Na entrevista recentemente dada ao jornalista Luís Nassif, pela TV Brasil, a presidenta Dilma Rousseff esclareceu suas crenças sobre o funcionamento da economia, evidenciou sua lógica econômica para as medidas de incentivo ao investimento, no seu primeiro mandato, e para o aperto fiscal de 2015 e, sobretudo, mostrou o ambiente político que transpassava as decisões econômicas.
Vamos recuar um pouco no tempo e rever essa história?
A crise da economia mundial, iniciada pelo mercado de financiamentos imobiliários nos EUA, deu seus primeiros sinais em 2007 e, até agora, em meados de 2016, ainda não podemos dizer que estamos “de alta”. Como repercutiria no Brasil? Dilma afirmou que o diagnóstico de 2011, primeiro ano de seu primeiro mandato, era de que a crise mais cedo ou mais tarde chegaria aos países emergentes. A equipe econômica e ela previam que os países desenvolvidos, para diminuir os efeitos da recessão que se abatia sobre eles, iriam diminuir o custo do capital (juros) e também o custo do trabalho.
Essas medidas, baixar os juros e tentar diminuir custos para as empresas, o custo do trabalho entre eles, tem como meta incentivar o consumo e o investimento para tentar reverter a queda na produção, para tentar reverter a recessão. São chamadas de medidas anticíclicas por que agem em sentido contrário do ciclo que está prevalecendo. Nesse caso são medidas que incentivam a demanda, consumo e investimento, num momento em que a economia está fraca, em recessão.
A opção por aprofundar uma política anticíclica
“Nós optamos por aprofundar uma política anticíclica de combate à crise que já tivera início no final do governo Lula. Nós buscamos reduzir os custos do trabalho e, por isso, reduzimos as contribuições (algo em torno de 28 bilhões). Para conter os efeitos do câmbio, fizemos uma política de conteúdo nacional. [Por] todas essas políticas, e também pelas condições internacionais de barateamento da taxa de juros, foi possível reduzir as taxas de juros”, declarou Dilma.
No entanto, embora os governos tenham o poder de incentivar a retomada do crescimento, como foi feito, são os consumidores e os empresários que, voltando às compras e aos investimentos, conseguem reverter o ciclo recessivo. Se as empresas não retomam seus investimentos e as pessoas não retomam seu consumo, não se sai da crise, mesmo com todo o esforço do governo.
Para voltar à vida “normal” consumidores e empresários precisam olhar para a economia e avaliar que tudo está retornando à ”normalidade”. O consumidor não faz planos de trocar de carro, construir ou reformar uma casa ou comprar uma nova televisão se sente que seu emprego está em risco. Do mesmo modo que um empresário não amplia seus negócios, não compra novas máquinas ou não constrói uma nova fábrica se está inseguro com o crescimento e estabilidade do país.
O papel das “expectativas”
É nesse sentido que as “expectativas” têm influência fundamental sobre o andar da economia. São milhões e milhões de decisões sendo tomadas a cada momento e que carregam o otimismo ou o pessimismo de todos nós.
Pois bem, as medidas anticíclicas tomadas não foram suficientes para fazer a roda inverter seu giro. “Nós vemos uma crítica sistemática a esse processo e que tem efeito sobre as expectativas. Tanto é que o BNDES cobrando taxas no Programa de Sustentação do Investimento de 2,5%, você não consegue recuperar o investimento”, aponta Dilma. É essencial reconhecer que a oposição a seu governo teve papel preponderante para formar um ambiente de pessimismo, mesmo quando os dados econômicos e sociais mostravam o contrário.
Nesse momento, o entrevistador relembrou que em 2013 a taxa Selic chegou em 7,5% ao ano e que, ao invés de haver uma comemoração, houve uma enxurrada de críticas à queda da taxa básica de juros. “Tem um grau de financeirização na economia brasileiro em que todos os setores têm interesses na rentabilidade financeira. Havia, e acho que isso ficou patente, uma grande resistência à queda da taxa de juros. Não era algo trivial. Inclusive por que diziam que estava afetando o valor das ações na Bolsa. E que havia então uma situação que era bastante adversa para, não só para aqueles que atuam especificamente no mercado financeiro, mas também para os que atuam na indústria em geral e no setor de serviços”, reforça a presidenta.
