RETRATO DO BRASIL: Outros 370 museus correm risco com negligência federal

"Incêndio é o retrato da situação do Brasil onde falta estrutura, financiamento, gestão, falta tudo", diz diretor de preservação do Museu Nacional, João Carlos Nara

HISTÓRIA CARBONIZADA: Não adianta ficar chorando sobre o que foi perdido no incêndio do Museu Nacional do Rio de Janeiro, avisa o fundador da Liga Independente dos Guias de Turismo do Rio de Janeiro (Liguia), o museólogo, André Andion Angulo. “Mais importante do que lamentar a tragédia é evitar que a atual política de desmonte e negligência do governo com a cultura e com a educação coloque em risco os outros 370 museus federais e os quase 4.000 museus do país”, alerta ele, que atua no Museu da República, localizado no Flamengo. “O que denunciamos há quatro anos só se agravou”, acrescenta: “Nenhum museu do Rio de Janeiro tem hoje alvará de funcionamento nem licenciamento do Corpo de Bombeiros”.

 

 

 

João Carlos Nara, diretor de Preservação do Museu Nacional: “Incêndio é o retrato do Brasil”

 

 

 

O diretor de preservação do Museu Nacional do Rio de Janeiro, João Carlos Nara, afirmou aos Jornalistas Livres que o incêndio “é o retrato da situação do país, na qual, infelizmente, há falta de estrutura, falta de financiamento, falta de gestão, falta de tudo”. Arquiteto, urbanista e historiador, Nara permaneceu acompanhando o controle das chamas no prédio bicentenário do Palácio São Cristovão pelos bombeiros, até que os últimos focos fossem debelados, por volta de duas horas desta segunda-feira. Segundo ele, a situação do maior museu da America Latina e o mais antigo do Brasil, que completou 200 anos em maio, com visita média de cinco a dez mil pessoas, é muito complexa. Os danos são, conforme ele, irreparáveis para o acervo e para as pesquisas, mas ainda é prematuro oferecer um balanço do que restou das chamas. “Teria que aguardar uma avaliação após o término do incêndio”.

Sobre o desespero dos pesquisadores que permaneciam aos prantos diante do patrimônio em chamas, como a vice-diretora do Museu, Cristiana Cerezo, que chegou a atirar-se ao chão, o diretor procurou dar uma palavra de ânimo: “As pessoas estão consternadas, tanta gente que investiu sua vida nesta instituição. Mas temos que pensar que o museu é uma comunidade acadêmica; as pesquisas vão continuar”. Apesar da perda também da reserva técnica, o arqueólogo formado pelo Museu Nacional e doutor em História Comparada pela UFRJ, que mantém e gerencia o acervo com recursos do Ministério da Educação, procurou manter algum otimismo: “Uma parte considerável do acervo não estava no Palácio São Cristóvão, estava no nosso anexo. Claro que tem a perda do palácio em si, mas vamos aguardar as avaliações que serão feitas”.

André Andion Angulo, do Museu da República: “É preciso salvar os outros museus brasileiros”

A situação emergencial dos museus brasileiros foi denunciada há quatro anos, durante a greve dos servidores do Ministério da Cultura, que começou em maio de 2014. Durante a Semana Nacional dos Museus, os profissionais da área lançaram o manifesto Semana Nacional dos Museus Ilegais, expondo a precariedade e os riscos sofridos pelos museus sem alvará de funcionamento. “De lá para cá a situação se agravou muito com o corte de verbas do atual governo”, assinalou André Angulo. Na época, sete dos dez grandes museus do Rio não tinham alvará por problemas no sistema de segurança e prevenção de incêndios. “Hoje essa realidade piorou muito e se estende a todos”.

O diretor do Museu da República, do Rio de Janeiro, Mário Souza Chagas, também fez apelo em defesa dos museus em sua página no Facebook, chamando o povo brasileiro a impedir que outros acervos sejam destruídos. “Estamos de luto! Vamos à luta! Vamos nos articular e fazer, hoje e amanhã mesmo, uma manifestação para denunciar o descaso em relação aos museus brasileiros! Vamos apoiar o que resta do Museu Nacional! Vamos defender a Política Nacional de Museus! Vamos defender o Patrimônio Cultural do Brasil! Vamos lutar para impedir que outros acervos sejam destruídos! Que a tragédia do Museu Nacional sirva, pelo menos, para a proteção do campo museal brasileiro, totalmente fragilizado!”

