Direitos Humanos
REVOLTA XOKLENG: “Prenderam o assassino, mas não chegaram aos mandantes do crime”
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7 anos atrásem
por
Raquel Wandelli
Comunidade está revoltada porque teve que fazer um protesto para prenderem o assassino dentro da casa dele, onde estava parado há vários dias, diz presidente dos caciques Tucun Gakran. Para lideranças, prisão de homem que matou o educador Marcondes Namblá a pauladas não deve encerrar as investigações. Versão da polícia para o crime como assassinato por “motivo fútil” revolta o povo indígena. Notícia foi recebida num misto de alegria, ceticismo e indignação.
Fotos: Raquel Wandelli. Colaborou na arte da edição: Guilherme Imbassahy

Professor morto a pauladas era um dos mais importantes pesquisadores e lutadores dos sobreviventes da Terra Indígena Laklãnõ. FOTO: Arquivo pessoal
As aldeias da reserva de José Boiteux estão recebendo a notícia da prisão do assassino do juiz da Terra Indígena Xokleng Laklãnõ, Marcondes Namblá, morto a pauladas na virada do Ano Novo, no Litoral Norte de Santa Catarina, num misto de dor, alívio e indignação. Passados 12 dias do assassinato, a Polícia Civil prendeu hoje (12/1), às 8h30min, Gilmar César de Lima, identificado pelas câmeras de vigilância como autor do espancamento que levou à morte cerebral Marcondes Namblá, 38 anos, pai de cinco filhos, educador da última reserva Xokleng do Brasil e a única no Planeta. Gilmar, 23 anos, foi detido e algemado na casa de familiares (da irmã) em Gaspar, no Vale do Itajái, de onde era natural, oito dias após ter sido expedido o seu mandado de prisão (4/1), o segundo contra ele, que já tinha cometido um crime anterior de tentativa de homicídio qualificado.

Comunidade Xokleng recebe em silêncio a notícia da prisão do executor de seu líder Marcondes Namblá hoje pela manhã. Na foto, ritual por justiça realizado no local do crime
Reunidos em torno do presidente da Terra Indígena, Tucun Gakran, os caciques das nove aldeias e suas lideranças não aceitam que as investigações parem por aí e afirmam que não basta “prender o executor do crime sem chegar aos mandantes”. Autor de vários crimes envolvendo além de homicídio, tráfico de drogas, roubo, receptação e espancamento de mulheres, Gilmar confessou o crime, conforme o delegado-geral adjunto, Marcos Ghizoni, em relato oficial da Polícia Civil em Santa Catarina. Ele afirma que o indiciado “admitiu o erro” e confirmou o que havia justificado para uma testemunha que o interpelou sobre o motivo do espancamento: que o indígena teria mexido com o seu cachorro. Assim, para a instituição policial, fica valendo a versão de crime por “motivo fútil”, como é conhecido na linguagem técnica um crime sob alegação insignificante. O caso estava sendo investigado pelo delegado da Polícia Civil de Piçarras, Douglas Teixeira Barroco, que já havia recusado de antemão a relação do crime com motivações étnicas ou racistas.
Se o veredito da prisão do criminoso confirma a versão do delegado e mostra o sucesso da polícia na operação, na visão das lideranças indígenas ele é uma afronta a sua inteligência e ao seu direito de ter essa morte bárbara investigada “com seriedade e profundidade”, como afirma o presidente Tucun Gakran. “Nós não vamos parar enquanto não foi esclarecido o real motivo do crime”. Segundo o líder de todos os caciques e dos cerca de 2.500 habitantes da T.I., a comunidade recebeu a notícia da prisão “com muita indignação porque fala que foi preciso um protesto pra polícia ir lá pegar ele e fala que a polícia sabia aonde ele mora pois ele tem residência fixa”.
