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Golpe

Sem surpresas, mas infame; esperado, mas escatológico; previsível, mas vergonhoso.

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Saber antecipadamente dos acontecimentos não nos livra da estupefação. Não porque algo nos faria supor que uma decisão diferente da que foi divulgada ontem viria. Mas porque a esperança de que um instante de sanidade, senso moral e coragem cívica, de repente perturbassem um soldadinho de chumbo que se utiliza do direito como meio para alçar-se ao egrégio lugar do representante mor da extrema direita no país. Não aconteceu, mas torcer não é pecado.

Muitos agora estão ambicionando o cargo do líder da extrema direita no país:

Bolsonaro, Dória e Moro.

Joaquim Barbosa ensaia alguns passos,

Jobim foi descartado e Gilmar Mendes está atualmente sobre suspeita.

A direita se mexe e se articula e já apresenta seus candidatos para a sucessão de Temer pós Maia.

Por justaposição de significantes e condensação da retórica simplória dos grupos de direita no país chegamos à conversão de Lula em condenado à prisão, sem provas, proclamado pelo juiz que obedeceu às ordens que lhe foram conferidas desde o início, assim como Dilma foi deposta sem crime de responsabilidade num processo liderado pelo encarcerado Cunha que cumpriu o prometido.

Eles são executores de um nível de esvaziamento e captura da linguagem no seio do discurso. Isso é o discurso repetitivo, vazio de pensamento, sequestrador de ideias e atos que vem se sobrepondo às narrativas do pensamento, da ética e da justiça.

O fiel executor da tramoia, desde o início anunciada, Sergio Moro era um ilustre desconhecido antes de demonstrar sua capacidade e ousadia em cometer arbitrariedades que o alçasse aos lugares mais altos dos pódios globais e de outras mídias do mesmo naipe. Confirmados por atos pusilânimes de operadores do direito, das camadas médias conservadoras e das elites nacionais Moro tinha como uma de suas razões de existir entregar a cabeça de Lula em bandeja de prata.

Não poderá entregar o serviço completo.

Não está em sua alçada, mas fez sua parte, como Cunha fez a dele.

Legal Moro, agora dá licença. Dirão seus chefes deixando em suas costas o custo de sua sentença que quis tirar do jogo político o líder mais bem avaliado da história. Não era necessário gastar tanto do erário público com audiências, salários e benefícios à servidores públicos, custos advocatícios com a defesa apenas para encenar o já previamente sentenciado.

É bem simples e já sabido: um dia após a aprovação das reformas trabalhistas que atingem no peito de todo trabalhador e trabalhadora assalariados do país, o juiz previsível solta sua “surpreendente” e “inesperada” sentença: prisão de Lula e sua inelegibilidade pelo resto da vida.

Sobre qual líder de qual partido incide a sentença?

O do partido dos trabalhadores.

Esses mesmos sobre os quais recai a reforma trabalhista e previdenciária, os que verão sucateados os sistemas de saúde e educação após a aprovação da PEC do fim do mundo, aos quais terão de recorrer após arrochos salariais extraídos das negociações entre patrões empregados.

Criticável ou não, o Partido dos Trabalhadores foi o único partido a ser eleito com uma pauta de esquerda no país. Respeitando ou não as aspirações da esquerda, condenável ou não quanto ao seu modus operandi e sua maneira de fazer política quando no poder, é o partido que ainda faz peso importante nas lutas contra a avalanche reacionária que assola o país inteiro.

Resistiu à avassaladora campanha que, diuturnamente, tentou arrastar todos do partido para a lama. Nesse sentido Lula e o PT deram um baile. Nem seus líderes esperavam que toda a campanha difamatória de todas as mídias oficiais que lotearam todas as concessões de rádio e TV, além das famílias proprietárias da imprensa escrita diária e semanal com campanhas difamatórias abertas para desmantelar o partido fosse malsucedida. E foi. O PT foi o único partido que cresceu desde 2014.

Mas também não se esperava que a patrocinadora oficial do golpe – o conglomerado Globo – viesse a atacar o seu menino prodígio Michel Temer até o ponto de destruí-lo. Mas aconteceu. Também não se esperava que o capitão caverna da lava-jato Rodrigo Janot tirasse o time de campo na disputa pela PGR. Tirou.

