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Quem foi pra Paulista no dia 16: é o velho conservadorismo, agora mais assanhado

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Brancos, ricos, com nível superior, eleitores de Aécio. Esse é o perfil de quem foi pra rua dia 16. Nem era preciso pesquisa pra saber: o velho conservadorismo paulistano se revela nos trejeitos e no discurso de sempre

Nasci em São Paulo. Sou filho da classe média paulistana. Desde 84 ou 85, reconheço os conservadores paulistanos na primeira frase.

Eles já foram janistas (contra o FHC “ateu” em 85, lembram?), depois malufistas (nos embates contra a Erundina “sapatão” e a Marta “vagabunda” — que agora acha que será aceita de volta). Nos últimos tempos, se disfarçam de tucanos. Mas podem virar bolsonarianos, caiadistas… Qualquer coisa serve, desde que signifique a defesa de um estilo de vida individualista, dominado por falso moralismo e por clara devoção aos EUA.

Aos 14 ou 15 anos, eu já ouvia o papo de que “os nordestinos estragaram essa cidade”, ou de que “na época do Médici não tinha essa bagunça”. Ouvia piadinhas em ambientes sociais, sobre como era bom “não ter negros por perto”. Quando meu irmão foi estudar Ciências Sociais, minha mãe ouviu a frase lapidar: “mas isso é faculdade de formar comunista, lá estudou o FHC” (na época, o FHC era apenas o Fernando Henrique, que tinha fama de “marxista” e era visto com desconfiança pela classe média janista/malufista).

Digo isso para explicar que não preciso de pesquisa pra saber quando estou diante do velho conservadorismo paulistano: ele tem cara, sotaque, roupas e trejeitos próprios…

Passei algumas horas no domingo, na avenida Paulista. Logo vi as senhoras aloiradas, com a deselegância (in)discreta de que fala Caetano, e os senhores barrigudos, com um ar de prosperidade e arrogância de quem espera o manobrista trazer o carro depois de um jantar nos Jardins. Esses eram os tipos mais comuns na Paulista.

Causou-me algum asco a procissão de motoqueiros velhos (e também barrigudos) sobre suas Harley-Davidson enfeitadas com “Fora Dilma”, “Prendam o Lula”, “Abaixo o comunismo” (qual comunismo? do PT?). Aceleravam os motores, num exibicionismo constrangedor e agressivo. Eram muitos. Contei quase 500 na esquina da rua Augusta com a Paulista.

A procissão dos motoqueiros barrigudos: exibicionismo conservador 

Mas, claro, ali estavam também representantes da baixa classe média: “na época do militarismo [eles preferem esse termo, em vez de usar “ditadura”; os mais escolarizados falam em “regime militar” ou “época dos militares”, jamais “ditadura”], só bandido era morto, a gente podia andar tranquilo”, diz um homem que se apresenta como taxista.

“O perigo naquela época eram os terroristas, você é jovem e nem ouviu falar no Carlos Lamarca — aquele era perigoso”, afirma um outro, de barba e fumando muito, que se define como “vendedor de comida em porta de estádio e show”.

Faço cara de paisagem, e ele se empolga: “eu era entregador de jornal na Folha, nos anos 70; você sabe quem fazia a segurança da Folha naquela época? O DOPS! Naquela época os comunistas não cresciam pra cima de ninguém”.

Esse era o povo da Paulista: maioria de ricos, brancos, e alguns remediados — mas adeptos da ideia do “self-made man”. Todos ultra-conservadores. Conheço pelo faro. Posso andar entre eles, porque venho desse mesmo chão.

Por volta de meio-dia, cheguei a gravar o depoimento de uma senhora na esquina da Paulista com a Peixoto Gomide: um curto video — que já tem mais de 60 mil visualizações. Ela pedia a morte de Dilma e a volta dos militares.

Portanto, não me surpreende o perfil traçado pelo DataFolha, entre os 130 mil manifestantes que estiveram na manifestação paulistana:

76% cursaram o ensino superior (a média brasileira, segundo o IBGE, é de 7,9% – clique aqui para conferir)

40% ganham mais de 3.900 reais por mês (ou seja, quase metade dos presentes está nas classes A/B)

77% votaram em Aécio no segundo turno em 2014, e apenas 5% cravaram Dilma.

Esses números bastam pra entender um fato: não estavam na rua os “novos” descontentes com a presidenta – que viraram as costas para o governo por causa das escolhas levyanas. O povão, que está sim bem ressabiado com o governo, não foi (ainda) pra rua. Irá em algum momento? Pode ser, se a política suicida de Levy/Dilma persistir, gerando desemprego e recessão…

Sim, Dilma tem hoje índices muito baixos de aprovação. Mas quem foi à rua nesse dia 16, pra pedir o impeachment ou a morte de Dilma/Lula, é a turma que sempre detestou o PT (muito antes de qualquer “denúncia” de corrupção), e que já havia votado em Aécio no ano passado.

