Presas que estão em período de maternidade enfrentam dificuldades dentro de penitenciárias brasileiras

Michael Mary Nolan, advogada criminalista e presidente do Instituto da Terra, Trabalho e Cidadania (ITTC) em encontro com estudantes de jornalismo do Projeto Repórter do Futuro na sede do Instituto de Defesa do Direito de Defesa, em São Paulo. Foto: Luan Ernesto Duarte.

Por Giuliana Saringer

Do ano 2000 a 2012, a população carcerária nas penitenciárias femininas cresceu 246%, enquanto a masculina teve um aumento de 130%, segundo dados do Departamento Penitenciário Nacional (Depen). Para Michael Mary Nolan, advogada criminalista e presidente do Instituto da Terra, Trabalho e Cidadania (ITTC), “o sistema prisional em si não é um lugar para mulher. Ele é patriarcal, ele é feito para homens”. Por não ser um espaço que contempla totalmente as necessidades especificamente femininas, algumas situações tornam-se mais difíceis dentro da cadeia. Dentre elas, a maternidade.

Nolan trabalha com mulheres em situação de prisão e afirma que a legislação prevê condições básicas para que as presas possam dar à luz e cuidar dos seus filhos. No entanto, nem sempre é respeitada, já que apenas alguns presídios contam com os pavilhões maternos, como é o caso da Penitenciária Feminina da Capital e da Penitenciária Feminina de Tremembé.  “Se o Estado vai prender e diz que tem precisa respeitar a dignidade humana da pessoa, ter o que ela necessita faz parte disso”, defendeu.

Viviane Balbuglio, estudante do curso de Direito e funcionária do ITTC, afirmou que as mães que dão à luz no sistema passam por uma situação de hipermaternidade. “As mulheres não têm nenhum tipo de estimulo além de cuidar dos bebês. Elas ficam com os filhos 24 horas por dia por 6 meses e, de um dia para o outro, eles são tirados delas”, esclareceu. Além disso, reforçou sobre o fato de essas mulheres com filhos serem invisibilizadas dentro do presídio. “Elas não têm acompanhamento pós-parto, psicológico e às vezes são obrigadas a tomar anticoncepcional [depois do parto]”, explica.

“O que a gente pode ver é que o acesso ao ginecologista acaba não existindo. Nós perguntamos se tiveram acompanhamento pré-natal e a maioria, especialmente nos presídios do interior, não tem. As mulheres acabam fazendo apenas um ultrassom durante nove meses de gravidez”, relatou Balbuglio. Nolan também apontou outro problema grave durante o período de maternidade: “A legislação do estado de São Paulo não inclui pediatra para a cadeia.”

Enquanto cuidam dos filhos, as mulheres passam por um grande impasse, porque não podem trabalhar. A advogada criminalista argumentou que é um período de escolhas difíceis. “Trabalhando, elas têm dinheiro e podem mandar para a família. Ficar 24 horas com o bebê faz com que elas deixem de fazer isso. Além disso, a cada três dias de trabalho ou estudo na cadeia é retirado um dia da pena”, disse. Assim, algumas presas optam por entregar seus bebês antes do prazo determinado, porque podem voltar ao trabalho e conseguem ajudar as famílias fora do presídio.

 

Sem sala de parto

As Regras de Bangkok, conjunto de normas que colocam em pauta as necessidades das mulheres presas, aprovadas em 2010 pela Assembleia Geral da ONU, da qual o Brasil faz parte, somadas ao Marco Legal de Atenção da Primeira Infância, sancionado por Dilma Rousseff em 2016, fazem com que as mulheres grávidas fiquem mais amparadas pela lei para terem sua dignidade respeitada. Balbuglio explicou que a legislação impôs, entre outros pontos relevantes, a necessidade de notificar se a presa está grávida ou tem filhos. No caso da gravidez, esse é um grande avanço segundo o ideal do ITTC. “Nós trabalhamos com a hipótese de que toda gravidez é de risco dentro da prisão, mas o judiciário não entende da mesma forma”, argumentou.

Anos atrás, as presas davam à luz na própria cela ou em hospitais, algemadas. Hoje a prática é diferente, mas ainda muito precária. Para chegarem aos atendimentos médicos hospitalares, precisam ser levadas por uma escolta, que muitas vezes demora para chegar. Nos casos em que o atraso é muito grande, o parto acontece durante a espera e as funcionárias da prisão têm de ajudar durante o procedimento, mesmo sem uma capacitação adequada.

Depois do parto, as presas são submetidas a regramentos sobre como devem cuidar dos seus filhos e serem mães. “Elas têm sempre o sentimento de culpa, porque a própria penitenciária acaba pressionando para que elas entreguem os filhos, dizendo que estão fazendo mal. Mas a gente tem que pensar que o período de amamentação é essencial para o desenvolvimento da criança, sem contar que esse vínculo vai durar a vida inteira”, a estudante completou.

A sociedade, segundo Nolan, tende a ser a maior barreira para que as novas leis sejam de fato colocadas em prática. “A legislação diz que as mulheres grávidas ou com crianças de menos de 12 anos sob sua responsabilidade podem ficar em prisão domiciliar. Agora, nosso problema é que o povo não vai aceitar isso. Especialmente porque a maioria das mulheres são presas por questão de drogas. Vamos ver se vai ser aplicado ou não. Vai depender muito da maneira como a mídia apresentar isso”, informou.

Depois de 30 anos de experiência em penitenciárias femininas, a presidente do ITTC afirmou que estar presa não é sinônimo de não ser uma boa mãe. “A grande maioria das mulheres estão no sistema de prisão porque estavam preocupadas com os filhos. Disso eu não tenho a menor dúvida”, concluiu.

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