A direita derrapa, fracassa, bate cabeça.

Sabe que vai ter massacrar muitos brasileiros para manter essa onda flagrante de bestialidade e violência. A prisão de Lula, para eles, seria a última bandeira a fincar no panteão dos vende pátria.

Hoje a luta é contra os trabalhadores e retornar ao tempo da escravidão não é mera retórica. Logo mais, a Câmara estará decidindo quantas chibatadas o trabalhador deve levar no lombo no caso de atrasos, faltas e insubordinação hierárquica e se não avançarmos quanto à clareza do que isso significa, a reação pode não ser contundente.

Todos vociferarão retoricamente o absurdo, mas o Congresso fechará as portas, apagará as luzes e votará a medida que será sancionada pelo presidente em exercício.

Prender sem provas; depor presidentes baseado em alegação de crime que, dois dias depois do impeachment da presidenta se transforma em lei que autoriza o mesmo crime; expor a mulher gestante a condições insalubres; retirar a autonomia do trabalhador sobre suas férias, descanso remunerado e almoço, hoje, se tornaram leis, mas elas são fracas, a política pode depô-las fazendo o caminho contrário.

Logo mais, se sancionará a lei que permite à criança trabalhar a partir dos 7 anos anos, para que as famílias possam ter uma renda extra, diante da perda dos direitos arrancados. Uma calamidade justificando a próxima e sendo engolida como justificativa para que se amplie o exército de escravos sem direitos e se barateie a mão de obra pouco qualificada disponível. Grande chance da medida passar na CCJ e ter maioria no senado e na câmara. Retornamos ao século XIX.

Vejamos o que escreve Marx no século XIX sobre os pequenos trabalhadores na europa:

..] Muitos, milhares desses pequenos seres infelizes, de sete a treze ou quatorze anos foram despachados para o norte. O costume era o mestre (o ladrão de crianças) vesti-los, alimentá-los e alojá-los na casa de aprendizes junto a fábrica. Foram designados supervisores para lhes vigiar o trabalho. Era interesse destes feitores de escravos fazerem as crianças trabalhar o máximo possível, pois sua remuneração era proporcional à quantidade de trabalho que deles podiam extrair. (…) Os lucros dos fabricantes eram enormes, mais isso apenas aguçava-lhes a voracidade lupina. Começaram então a prática do trabalho noturno, revezando, sem solução de continuidade, a turma do dia pelo da noite o grupo diurno ia se estender nas camas ainda quentes que o grupo noturno ainda acabara de deixar, e vice e versa. Todo mundo diz em Lancashire, que as camas nunca esfriam. (1988, p. 875-876)

Não estamos distantes disso num país que virou piada de mau gosto. Nada é impossível no Brasil de hoje. Que gritem OIT, ONU e Comissão Interamericana de Direitos Humanos, os membros do parlamento e do judiciário dão e darão de ombros.

Ainda perdura um problema, mesmo nas manifestações expressivas, aquelas que mobilizam centenas de milhares de pessoas; elas ainda contam com uma parcela pequena dos milhões trabalhadores brasileiros que estão sendo massacrados e atingidos pelos ataques do capital financeiro sem controle.

Isso significa que há ainda milhões a mobilizar.

Entre eles aqueles que veem a torneira pingar,

o assoalho encharcado mas não creem no afogamento.

Uma ampla campanha e estratégia de conscientização deve ser feita em cada recôndito do país e a preparação para paralização total dos trabalhadores por tempo indeterminado, deve ser construída e considerada pelos movimentos organizados que, hoje, lideram a resistência no país.

O projeto de espoliação do país tem, no mínimo, vinte anos então qualquer coisa antes disso será bem vinda e politicamente importante. É a alternativa para se deter essa avalanche. Já não bastam mais as manifestações é preciso parar a produção de lucro e dividendos, atingir os que monitoram e comandam o conjunto de atrocidades que vem sendo aprovadas no legislativo.

