que o mundo tem lugar para todos, independentemente do seu jeito de ser e viver. Todos têm direito a viver como desejam e isso precisa ser respeitado”, observa.

Na região do Baixo Jequitinhonha, divisa entre Minas Gerais e Bahia, as pedras gigantes marcam o caminho do rio. A muralha natural isola tudo, até mesmo a passagem do tempo. Nesse cenário, os Quilimérios vivem como no século XIX. Para eles, o isolamento foi a única opção e até hoje o mistério de sua existência permanece. A explicação sociológica mais razoável é que seriam remanescentes dos quilombos volantes, grupos nômades formados por afrodescendentes que escapavam do cativeiro, indígenas expulsos de suas terras e mesmo brancos que fugiam das cidades por diversas razões.

A história que se conta entre várias gerações na região de Rubim, cidade mais próxima e de pouco mais de 10 mil habitantes, é que esse grupo de pessoas foi formado a partir da fuga de um ex-escravo, Juca Preto, contratado por um fazendeiro da vizinha cidade de Pedra Azul para matar alguém importante. Após cometer o crime, Juca fugiu para a região onde seus descendentes vivem até hoje e que permanece quase inacessível. Ali só se chega a pé ou a cavalo. Na fuga, Juca levou uma índia, com quem teria dado início à família dos Quilimérios. São pessoas muito reservadas, que cultivam costumes antigos e têm hábitos comportamentais como o casamento endogâmico. Atualmente restam apenas alguns quilimérios remanescentes, já que as novas gerações vêm se transferindo para Rubim.

Quilimérios é um filme de Emerson Penha, com música de Túlio Mourão, fotografia de Fábio Damasceno, produção de Zu Moreira, edição de Rafael Diniz (Fiel) e argumento de Tião Soares.

Confira o vídeo acima indo ao Youtube.

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Chacina

Cuiabá nas ruas contra do racismo, o fascismo e o genocídio

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Da: MediaQuatro especial para os Jornalistas Livres

Desde de 2019, com as manifestações contra os cortes na educação e a deforma da previdência, Cuiabá não juntava tanta gente nas ruas. E talvez nunca tenha havido tamanho contingente policial, incluindo helicóptero, para o improvável caso de “vandalismo”. Mas era mesmo de se esperar. Afinal, o racismo estrutural brasileiro em uma das capitais mais conservadoras do país exige que se trate os pretos e pretas sempre como potenciais criminosos. BASTA! O país não pode mais conviver e não conseguirá sequer viver como nação integral enquanto houver preconceitos que se refletem em práticas cotidianas e políticas públicas que oprimem e excluem a maior parte da população.

Texto e fotos: www.mediaquatro.com

Texto e fotos: www.mediaquatro.com

Chegamos a um ponto no Brasil que não é mais suficiente não ser racista. É preciso lutar contra o racismo, nas ruas, nas redes, nos campos e nas casas. E a luta antirracista é central na derrubada do governo Bolsonaro e suas políticas genocidas na economia, na segurança pública e na saúde. Foi por isso que, apesar da necessidade de se intensificar o isolamento social, fomos à Praça Alencastro e marchamos pelas avenidas Getúlio Vargas, Marechal Deodoro, Isaac Póvoas e BR 364 para retornarmos à Praça da República sem qualquer incidente.

Texto e fotos: www.mediaquatro.com

Assim como em outras cidades e estados por todo o Brasil, em Cuiabá e Mato Grosso os negros e negras são maioria e são exatamente os corpos pretos os mais encarcerados, os pior pagos, os que vivem nos lugares mais distantes, os que mais precisam trabalhar fora de casa durante a pandemia (e muitas vezes sem sequer os equipamentos de proteção adequados) e os que mais são atingidos pela Covid-19. Isso não é uma coincidência. É resultado de quase 400 anos de escravidão formal, que em Mato Grosso também vitimou indígenas em larga escala, e de uma abolição inconclusa que indenizou os “proprietários” de pessoas mas nunca pagou a dívida histórica com quem sente na pele seus efeitos até hoje.

Texto e fotos: www.mediaquatro.com

É fato que o assassinato do estadunidense negro George Floyd foi o estopim dos protestos antirracistas em todo mundo e também no Brasil, onde houve atos em pelo menos 20 cidades, incluindo São Paulo, Rio de Janeiro, Brasília e Recife. Mas por aqui, as mortes do menino Miguel, do adolescente João Pedro e dos jovens em Paraisópolis, só pra citar alguns casos mais representativos nos últimos seis meses, demonstram cotidianamente o que significa ser alvo do preconceito, da polícia e das políticas.