Reunidos durante toda a manhã, os caciques reafirmam suas suspeitas de que se trata de crime encomendado envolvendo grupos de tráfico de drogas e rinha de galo infiltrados na Terra Indígena. Lembrando que o preso já foi visto dentro das aldeias em maio de 2017, eles recusam com veemência a versão do “crime fútil”. Tucun, o cacique da aldeia de Palmeirinhas, Jonas P. K-mrem; as líderanças Brasílio Priprá; Joasias Kuita e os familiares Namblá Gakran e Isabel Prestes Gakran, entregaram, na terça-feira (9/11), em audiência com o procurador-chefe do Ministério Público Federal em Santa Catarina, Darlan Airton Dias, um pedido de abertura de inquérito criminal pela Polícia Federal. Nessa reunião, acompanhada com exclusividade pelos Jornalistas Livres, eles apresentaram, junto com o documento formal, um conjunto de suspeitas que já haviam levantado no final de semana para a reportagem. (https://jornalistaslivres.org/2018/01/lideres-xokleng-acreditam-que-educador-foi-assassinado-por-matador-de-aluguel-e-recusam-versao-da-policia/).

Reunião dos caciques com o procurador da República, que prometeu investigar as denúncias da comunidade.
O procurador Darlan Dias havia se comprometido com as lideranças a visitar as aldeias e delegacias de Penha e de Piçarras nesta quinta e sexta-feira (11 e 12/1), mas devido ao temporal e à situação das estradas em Santa Catarina, adiou a investigação preliminar para a próxima semana. Ele explicou aos representantes que prefere primeiro apurar as denúncias levantadas pela comunidade antes de envolver a Polícia Federal no inquérito. Em entrevista aos Jornalistas Livres, o procurador afirmou que não se pode descartar o caráter racista do assassinato, tendo em vista a sequência de outros crimes também marcados pela brutalidade ocorridos recentemente no Estado. “Vamos apurar até encontrar o motivo real do assassinato”. Antes de dar um parecer, contudo, ele disse que prefere manter os detalhes das investigações em sigilo até concluir o trabalho e “a verdade aparecer”.
Entre os indícios que o procurador se comprometeu a investigar está o de que Marcondes Namblá foi vítima de omissão de socorro pela própria polícia, cuja viatura passou pelo local do crime, mas não recolheu a vítima por supor que se tratava de um “índio bêbado caído na calçada”, conforme declaração do próprio delegado à imprensa local. Também se comprometeu a apurar a omissão cúmplice das testemunhas, que não fizeram nada para impedir o assassino de espancar o professor Namblá até esmigalhar o cérebro do indígena. Por último, pesa a denúncia de negligência do hospital Marieta Konder Bornhausen, em Itajaí, para onde Namblá foi transferido depois de ter sido diagnosticado Traumatismo Craniano Encefálico. Segundo relato dos familiares, o hospital teria se recusado a fazer a cirurgia antes que a família chegasse com os documentos deixados no hospital de Penha.
As seis horas passadas entre a primeira internação, por volta de 8 horas, e a cirurgia no hospital de Itajaí, depois das 14 horas, teriam sido a prova de discriminação no atendimento a um indígena protegido pelas normas da Secretaria Especial da Saúde indigena (Sesai), conforme Brasílio Priprá. Segundo ele, a intenção de bater para matar ficou clara para todas as lideranças, após assistirem várias vezes as filmagens do crime pela câmera de vigilância. No vídeo, o agressor retornou quando o indígena mostrou sinais de vida, o que reforça a hipótese de se tratar de um assassinato por aluguel. Enquanto a polícia não chegar às implicações que estão por trás desse crime, ocorrerão outras atrocidades, avisou o primo da vítima, Nanblá Gakran, que é professor da UFSC e estudante de pós-doutorado.