Tudo está sendo decidido à sete chaves sem a permissão sequer de que os trabalhadores ocupem as galerias no congresso nacional destinadas para isso. Tudo decidido em jantares sofisticados, reuniões engravatadas, mansões muradas.

A maioria dos parlamentares persistem em cumprir o combinado à mando das elites financeiras e mancomunados com elas, dão as costas para as centenas de milhares de manifestantes nas ruas todos os dias que, para eles, são vagabundos que acordam tarde. É preciso levar essa retórica da direita muito a sério porque eles a estão levando. Dizem isso enquanto atiram contra manifestantes, humilham trabalhadores, assassinam pobres, elogiam torturadores e se preparam para assumir o poder por longos períodos.

Ninguém precisa de militares nas ruas,

já há mais de 400.000 milicos nas polícias estaduais,

que jamais tocam nos excessos cometidos pelos muito ricos,

mas pisam sobre o corpo de qualquer pobre que se lhes atravesse o caminho.

O poder judiciário, as altas cortes pusilânimes não conseguirão estancar nem a mais absurda das decisões do legislativo que legisla o país destruindo, dia após dia, cada tijolo da democracia brasileira.

Cunha presidindo o impeachment e um juiz de primeira instância mandando e desmandando no modo de julgar e condenar no Brasil. O que é difícil de imaginar é fácil de acontecer no Brasil de hoje.

Precisamos analisar com calma, clareza e profundidade o que está se passando e pensarmos juntos nas novas estratégias, abrir mão dos projetos de poder desse ou daquele espectro, para manter o Brasil acima da devastação. Não vamos nós aprofundar as baboseiras dicotômicas também muito comuns entre as esquerdas. Se há uma utopia sobre a união das esquerdas já é passada a hora de realizá-la. Lula não precisa ser o chefe, como disse Tasso Genro, mas pode ser um líder favorecendo a emergência de outros.

A comprovação de crimes cometidos por Lula não existiu.

Mataram sua esposa atrás dessas provas e elas não apareceram. O objetivo agora é matar Lula política e literalmente. Temos testemunhado o quanto eles jogam pesado e atiram pra matar.

Nas barbas da justiça, o presidente em exercício atua para paralisar a lava-jato, agora que ela o ameaça enquanto se prepara um Maia para presidente. É muito possível que consiga. O grande trunfo da lava-jato já foi conquistado.

A um palmo dos narizes dos excelentíssimos ministros do supremo um juiz de primeira instância faz o que quer em suas sentenças e decisões estapafúrdias.

Temer, Cunha e Moro fizeram seu trabalho exemplarmente, para que servirão agora?

É a hora da troca.

Maia, Bolsonaro, Dória, Dallagnol aguardam na fila para exercer seu protagonismo.

Vão lançar a chapa Cunha para presidente e Feliciano vice? Ou Bolsonaro presidente e Moro vice? Tudo é possível no país dos banguelas se não se estanca essa sangria.

O governo Temer acena para os sindicatos que serão ridicularizados e destruídos se aceitarem sentar para negociar sua lenta extinção. Trabalhadores sem direitos e sindicatos inúteis, eis aí o país do futuro para trabalhadores que ainda lutam para consolidar a CLT.

A bela resistência que se construiu nesses últimos anos de adversidade, que pintaram e cantaram nas ruas disseminando esperança, alegria e compartilhamento de ideais tem tudo para reinventar a própria resistência, novas estratégias e outras narrativas. Daqui para frente talvez seja o caso de infestar, além de manifestar. Infestação do dever e da urgência em resistir em cada recanto do país que ainda se encontra sonolento e, ativamente, em algum momento no futuro próximo, parar o país.

Mais do que nunca lutar por todos e pelo país é, também, salvar a própria pele.