Texto e fotos: www.mediaquatro.com

Desse modo, derrubar o governo o quanto antes o governo do fascista que ocupa a presidência é indispensável para conseguirmos combater a epidemia de forma minimamente eficiente. E tirar apenas o presidente não é suficiente, porque seu vice e ministério são igualmente racistas, como está provado em entrevistas antes mesmo das eleições, em pronunciamentos em eventos e na fatídica reunião ministerial.

Texto e fotos: www.mediaquatro.com

Enquanto não derrubarmos as políticas estúpidas da “guerra às drogas”, do encarceramento em massa, da concentração de renda, do agronegócio acima da agricultura familiar, não há presente para o país. E enquanto não investirmos em políticas públicas de igualdade racial e de gênero, de proteção às minorias e à diversidade, e de promoção dos direitos humanos a TODOS e TODAS, incluindo a punição de policiais assassinos, milicianos e racistas, não haverá futuro também.

 

 

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#EleNão

Os camisas negras de Bolsonaro

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Mais de 1 milhão de crianças, 2 milhões de mulheres e 3 milhões de homens foram submetidos ao assassinato e à tortura de forma programada pelos nazistas com o objetivo de exterminar judeus e outras minorias. Nos primórdios da Itália fascista, os camisas negras – milícias paramilitares de Mussolini – espancavam grevistas, intelectuais, integrantes das ligas camponesas, homossexuais, judeus. Quando a ditadura fascista se estabeleceu, dez anos antes da nazista, Mussolini impôs seu partido como único, instaurou a censura e criou um tribunal para julgar crimes de segurança nacional; sua polícia secreta torturou e matou milhares de pessoas. Em 1938, Mussolini deportou 7 mil judeus para os campos de concentração nazista. Sua aliança com Hitler na 2ª Guerra matou mais de 400 mil italianos.

Perdoem-me relembrar fatos tão conhecidos, ao alcance de qualquer estudante, mas parece necessário falar do óbvio quando ser antifascista se tornou sinônimo de terrorista para Jair Bolsonaro. Os direitos universais à vida, à liberdade, à democracia, à integridade física, à livre expressão, conceitos antifascistas por definição, pareciam consenso entre nós, mas isso se rompeu com a eleição de Bolsonaro. O desprezo por esses valores agora se explicita em manifestações, abraçadas pelo presidente, que vão de faixas pelo AI-5 – o nosso ato fascista – ao cortejo funesto das tochas e seus símbolos totalitários, aqueles que aprendemos com a história a repudiar. Jornalistas espancados pelos atuais “camisas negras” estão entre as cenas dessa trajetória.

A patética lista que circulou depois que o deputado estadual Douglas Garcia(PSL-SP) pediu que seus seguidores no Twitter denunciassem antifascistas mostra que o risco é mais do que simbólico. Depois do selo para proteger racistas criado pela Fundação Palmares, e das barbaridades ditas pelo seu presidente em um momento em que o mundo se manifesta contra o racismo, e que lhe valeram uma investigação da PGR, essa talvez seja a maior inversão de valores promovida pelos bolsonaristas até aqui.

A ameaça contida na fala presidencial e na iniciativa do deputado, que supera a lista macartista pois não persegue apenas os comunistas, tem o objetivo óbvio de assustar os manifestantes contra o governo e de açular as milícias contra supostos militantes antifas, dos quais foram divulgados nome, foto, endereço e local de trabalho.

É a junção dos “camisas negras” com a Polícia Militar, que já se mostrou favorável aos bolsonaristas contra os manifestantes pela democracia no domingo passado em São Paulo e no Rio de Janeiro. E que vem praticando o genocídio contra negros impunemente no país desde sua criação, na ditadura militar, muitas vezes com a cumplicidade da Justiça, igualmente racista.

Como disse Mirtes Renata, a mãe de Miguel, o menino negro de 5 anos que foi abandonado no elevador pela patroa branca de sua mãe, mulher de um prefeito, liberada depois de pagar fiança de R$ 20 mil reais, “se fosse eu, a essa hora já estava lá no Bom Pastor [Colônia penal feminina em Pernambuco] apanhando das presas por ter sido irresponsável com uma criança”. Irresponsável. Note a generosidade de Mirtes com quem facilitou a queda de seu filho do 9º andar.

Neste próximo domingo, os antifas vão pras ruas. Espero não ouvir à noite, na TV, que a culpa da violência, que está prestes a acontecer novamente, é dos que resistem como podem ao autoritarismo violento. Quem quer armar seus militantes, e politizar forças de segurança pública, está no Palácio do Planalto. É ele quem precisa desembarcar. De preferência de uma forma mais pacífica do que planejam os fascistas para mantê-lo no poder.

Por: Marina Amaral, codiretora da Agência Pública

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