A esse propósito é preciso dizer que a taxa de juros no Brasil é uma anomalia perversa: é o maior concentrador de renda do país, é o gasto que provoca maior déficit no orçamento do governo e é o maior desincentivo ao investimento produtivo, o que trava o crescimento econômico. Hoje, por exemplo, com o país em seríssima recessão, deveríamos ter um taxa Selic de, no máximo, 6% que é a expectativa da inflação para os próximos 12 meses. Porém, temos uma taxa de 14,25% que representa 6% para recuperar a inflação e mais 8% de ganho real. Quem se anima a investir em fábricas, máquinas, etc. com o país em recessão podendo aplicar em títulos do governo e receber, sem risco, essa taxa absurda de juros?
Como é que vira?
Mesmo com as dificuldades na economia mundial, o Brasil vinha crescendo, batendo recordes históricos nos níveis de emprego. Quando e por que teria entornado o caldo? Dilma responde, já revelando o impacto da luta política nos destinos da economia: “Se você me perguntar como é que vira? […] vira num momento muito estranho porque se combina também com as manifestações de junho de 2013, que são estranhíssimas, naquele quadro em que você tinha uma taxa de juros caindo, você tinha uma taxa de investimento tentando ser alavancada, você tinha uma redução grande dos impostos. O que que acontece? Quem sustenta tudo isso é o governo. Aonde que ele sustenta? Ele sustenta via seu orçamento. O orçamento é, necessariamente, diante de uma crise, ou mesmo fora de uma crise, um campo de disputa política.”
Nassif afirma suspeitar que a mudança de expectativas ocorreu no momento em que o Banco Central voltou a elevar as taxas de juros. Sua opinião é que muitos dos que tinham dinheiro aplicado já estavam ensaiando investir na economia real, sair dos títulos financeiros para investir em empresas de verdade. Mas com a subida das taxas de juros resolveram deixar os recursos em aplicações financeiras, como os títulos do Tesouro brasileiro. Dilma, no entanto, entende que a subida da taxa de juros foi uma política tradicional do BC porque começava uma pressão sobre a taxa da inflação. Aponta que tentaram uma série de medidas para que os preços administrados pelo governo não explodissem, como a renegociação das concessões de energia elétrica.
Ela localiza a virada entre a metade e o final de 2013, do otimismo para o pessimismo, do crescimento para a estagnação: “Houve uma grande pressão que começa ali por volta da metade de 2013, não estou com isso muito claro […], mas tenho certeza de que, no final de 2013, isso está palpável. E todas as medidas que se tomam não seguram, mas nós ainda fizemos um esforço. Aí começa algo que nós vamos sentir aos poucos, você não tem noção disso imediata, que é o fim do superciclo das commodities. O fim do ciclo começa lentamente. Lá pelo início de 14, o petróleo ainda está no patamar dos 80/100 dólares o barril, a China não tem ainda uma aterrissagem mais profunda, ela ainda está crescendo em torno de 8/9%. Não há uma indicação muito clara disso”.
A seca intensa
Além da queda nos preços das commodities, com os preços do petróleo liderando a queda, houve, segundo ela: “um fato que é muito subestimado no Brasil, que foi que nós temos uma seca em 12, 13 e era esperado que em 14 fosse mais suave. […] Temos uma intensificação violenta da seca [em abril, maio de 2015], a ponto do reservatório de Furnas, que é o maior reservatório do país chegar a 8%”. A seca foi tão intensa que muitos apontaram ser uma irresponsabilidade do governo não fazer racionamento. Dilma reitera que: “Não era necessário fazer racionamento porque tinha uma estrutura de térmicas, mas isso significava uma pressão muito forte na inflação. E nós tivemos uma alteração de preços relativos ali violenta”. As tarifas de energia elétrica, que junto com os preços dos combustíveis, afetam todos os preços da economia brasileira sofreram uma alta brusca de preços. As termoelétricas nos supriram de energia no período de grande estiagem, porém com preços mais altos. Espalhou-se desse modo a inflação por todos os preços da economia.