Campinas

Ocupação Mandela: após 10 dias de espera juiz despacha finalmente

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Depois de muita espera, dez dias após o encerramento do prazo para a saída das famílias da área que ocupam,  o juiz despacha no processo  de reintegração de posse contra da Comunidade Mandela, no interior de São Paulo.
No despacho proferido , o juiz do processo –  Cássio Modenesi Barbosa –  diz que  aguardará a manifestação do proprietário da área sobre eventual cumprimento de reintegração de posse. De acordo com o juiz, sua decisão será tomada após a manifestação do proprietário.
A Comunidade, que ocupa essa área na cidade de Campinas desde 2017,   lançou uma nota oficial na qual ressalta a profunda preocupação  em relação ao despacho  do juiz  em plena pandemia e faz apontamento importante: não houve qualquer deliberação sobre as petições do Ministério Público, da Defensoria Pública, dos Advogados das famílias e mesmo sobre o ofício da Prefeitura, em que todas solicitaram adiamento de qualquer reintegração de posse por conta da pandemia da Covid-19 e das especificidades do caso concreto.

Ainda na nota a Comunidade Mandela reforça:

“ Gostaríamos de reforçar que as famílias da Ocupação Nelson Mandela manifestaram intenção de compra da área e receberam parecer favorável do Ministério Público nos autos. Também está pendente a discussão sobre a possibilidade de regularização fundiária de interesse social na área atualmente ocupada, alternativa que se mostra menos onerosa já que a prefeitura não cumpriu o compromisso de implementar um loteamento urbanizado, conforme acordo firmado no processo. Seguimos buscando junto ao Poder público soluções que contemplem todos os moradores da Ocupação, nos colocando à disposição para que a negociação de compra da área pelas famílias seja realizada.”

Hoje também foi realizada uma atividade on-line  de Lançamento da Campanha Despejo Zero  em Campinas -SP (

https://tv.socializandosaberes.net.br/vod/?c=DespejoZeroCampinas) tendo  a Ocupação Mandela como  o centro da  discussão na cidade. A Campanha Despejo Zero  em Campinas  faz parte da mobilização nacional  em defesa da vida no campo e na cidade

Campinas  prorroga  a quarentena

Campinas acaba prorrogar a quarentena até 06 de outubro, a medida publicada na edição desta quinta-feira (10) do Diário Oficial. Prefeitura também oficializou veto para retomada de atividades em escolas da cidade.

 A  Comunidade Mandela e as ocupações

A Comunidade  Mandela luta desde 2016 por moradia e  desde então  tem buscado formas de diálogo e de inclusão em políticas  públicas habitacionais. Em 2017,  cerca de mais de 500 famílias que formavam a comunidade sofreram uma violenta reintegração de posse. Muitas famílias perderam tudo, não houve qualquer acolhimento do poder público. Famílias dormiram na rua, outras foram acolhidas por moradores e igrejas da região próxima à área que ocupavam.  Desde abril de 2017, as 108 famílias ocupam essa área na região do Jardim Ouro Verde.  O terreno não tem função social, também possui muitas irregularidades de documentação e de tributos com a municipalidade.  As famílias têm buscado acordos e soluções junto ao proprietário e a Prefeitura.
Leia mais sobre:  
https://jornalistaslivres.org/em-meio-a-pandemia-a-comunidade-mandela-amanhece-com-ameaca-de-despejo/

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#EleNão

EDITORIAL – HOJE É DIA DE LUTO! PERDEMOS O MENINO GABRIEL

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Gabriel e Lula: aniversário no mesmo dia: 27/10

Gabriel e Lula: aniversário no mesmo dia: 27/10

Gabriel e Lula: aniversário no mesmo dia: 27/10

Perdemos um camarada valoroso, um menino negro encantador de feras, um sorriso no meio das bombas e da violência policial, um guerreiro gentil que defendeu com unhas e dentes a Democracia, a presidenta Dilma Rousseff durante todo o processo de impeachment, e o povo brasileiro negro e pobre e periférico, como ele.

Gabriel Rodrigues dos Santos era onipresente. Esteve em Brasília, na frente do Congresso durante o golpe, em São Paulo, nas manifestações dos estudantes secundaristas; em Curitiba, acampando em defesa da libertação do Lula. Na greve geral, nas passeatas, nos atos, nos encontros…

O Gabriel aparecia sempre. Forte, altivo, sorrindo. Como um anjo. Anjo Gabriel, o mensageiro de Deus

Estamos tristes porque ele se foi hoje, no Incor de São Paulo, depois de um sofrimento intenso e longo. Durante três meses Gabriel enfrentou uma infecção pulmonar que acabou levando-o à morte.