Os arreganhos fascistas na Paulista não significam que uma “onda” de eleitores indignados passou para o lado da oposição. Essa gente da Paulista sempre esteve na oposição, desde 2002.

A diferença é que agora o conservadorismo se sente à vontade para pedir “intervenção militar”, “morte de Dilma”, “fim do PT” (até porque, houve ampla semeadura do discurso de intolerância, por parte de blogueiros da revista da marginal et caterva).

Sim, é assustador ver a face obscura e odienta dos senhores de meia idade da Paulista e de Copacabana. Mas eles sempre estiveram aí. A mim, não enganam. São os de sempre – agora mais assanhados.

É preciso enfrentá-los. Não é possível convencê-los.

Do lado de lá, está o ódio de sempre – turbinado pelo desespero da Veja, pelos cálculos da Globo, pela operação milimétrica empreendida por Sergio Moro… E pelos erros e o excesso de conciliação do PT e de Lula/Dilma.

O que se pode fazer é mostrar como essa gente com camisas da CBF é hipócrita e perigosa para a democracia. A maioria silenciosa dessa vez joga a favor da democracia e da centro-esquerda.

É preciso tirar a maioria do silêncio, e trazê-la também pra rua. O dia 20 de agosto, em parte, pode cumprir essa tarefa.

A agenda de Lula, Brasil afora, também tem o seu papel. É preciso explicitar que a “onda de insatisfação” com Lula/PT está muito centrada em São Paulo. A agenda anti-petista interessa à classe média paulistana, e a franjas de classe média Brasil afora. Mas, especialmente fora de São Paulo, há espaço pra recuperar terreno.

E que Dilma não se esconda de novo, “aliviada” com a trégua da Globo e a adesão mais baixa do que a esperada neste domingo.

O conservadorismo (com toques fascistas) está em alta. E não vai sumir só com acertos e conciliações. Será preciso derrotá-lo nas ruas e nas redes.

 

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Cidades

VÍDEO: Ato contra o aumento da tarifa – 12/01/2016

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O ato contra o aumento das tarifas de metrô, trem e ônibus da última terça-feira, 12/01, foi marcado pela dura repressão policial. A PM chegou ao local marcado antes mesmo dos manifestantes, bloqueou as vias e não permitiu que a manifestação seguisse o trajeto deliberado em assembléia. Cercadas, as pessoas foram atacadas com bombas de gás lacrimogênio e balas de borracha.

Infelizmente, as cenas do vídeo aqui publicado já estão se tornando cotidianas na cidade de São Paulo. Fica evidente mais uma vez o despreparo (talvez seja mais acurado dizer “má vontade”) da Polícia Militar para lidar com manifestações populares, com os direitos do povo, afinal com a democracia.

Os Jornalistas Livres seguimos na luta contra a violência e os abusos policias, pela democracia e pelos direitos humanos.

Imagens e reportagem: Adolfo Garroux, Eduardo Nascimento, Flávio Colombini, Flávia Gianinni, Frederico Elias, João Ramirez, Katia Passos, Laura Capriglione, Ligia Roca, Luciana Santos, Lucas Porto, Vitório Tomaz e Sato do Brasil.
Edição de vídeo: Henrique Cartaxo.

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Meio Ambiente

Chapada Diamantina volta a arder em fogo e ameaça Vila do Capão

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Moradores denunciam que esforços das autoridades são insuficientes: “monitorar não é debelar”

Na madrugada desta sexta-feira (11/12), o incêndio que consome o Parque Nacional da Chapada Diamantina (BA) avançou sobre a Vila do Capão. Brigadistas voluntários passaram a madrugada combatendo o fogo, que se aproxima de Ibicoara e Pindobaçu, além do Vale do Capão.

Em respostas burocráticas, a assessoria do governador da Bahia, Rui Costa, informa que a Operação Bahia Sem Fogo é formada por bombeiros militares, Exército e Força Aérea Brasileira, e é coordenada pela Secretaria do Meio Ambiente e executada pelo Instituto do Meio Ambiente e Recursos Hídricos (Inema).

Para moradores, a atuação do governo do estado é ínfima e pouco eficaz, além de não dialogar com as demandas da população local. O incêndio consome a Chapada Diamantina há mais de 40 dias.