A integrante da Regional Sul do Conselho Indigenista Missionário, Marina de Oliveira, afirmou em depoimento por áudio que o assassinato do professor tem fortes relações com o assassinato do menino Victor Kaingang, em dezembro de 2015 por três principais coincidências. Os dois crimes ocorreram em períodos de festas; ambos sob alegação de motivos “fúteis”, como a justificativa de que “odeio índio” para a morte do bebê e de que “mexeu com o meu cachorro” para Namblá, ambos com semelhança de brutalidade no método utilizado pelos assassinos: para um a degola, para outro o espancamento a pauladas. E, por último, o fato de que os indígenas estavam deslocados de suas aldeias para buscar melhorar a renda e as condições de sobrevivência prejudicadas pelo tamanho abaixo do ideal dos territórios indígenas. Para o Cimi, essas características impõem a necessidade de uma investigação aprofundada e rigorosa
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Veja o vídeo fornecido pela Polícia Civil:
RITUAIS VÃO CONTINUAR AJUDANDO A REVELAR A VERDADE, ACREDITAM OS XOKLENG
Com as fortes chuvas que castigaram as aldeias até ontem e a dificuldade de acesso à internet, os indígenas estão recebendo aos poucos a notícia da prisão. Alguns preferem ficar em silêncio para sentir o significado desse acontecimento, como a professora e estudante de Antropologia Social da UFSC, Ana Roberta Patté, membro de outra família tradicional Xokleng, que sente um misto de alegria e dor. Mas ela, as lideranças e a comunidade como um todo, acreditam que a verdade começará a aparecer por força dos rituais e da espiritualidade do seu povo. https://www.facebook.com/diariogetuliense/videos/557978387871753/
Enquanto lutam para as autoridades não pararem as investigações, na prisão do executor do crime, os representantes confiam na proteção ancestral da sua cultura para fazer Justiça. “A verdade vai aparecer”, diz Nanblá Gakran, considerado a maior autoridade no país e no mundo na pesquisa da língua e da cultura Xokleng. “Com certeza a foça espiritual Xokleng está agindo”, opina sua nora Isabel Prestes Gakran Mundukurun, estudante de Fonoaudiologia e dirigente da Associação dos Estudantes Indígenas da UFSC, que reúne nos seus laços de família três etnias: Xokleng, Mundurukun e Parintintin. Esse sentimento é compartilhado também pelo jovem Cristhian Roberto Priprá e seu pai, Brasílio Priprá. “Muita suspeita ainda precisa ser investigada, muita coisa precisa ser melhor explicada, mas nossa força espiritual vai ajudar a clarear o que houve para nosso povo, com certeza”.
O RITUAL POR JUSTIÇA NO LOCAL DO CRIME: LUTO E LUTA
Sob o fundo de instrumentos sagrados e ritos fúnebres tradicionais, na quarta-feira (10/11), mais de 200 indígenas, vindos das aldeias em José Boiteux e do Curso de Licenciatura Intercultural Indigena, em Florianópolis, fizeram um protesto no local do crime, na avenida Eugênio Krause, em Penha, para exigir justiça e punição dos culpados. Ao mesmo tempo, os líderes espirituais realizaram uma cerimônia para que o espírito do educador regressasse a aldeia e continuasse a luta por direitos com seu povo. Num ritual triste e belo, eles fincaram no concreto da calçada, no exato ponto onde ele foi espancado, a lança com a qual Namblá ensinava aos seus alunos da Escola Indígena Laklãnõ como os antepassados guerreiros faziam nas matas.

Morte bárbara do educador Xokleng cobre a aldeia de tristeza e tira os habitantes mais velhos da aldeia para protestar no local do crime
Na quarta-feira de forte tormenta, quando as estradas de Santa Catarina se abriam em crateras, e a Defesa Civil desaconselhava que se saísse de casa, três ônibus com habitantes vindos das nove aldeias que da reserva Xokleng Indígene e outro ônibus lotado do Curso de Licenciatura Intercultural Indígena, de Florianópolis, com representantes de várias etnias, conseguiram chegar ao chamado “Vale Europeu” para a cerimônia-protesto. Durante o ritual, o professor indígena Oziel Xokleng, observou que as imagens da câmera ao lado direito de quem está de frente para a loja de construção, na calçada onde ocorreu o espancamento, não foram examinadas, somente as imagens da câmera da direita. “Por que estão ocultando essas imagens”, perguntou?