Estamos tristíssimos, mas precisamos manter em nossos corações a lembrança desse menino que esteve conosco durante pouco tempo, mas o suficiente para nos enriquecer com todos os seus dons.

Enquanto os Jornalistas Livres estiverem vivos, e cada um dos que o conheceram viver, o Gabriel não morrerá.

Porque os exemplos que ele deixou estarão em nossos atos e pensamentos.

Obrigada, querido companheiro!

Tentaremos, neste infeliz momento de Necropolítica, estar à altura do Amor à Vida que você nos deixou.

 

 

Leia mais sobre quem foi o Gabriel nesta linda reportagem do Anderson Bahia, dos Jornalistas Livres

 

Grande personagem da nossa história: Gabriel, um brasileiro

 

 

 

 

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Golpe

Presidência cavalga para fora dos marcos do Estado de Direito

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Por Ruy Samuel Espíndola*

O Governo, num Estado de Direito, deve ser eleito, e, depois de empossado, deve ser exercido de acordo com regras pré-estabelecidas na Constituição. Essas são as regras do jogo, tanto para a tomada do poder, quanto para o seu exercício, como ensina Norberto Bobbio. Governo entendido aqui como o conjunto das instituições eletivas, representadas por seus agentes políticos eleitos pelo voto popular. Governo que, numa República Federativa e Presidencialista como a brasileira, é exercido no plano da União Federal, pela chefia do Executivo, pela Presidência da República e seus ministros, como protagonistas e pelo Congresso Nacional, com os deputados federais e senadores, como coadjuvantes.

Ao Governo, exercente máximo da política, devem ser feitas algumas perguntas, para saber de sua legitimidade segundo o direito vigente: quem pode exercê-lo e com quais procedimentos? Ao se responder a tais questões, desvela-se o mote que intitula este breve ensaio.

Assim, pode-se dizer “Governo constitucional” aquele eleito segundo as regras estabelecidas na Constituição: partido regularmente registrado, que, em convenção, escolheu candidato, que, por sua vez, submetido ao crivo do sufrágio popular, logrou êxito eleitoral. Sufrágio que culminou após livre processo eleitoral, no qual se assegurou, em igualdade de condições, propaganda eleitoral e manejo de recursos para a promoção da candidatura e de suas bandeiras, e que não sofreu, ao longo da disputa, nenhum impedimento ou sanção do órgão executor e fiscalizador do processo eleitoral: a justiça eleitoral. Justiça que, através do diploma, habilita, legalmente, o candidato escolhido nas urnas, a se investir de mandato e exercê-lo. Um governo constitucional, assim compreendido, merece tal adjetivação jurídico-politica, ainda que durante o período de campanha ou antes ou depois dele, o candidato e futuro governante questione o processo de escolha, coloque em dúvida sua idoneidade, ou mesmo diga que não estará disposto a aceitar outro resultado eleitoral que não o de sua vitória, ou, após conhecer o resultado da eleição, diga que o conjunto de seus adversários podem mudar para outros países, pois não terão vez em nossa Pátria e irão para a “ponta da praia” .

O Governo constitucional, sob o prisma de seu exercício, após empossado, é aquele que respeita a mínimas formas constitucionais, enceta suas políticas mediante os instrumentos estabelecidos na Constituição: sanciona e publica leis que antes foram deliberadas congressualmente; dá posse a altas autoridades que foram sabatinadas pelas casas do congresso; não usa de sua força, de suas armas, a não ser de modo legítimo, respeitando a oposição, as minorias e os direitos fundamentais das pessoas e de entes coletivos; administra os bens públicos e arrecada recursos públicos de acordo com a lei pré-estabelecida, sem confisco e de modo impessoal; acata as prerrogativas do Judiciário e do Legislativo, ainda que discorde ou se desconforte com suas decisões; prestigia as competências federativas, tanto legislativas, quanto administrativas, etc, etc. Promove a unidade nacional, em atitudes, declarações públicas e políticas concretamente voltadas a tal fim.