Imagens da Chapada Diamantina na madrugada desta sexta-feira (11/12) | Fotos: Marcelo Issa

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Geral

Por dentro das prisões modelo

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Conheça duas penitenciárias brasileiras que não são administradas pelo Estado — como funcionam, os interesses envolvidos, os pontos fortes e fracos

Aquele espaço só pode ser visto por trás do vidro do andar superior. Ou, no máximo, pode-se pedir um zoom na tela do computador de monitoramento. Ali ninguém entra. Até mesmo os agentes penitenciários ficam do lado de fora. Conversar com um preso, só com autorização prévia da diretoria. De repente, uma movimentação estranha. Há gritaria, alguns guardas correm. Para nós, soa como se uma rebelião estivesse para começar. Mas era só uma bola de futebol furada — e uma tensão constante que exige que cada incidente seja resolvido antes de se tornar um problema maior. A correria dos guardas era para entregar uma nova “redonda”.

Agentes de segurança observam movimentação dos presos nas áreas conhecidas como “vivências”.

Na Associação de Amparo e Proteção ao Condenado (APAC) de Itaúna, a semelhança com qualquer outra unidade prisional termina nos altos muros da entrada. A porta é aberta por um “recuperando”, como são chamados os homens que cumprem pena ali. Ele te encaminha a outro interno, que mostra todas as dependências da unidade. Vários presos circulam e trabalham. É permitido conversar com qualquer um deles no trajeto. O lazer começa só a partir das 17h, quando acaba o horário de trabalho. Mais do que observar, os visitantes podem até escolher se preferem se juntar às partidas de futebol, de peteca ou de dominó que acontecem por ali.

Detentos jogando futebol na unidade APAC de Itaúna (MG)

Não se vê nenhuma arma e não há policiais. Também não existem câmeras de vigilância. A segurança é feita pelos chamados “inspetores de segurança”, sempre desarmados. São quatro ao todo, dois por turno, para um grupo de 200 presos. A região das celas é um ambiente escuro e frio, mas ninguém permanece ali ao longo do dia, a não ser que esteja cumprindo alguma sanção disciplinar. Toda a limpeza é feita pelos internos, que também constituem um conselho responsável por ajudar na manutenção da disciplina.

“Entre os presos que cumprem pena nesse modelo (APAC), o índice de reincidência gira em torno de 10% e 20%, enquanto no sistema prisional comum, esse número é entre 70 e 80%. Ainda não existem dados do modelo privado no Brasil, já que sua implantação é recente.”

Empresários e voluntários

No CPPP, uma empresa privada é responsável por todos os serviços que não estão diretamente relacionados com a segurança. Desde assistência jurídica a atendimentos médicos, passando por fornecimento de comida e de materiais de higiene, tudo é responsabilidade da empresa. Apesar de estar previsto em contrato que a corporação não pode deixar faltar esses itens básicos, nos EUA, onde cerca de 10% dos presos estão em unidades que seguem esse modelo, já houve denúncias de falta deles.

Lá, a empresa Aramark, por exemplo, responsável por fornecimento de comida em presídios, foi multada depois de comprovadas falhas que deixaram prisioneiros sem comida. Em cinco casos, também foram encontrados vermes nas refeições oferecidas. Denúncia semelhante aconteceu no Brasil em unidades que privatizaram a alimentação — elas vieram a público em 2012 por meio da Operação Laranja com Pequi, da Polícia Federal.

Sala de aula dentro da unidade prisional PPP de Ribeirão das Neves (MG)

As dificuldades para fiscalização em ambientes projetados para manter quem está dentro em total segregação dos que estão fora facilitam abusos desse tipo. É importante, ainda, lembrar que instituições privadas visam lucros e constantemente economias são feitas, por exemplo, a partir de compras de alimentos de menor qualidade ou vencidos. Nenhum real dessas economias se refletem em quedas dos custos do Estado, já que o valor pago para a empresa é fixado em contrato, que no caso do CPPP tem validade de 27 anos.

Uma das maiores críticas ao modelo é o fato de a provisão de assistência jurídica ser feita pela mesma empresa que lucra com a permanência dos presos, em um possível conflito de interesses. Esse fato, aliado à proibição de conversas com qualquer preso que não seja indicado pela direção, dificulta a construção de um panorama real sobre o tratamento dos internos.

As APACs, por sua vez, são construídas sobre as bases do trabalho voluntário local. Com a filosofia de que a mesma comunidade que possibilita a transformação de um cidadão em um criminoso, ao negar a ele certos direitos, deve ajudar a tratá-lo, as unidades são sempre pequenas e recebem presos cuja família está na comarca. Assim, há um trabalho para a reconstrução dos laços familiares daqueles que anos antes abandonaram mães, esposas, irmãos e filhos para ingressar no crime.