 

TRAGÉDIA HISTÓRICA E CIENTÍFICA

Iniciado às 19 horas, por razões ainda desconhecidas, o incêndio consumiu os três andares do prédio, na Quinta da Boa Vista, onde se localiza uma coleção de 20 milhões de preciosidades, entre documentos da época do Império; fósseis; artefatos greco-romanos; coleções de minerais e a maior coleção egípcia da América Latina. Uma parte do interior do patrimônio, fundado em 1818 por Dom João VI, chegou a desabar. As labaredas destruíram o esqueleto de dinossauro encontrado em Minas Gerais e o mais antigo fóssil humano descoberto em território brasileiro, o crânio de “Luzia”, de origem africana, cuja descoberta revolucionou os paradigmas sobre a ocupação da América, centrado em fósseis de origem asiática. O acervo era usado pra estudos de geologia, antropologia biológica, paleontologia.
Impotentes diante da tragédia, apesar do esforço e da pontualidade de chegada ao local, os bombeiros não conseguiram controlar o fogo pela falta de pressão de água nos extintores.

Dois manifestos estão marcados para hoje: um iniciando a concentração às 9 horas, na porta da Quinta da Boa Vista, em frente ao Metrô São Cristóvão, com a chamada:

“NÃO AO DESMONTE DO PATRIMÔNIO CIENTÍFICO E CULTURAL!!! Hoje foi o estopim do descaso na ciência brasileira! Chega de descaso!! Convidamos toda a comunidade a protestar contra este absurdo! Não dá mais!!!”.

https://www.facebook.com/events/853255331540711/

Outro protesto ocorre às 16 horas, na Cinelândia e já tem 10 mil participantes confirmados e 24 mil interessados desde às 7 horas da manha desta segunda-feira (3/9). Organizado pela Associação Nacional de Pós-graduação, que faz a seguinte convocação:

Mais um episódio lamentável para a educação brasileira. Nos deparamos nesta noite de domingo com a absurda notícia de que parte significante do patrimônio histórico do país estava em chamas.

O museu nacional é o maior museu de historia natural da América Latina, com mais de 20 milhões de peças em seu acervo. O dano sofrido pelo museu, além de ser uma perda para pesquisa e ciência do Brasil e do mundo, é uma perda pra educação pública, uma vez que seu setor de ensino foi o primeiro de todos do país.

Poderia ser apenas uma tragédia se o descaso com a educação pública já não fosse recorrente nos últimos anos. Só na UFRJ já é o terceiro incêndio, e nada disso é por acaso. Para exemplificar, em 2013, o valor em milhares investido no museu era de 531, frente a 54 em 2018, e ainda temos que aguentar o pacote golpista que sucateia nossas universidades e congela os investimentos em educação por 20 anos.

A União Estadual dos Estudantes conclama todos e todas que têm compromisso com a educação no Brasil para estar às 16h, na Cinelândia em ato pela educação pública, de qualidade e socialmente referenciada!

https://www.facebook.com/events/286130318869568/

NOTA DE PESAR DA ANTROPOLOGIA DA UNIVERSIDADE FEDERAL

FLUMINENSE SOBRE O INCÊNDIO DO MUSEU NACIONAL

Duzentos anos de História e produção de conhecimento científico sobre Geologia, Paleontologia, Arqueologia, Botânica, Zoologia, Etnografia, Linguística, Antropologia, dentre outros campos das Ciências Naturais e Sociais, tornaram-se cinzas em decorrência do fogo que consumiu o edifício principal do Museu Nacional, instituição criada por D. João VI em 1818, patrimônio histórico do Brasil. Trata-se de uma tragédia sem proporções para a pesquisa e o desenvolvimento do conhecimento no domínio de muitos ramos das Ciências no Brasil. Em especial, para nossos colegas antropólogos, diante da destruição do acervo físico e documental do Programa de Pós-Graduação em Antropologia Social do Museu Nacional – PPGAS/MN-UFRJ, que completará 50 anos em 2018, uma referência internacional renomada na formação de recursos humanos de alta qualidade em nossa área. Diante do perverso congelamento dos gastos em educação por 20 anos, hoje assistimos as chamas devorarem uma importante instituição de cultura, ciência e educação que se vê atacada e destruída pelo descaso e pela falta de compromisso com a coisa pública. Com os cortes de efeito paralisante e falsas políticas de austeridade, a Universidade Pública hoje se vê em cinzas. Nós, professores da Antropologia da Universidade Federal Fluminense, nos solidarizamos com nossos colegas professores no Museu Nacional, parceiros de militância acadêmica, com seus pesquisadores, funcionários, estudantes e bolsistas, bem como nos colocamos à disposição para colaborar com a logística, com as ações de memória e com a luta pela dignidade de trabalho.

Fabio Reis Mota
Coordenador do Programa de Pós-Graduação em Antropologia – PPGA-UFF

Daniel Bitter
Coordenador do Curso de Bacharelado em Antropologia – GAO-UFF
Felipe Berocan Veiga
Chefe do Departamento de Antropologia – GAP-UFF

 

 

 

 

 

COMENTÁRIOS

Uma resposta

  1. Descaso total com o bem público . Não importa a cor da sua ESTRELA. O TROCO É 13

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