O “Governo constitucionalista”, por sua vez, além de ascender ao poder e exercê-lo, tendo em conta regras constitucionais, como faz um governo constitucional, defende o projeto constitucional de Estado e Sociedade, através do respeito amplo, dialógico e progressivo do projeto constituinte assentado na Constituição. Respeita a história política que culminou no processo reconstituinte e procura realizá-lo de acordo com as forças políticas e morais de seu tempo, unindo-as, ainda que no dissenso, através da busca de consensos mínimos no que toca ao projeto democrático e civilizatório em constante construção sempre inacabada. E governo constitucionalista, no Brasil, hoje, para merecer esse elevado grau de significação político-democrática e civilizatória, precisa respeitar a gama de tarefas e missões constitucionais descritas em inúmeras normas constitucionais que tutelam, entre outros grupos sociais, os índios, os negros, os LGBT, os ateus, os de inclinação política ideológica à esquerda, ou a à direita, ou ao centro, sem criminalização ou marginalização no discurso público de quaisquer tendências ideológicas. É preciso o respeito ao pluralismo político e aos princípios de uma democracia com níveis de democraticidade que não se restringem ao campo majoritário das escolhas políticas, mas, antes, se espraiam para as suas dimensões culturais, sociais, econômicas, sanitárias, antropológicas e sexuais etc, etc.

Governos que ascenderam sem respeito a normas constitucionais, como foi o de Getúlio Vargas em 1930 e o que depôs João Goulart em 1964, são inconstitucionais. E governo que se exerce fechando o congresso e demitindo ministros do STF, como se fez em 1969, com a aposentação compulsória dos ministros da Corte Suprema Evandro Lins e Silva, Hermes Lima e Victor Nunes Leal, são governos inconstitucionais, arbitrários, autocráticos, fora do projeto civilizatório e democrático de 1988.

O ponto crítico de nosso ensaio é que um governo pode ascender de modo constitucional, mas passar a ser exercido de modo inconstitucional e/ou de modo inconstitucionalista. O governo do presidente da República, Jair Messias Bolsonaro, é um exemplo deste último e exótico tipo: consegue ser inconstitucional e inconstitucionalista no seu exercício, embora investido de maneira constitucional.

E o conjunto de declarações da reunião ministerial de 22/4, dadas a conhecer em 22/5, é um exemplo recente a elucidar nossa asserção: na fala presidencial, a violação ao princípio da impessoalidade (art. 37, caput, CF) ressoa quando afirma que deseja agir para que familiares seus e amigos não sejam prejudicados pela ação investigativa de órgãos de segurança (polícia federal). Na fala do ministro da Educação, quando afirma “que odeia” a expressão “povos indígenas” e os “privilégios” garantidos a esses no texto constitucional, o que indica contrariar o constitucionalismo positivado nos signos linguístico-normativos “população”, “terras”, “direitos”, “língua”, “grupos” e “comunidades indígenas”, constantes nos artigos 22, XIV, 49, XVI, 109, XI, 129, V, 176, § 1º, 215, § 1º, 231, 232 da CF e 67 do ADCT. Essa fala ministerial, aliás, ressoa discurso de campanha de 2018, quando o então candidato disse, no clube israelita de São Paulo: “No meu governo, não demarcarei nenhum milímetro de terras para indígenas. Também há inconstitucionalismo evidente na fala do Ministro do Meio Ambiente quando defendeu que se fizessem “reformas infralegais” “de baciada”, “para passar a boiada”, “de porteira aberta”, no momento em que o País passa pela pandemia de covid-19, pois o foco de vigília crítica da imprensa não seria o tema ambiental, mas o sanitário e pandêmico, o que facilitaria os intentos inconstitucionalistas contra a matéria positivada nos arts. 23, VI, 24, VI e VII, 170, VI, 174, § 3º, 186, II, 200, VII, 225 e §§ da CF.