Além dos efeitos da seca, ainda temos de considerar a contaminação pelo desaquecimento global da economia. Dilma conta que em uma reunião dos Brics em abril de 2015 circulou rumores de que o petróleo chegaria a 30 dólares o barril. “Mas no final de 14, início de 15 nós percebemos o final do superciclo das commodities.” Lembremos que o barril de petróleo era negociado a 107 dólares em junho de 2014 e passou a ser negociado a 48 dólares em janeiro de 2015. Essa queda demonstra a fraqueza da economia mundial, por um lado, e a perda de receita que tivemos com a queda nos preços das commodities que exportamos, como soja e minério de ferro. Hoje o petróleo está na casa dos 50 dólares o barril, depois de ter atingido a mínima, próximo de 30 dólares, em fevereiro desse ano.
O ajuste rápido
“Assumimos, logo no início do segundo mandato, que deveríamos fazer um esforço de ajuste rápido”, conta Dilma. O ajuste é delineado pela equipe do Mantega e, pela primeira vez, coloca-se a necessidade da CPMF. Começa-se a discussão sobre a taxação dos dividendos e sobre heranças. “Na nossa avaliação, teríamos que fazer um ajuste rápido, que teria como fundamento um corte de despesas, mantendo os programas sociais, e teríamos de iniciar um processo imediatamente um processo para ampliar a receita. Primeiro, reduzindo as próprias desonerações que tínhamos dado. Segundo, ampliando os impostos. Nós não conseguimos fazer isso completamente”.
O governo tinha clareza, reitera Dilma, de que o corte seria procíclico, ou seja, o corte de despesas num momento recessivo aprofundaria a recessão. “Temos um limite de absorver isso no orçamento. Se você absorve de forma contínua no orçamento um ajuste, naquelas condições que estávamos absorvendo, com a inflação saindo do controle, […] se você embute no orçamento toda uma política anticíclica, você não suporta”.
Aqui Dilma deixa claro que a percepção dela e da equipe econômica, já no final de 2014, era que o governo não teria mais como atuar no sentido de tentar amenizar a recessão que assombrava a economia brasileira. A ideia dos heterodoxos, keynesianos e desenvolvimentistas, de que é necessário aprofundar o déficit e usar o poder do governo para não deixar a recessão se instalar, não foi a opção preferida naquele momento, ou por falta de apoio político para dobrar a aposta nos investimentos ou por crença econômica mesmo de que o endividamento do Brasil estava perto do limite. Qualquer que tenha sido a razão, o ajuste aprofundou sobremodo a recessão.
Dilma enfatiza o que disse o prêmio Nobel de economia Joseph Stiglitz: “a crise econômica era favas contadas, que ia chegar no Brasil. Vocês não podem querer ficar à margem de um processo que atingiu o mundo. O que não era previsto era uma crise política dessa dimensão”. Temos, então, que juntar, ao quadro desenhado até agora, a oposição feroz contra Dilma, em que nenhuma medida de ajuste proposta por seu governo foi aprovada pelo Congresso: “Olhe que país do mundo que não aprovou uma série de medidas [anti-crise] em seu Parlamento? […] Conosco a política do quanto pior melhor foi muito forte. Foi de uma irresponsabilidade absoluta do PSDB. Aí não é só o PMDB. É irresponsabilidade do PSDB que achava que se inviabilizasse meu governo do ponto de vista econômico criaria o ambiente para o impeachment. Criaram. Só que o impeachment caiu no colo do PMDB”.
Chegamos assim a junho de 2016.
Uma resposta
Não adianta querer vir a defensora da Pátria agora .Onde vai colocar esses desempregados mais de 1 milhão , firmas quebrando e fechando.Povo sem dinheiro e inflação aumentando.