Ex-presidente da Associação Nacional das Mulheres Indígenas, Culung Tié (Suzana), ao lado do filho: “Nós queremos justiça, justiça e justiça”
Cantando, orando e pedindo justiça, as mulheres e líderes espirituais abençoaram o local onde foi derramado o sangue Xokleng. “Agora aqui é um local sagrado”, afirmou a prima de Marcondes, Culung Tié, 56 anos, sem revelar o significado da lança enterrada, um segredo que, segundo ela, só ao seu povo pertence. “Nós temos o direito, pela convenção 69 dos povos indígenas, de estar aqui embaixo dessa chuva exigindo justiça para o nosso grande líder e adorado educador”, disse a ex-presidente do Conselho Nacional das Mulheres Indígenas, com os seios desnudos e os braços abertos para a tormenta que caía dos céus.
QUEM MORREU FOI O ARQUIVO VIVO DA CULTURA XOKLENG
Doutor em linguística pela UNB e mestre pela Unicamp, o estudioso Nanblá Gakran realizava com o primo um importante projeto de registro da língua Lklãnõ, que foi ágrafa até o final dos anos 90, antes de ele fazer a sistematização do fonético para o escrito. Namblá, que havia se inscrito para o curso de mestrado em Antropologia da UFSC, era o grande entusiasta e parceiro nessa empreitada. Na verdade, o índio morto a pauladas e abandonado à calçada fria da madrugada do Ano Novo, era o registro vivo da língua perdida para o futuro, a ligação entre o conhecimento e a vida: “Enquanto eu realizava as pesquisas científicas, ele encontrava estratégias didáticas para repassar esses conhecimentos aos demais educadores e por sua vez aos alunos”, lamenta Gakran, que promete a si mesmo dar continuidade ao projeto, mesmo que de forma mais lenta ou por caminhos mais tortuosos. E resume a importância do indígena em uma frase: “Ele era a grande ponte entre os estudos acadêmicos, a sala de aula e as aldeias”.
Como Marcondes Namblá, que além de juiz era professor, pesquisador, músico e poeta, a nação Xokleng é formada por grandes sábios, xamãs, jovens inteligentes e politizados, pesquisadores brilhantes e líderes nacionalmente destacados. Sobreviventes do extermínio e da fúria dos bugreiros, que os caçavam e os degolavam na segunda metade do século XIX e início do século XX, nos três estados do Sul, nem de longe correspondem ao estereótipo do indígena inculto, estúpido e manipulável da cultura branca.
Quem morreu na calçada do Balneário de Penha, abatido como um animal, não foi um indigente, não foi um “índio bêbado” – aliás, a família espera sair o exame pericial para confirmar que Marcondes não ingerira álcool, conforme apontaram recentes testemunhas. Foi o arquivo vivo da cultura e da língua sobrevivente da última reserva Xokleng do Brasil.
ACOMPANHE AQUI AS REPORTAGENS E COBERTURAS DO ASSASSINATO DO LÍDER XOKLENG MARCONDES NAMBLÁ
#AoVivo #JuariçaParaMarcondesNamblá
XOKLENGS CONJUGAM DOR E
LUTA EM CERIMÔNIA ESPIRITUAL
“Este lugar é conhecido como Vale Europeu, e por que não Vale do Povo Indígena?”
Em protesto e ritual fúnebre realizados agora no município de Penha, Litoral Norte de Santa Catarina, indígenas dão uma lição de tolerância em contraposição à crueldade da sociedade branca que, na virada do Ano Novo, assassinou a pauladas o juiz da Terra Indígena Xokleng Laklãnõ, Marcondes Namblá. Com a forte presença de mulheres, parentes e crianças vestidos e pintados conforme sua tradição que vieram das aldeias de José Boiteux, percorrendo cerca de 120 quilômetros, todos triste e chorosos, o ato é um misto de dor e grito de resistência. Sob chuva torrencial, lideranças indígenas se alternam em cantos, danças, rituais e discursos, oferecendo ao país uma consciência dolorosa da luta e do sofrimento desses povos brasileiros. “Somos vítimas da violência e da cobiça pelas terras que já nos pertenciam quando os colonizadores europeus chegaram aqui”, diz a índia Cunung Teié, 56 anos. Integrante dos movimentos negro e quilombola, entidades apoiadoras e professores de escolas indígenas das etnias Kaingang, Guarani e Xokleng, e de outras etnias, como Sataré Mawés e Parintintin, também manifestaram seu apoio a esse povo e a sua revolta contra a atrocidade do crime. Um morador de Penha, professor da rede pública, toma a palavra ao microfone para pedir desculpas ao povo Xokleng pela maldadade dos homens brancos.