Outras falas e atitudes presidenciais ainda mais recentes, e de membros do governo, contrastam com as normas definidoras da separação de poderes, da federação e da democracia, princípios fundamentais estruturantes de nossa comunidade política naciona. A nota do general Augusto Heleno, chefe do GSI, ao dizer que eventual requisição judicial do celular presidencial pelo STF, levaria à instabilidade institucional, traz desarmonia e agride ao artigo 2º, caput, da Constituição Federal. “Chega, não teremos mais um dia como hoje” e “Decisões judiciais absurdas não se cumprem”. Essas falas presidenciais, após o cumprimento de mandados judiciais no âmbito do inquérito judicial do STF, ordenados pelo Ministro Alexandre Moraes, agridem o mesmo dispositivo constitucional, com o agravante do artigo 85, II e VIII, da CF, que positiva ser crime de responsabilidade do presidente atentar contra o livre exercício do Poder Judiciário. E o atentado contra a democracia poderia ser também destacado na fala do filho do Presidente, deputado federal Eduardo Bolsonaro, que declarou estarmos próximos de uma ruptura e que seu pai seria chamado, com razão, de ditador, a depender das atividades investigativas do judiciário, tomadas como agressões ao governo de seu genitor. E o atentado contra a federação se evidencia nas falas presidenciais contra os governadores e prefeitos que estão a tomar medidas sanitárias no combate a covid-19, em que o presidente objetiva desacreditá-los e incitar suas populações contra esses chefes dos executivos estaduais e municipais, para que rompam o isolamento social, com agressão patente aos artigos 1º e 85, II, da Constituição. Os ataques diários aos órgãos de imprensa e a jornalistas, assim como sua atitude contra indagações de repórteres, também afrontam o texto da constituição da República: 5º, IX e XIV, 220 §§ 1º e 2º, protegidos pelo art. 85, III, da CF.

Em nossa análise temporalmente situada e teoricamente atenta, o conjunto de declarações públicas conhecidas do então deputado federal Jair Bolsonaro, desde seu primeiro mandato parlamentar, alcançado em 1990, portanto após o marco constitucional de 1988, embora constituam falas inconstitucionais e inconstitucionalistas, não servem para descaracterizar a “constitucionalidade” de sua eleição em 2018. Embora ainda reste, junto ao TSE, o julgamento de ação de investigação judicial eleitoral por abuso dos meios de comunicação social, que poderão ganhar novos elementos de instrução resultantes da CPI no Congresso sobre fake news e do inquérito judicial do STF com objeto semelhante. Sua eleição presidencial se mantém válida, assim como sua posse, enquanto essa ação eleitoral não for julgada definitivamente  pela Suprema Corte eleitoral brasileira.

Algumas de suas falas públicas inconstitucionalistas e inconstitucionais pré-presidenciais devem ser lembradas: “Erro da ditadura foi torturar e não matar”; “O Brasil só vai mudar quando tivermos uma guerra civil, quando matarmos uns trinta mil, não importa se morrerem alguns inocentes”; “Os tanques e o exército devem voltar às ruas e fechar o congresso nacional”, etc. E durante o processo eleitoral de 2018, falas inconstitucionalistas também foram proferidas: “No meu governo, não demarcarei um milímetro de terras para indígenas”. “O Brasil não tem qualquer dívida com os descendentes de escravos. Nossa geração não tem culpa disso, mesmo porque os próprios negros, na África, escravizavam a si mesmos”, entre outras.

A resposta a nossa indagação: embora tenhamos um governo eleito de modo constitucional – até decisão final do TSE -, ele está sendo exercido de modo inconstitucional e de modo inconstitucionalista. A Presidência da República atual, caminha, inconstitucionalmente para fora do marco do Estado de Direito. E o passado pré-presidencial do presidente da República demonstra que o seu inconstitucionalismo governamental não é episódico e sim coerente com toda a sua linha de pensamento e ação desde seu primeiro mandato parlamentar federal.

  • Advogado – mestre em Direito UFSC Professor de Direito Constitucional – Presidente da Comissão de Direito Constitucional da OAB-SC – Membro Consultor da Comissão de Estudos Constitucionais do Conselho Federal da OAB – Imortal da Academia Catarinense de Letras Jurídicas, cadeira 14, Patrono Advogado Criminalista Acácio Bernardes. 

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