Detento recebendo atendimento dentário por um voluntário da APAC de Itaúna (MG)

Mais do que isso, busca-se o envolvimento de toda a cidade. Dentistas, médicos e advogados locais reservam uma manhã ou tarde semanais para prestar serviços voluntariamente. Tal apoio — angariado em muitas reuniões, conversas e explicações antes da construção da unidade prisional — ajuda não apenas na manutenção da prisão, mas em geral se reverte em contratações de egressos da unidade depois do cumprimento da pena. É comum que cursos profissionalizantes oferecidos dentro do presídio por instituições respeitadas, como o Senai, abram as portas para moradores da cidade, que estudam lado a lado com os internos. Quando estivemos na APAC Itaúna, presenciamos uma situação desse tipo em um curso para padeiros.

O que é aprendido é aplicado no funcionamento da APAC, que também não contrata cozinheiros ou compra marmita, nem traz pintores ou eletricistas de fora, muito menos terceiriza os serviços de limpeza. Tudo é feito pelos internos, que ganham remissão de dias de pena a cada dia trabalhado — como prevê a Lei de Execuções Penais. Isso ajuda a reduzir os custos de manutenção da unidade prisional.

Detento da APAC de Itaúna (MG) cuidando de horta da unidade

Tudo isso, aliado às discrepâncias nos aparatos de segurança, criam diferenças nítidas nos custos das unidades. Enquanto no sistema prisional comum, a manutenção de um preso custa em média R$ 1.800 por mês, nas APACs esse valor gira em torno de R$ 1.200. O contrato do CPPP, por sua vez, prevê que o Estado pague R$ 2.700 mensais por cada preso.

Entre estupradores e ladrões de galinha

De acordo com declarações públicas já feitas por membros da Secretaria Estadual de Defesa Social de Minas Gerais, o Estado tem evitado enviar para o CPPP presos de mau comportamento, chefes de organizações criminosas e condenados por estupro. Os dois primeiros grupos por serem potenciais encorajadores de rebeliões e brigas internas. Aqueles condenados por estupro, por sua vez, não são bem vistos por outros presos e, frequentemente, são agredidos e assassinados nas unidades prisionais. Uma morte dentro de um presídio privado não seria bom para os negócios: há altas multas previstas em contrato.

Kit recebido por cada detento da unidade PPP de Ribeirão Das neves (MG)

A escolha criteriosa daqueles que serão enviados à unidade ajuda nos bons índices apresentados até o momento — índices esses usados para justificar as novas licitações para construção de outros presídios com esse perfil.

O modelo do CPPP já inspirou licitações semelhantes no Rio Grande do Sul, em Pernambuco e no Distrito Federal. São Paulo também já fez consultas públicas para avaliar o interesse de empresas no projeto de um complexo que abrigaria 10.500 presos.

Os críticos da APAC dizem que o modelo também não seria adequado para esses presos mais problemáticos. Quando estivemos na unidade de Itaúna, porém, encontramos cinco homens condenados por estupro — ao lado de outros cumprindo penas por homicídio e tráfico de drogas.

Existia uma certa tensão na relação com outros presos, que diziam que “é difícil ter que seguir ordens de um cara desses”, referindo-se a um dos cinco que fazia parte do conselho de disciplina local. Considera-se que estupradores são cruéis — “ele fez isso uma vez, vai fazer sempre, pode fazer com minha irmã, com minha mãe”, explica um dos internos. Apesar da tensão, nunca foi registrada uma agressão verbal ou física contra eles.

Reunião do conselho disciplinar da APAC de Itaúna (MG), formado pelos próprios detentos
Detento do presídio PPP de Ribeirão das Neves (MG) recebe atendimento jurídico

Como o envio de presos à unidade depende em grande parte do juiz de execuções penais da comarca, em muitos municípios apenas os chamados “ladrões de galinha” chegam às APACs. Em outras, porém, como é o caso de Itaúna — comarca na qual o juiz, Paulo Antonio de Carvalho, é publicamente um entusiasta do método — todos os tipos de crime, de tráfico a homicídio, acabam na unidade.

Nunca houve, porém, um caso de agressão física, assassinato ou rebelião em nenhuma das unidades APAC em seus mais de 40 anos de existência.

Também no CPPP não foi registrada nenhuma morte desde a sua criação, em 2013. Já no sistema prisional comum, apesar de não existirem estatísticas sobre rebeliões, segundo o Ministério da Justiça, 566 pessoas morreram em penitenciárias do país durante os seis primeiros meses de 2014.

Na próxima matéria da série sobre os presídios modelos, vamos tratar das principais críticas e limitações de unidades prisionais dos modelos do CPPP e da APAC.

 

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