Além dos discursos pedindo justiça, investigação profunda do crime e punição do principal acusado, Gilmar César de Lima, que continua foragido, a cerimônia tem o propósito de orar para que a alma de Namblá retorne a sua aldeia e siga em paz, explica Diva Priprá, companheira de Marcondes na Escola Indígena Laklãnõ. Rituais indígenas católicos, evangélicos e luteranos convivem aqui no mesmo espaço, numa mostra do sincretismo religioso dessas gentes.
O próprio líder assassinado, que era missionário evangélico e ao mesmo tempo um grande incentivador do culto às práticas espirituais Xokleng, mostrou em vida essa “capacidade de conviver com diversas culturas sem nunca deixar de ser índio”, como afirma Nanblá Gakran, primo de Marcondes, seu parceiro nas pesquisas sobre a língua do povo da Barragem de Ibirama.
O local, onde foi derramado o sangue sagrado Xokleng, acaba de ser abençoado pelos líderes espirituais indígenas. Para celebrar o marco de dez dias da morte do grande e jovem líder, os pajés enterraram a lança utilizada por Marcondes Namblá no ponto em que ele foi espancado com um porrete de madeira. Gakran anunciou que vai lutar pela proposta de substituir a referência à região como Vale Europeu para Terra Indígena Xokleng.
Por Raquel Wandelli /Jornalistas Livres – do município de Penha
DA DELICADEZA ÓBVIA MASSACRADA…
Cenas de um país onde um índio é assassinado a pauladas no alvorecer do primeiro dia do ano…
Um país onde o espancamento de rara sobrevivência do último povo de uma etnia exterminada é assistido por testemunhas que não fazem nada para impedir a violência…
Onde o corpo contorcido do arquivo vivo de uma língua rara não é recolhido pela polícia porque parece “um índio bêbado caído na calçada”…
Onde um indígena com traumatismo craniano grave leva dez horas para ser operado porque o hospital para onde foi levado precisa dos seus documentos antes de interná-lo…
Um país onde a voz de um povo de guerreiros sobreviventes e as suas hipóteses para o extermínio de seu líder não valem nada para a grande mídia, a quem basta reproduzir a narrativa de um delegado de polícia que a desautoriza a falar em racismo…
…e essa mídia transforma esse delegado em herói e fonte única, após identificar o pistoleiro pelas câmeras de vigilância e deixá-lo solto por três dias, até foragir com dois mandados de prisão nas costas…
Um povo feito só de artistas, pesquisadores, médicos, cientistas, linguistas, xamãs, curandeiros, políticos, sociólogos, educadores brilhantes, mulheres guerreiras, sábias, gentis e incrivelmente belas…
Registros de um protesto em forma de cerimônia fúnebre que só um povo para o qual politica e espiritualidade integram a mesma cosmogonia de visão de mundo é capaz de fazer acontecer…
Penha, no “Vale Europeu”, será para sempre o endereço em que Marcondes Namblá, líder indígena Xokleng Laklãnõ, o primeiro habitante desta terra, cadáver encomendando por muitas mãos, foi assassinado antes dos primeiros raios do amanhecer do Ano Novo…
A calçada de avenida Eugênio Krause, terra de sangue Xokleng derramado, é agora um local sagrado. Ninguém haverá de dizer que esse pedaço de cimento, onde tombou, abatido como um animal, o corpo do grande educador, não é terra indígena!
Raquel Wandelli / Jornalistas Livres
Nepi- Núcleo de Estudos de Populações Indígenas
Conselho Indigenista Missionário – Cimi
SUSPEITA DE ASSASSINATO ENCOMENDADO MOBILIZA CACIQUES
#Aovivo Justiça para Marcondes Namblá
Caciques pedem justiça ao final da Cerimônia Fúnebre do professor indigena assassinado
Em nome de toda a comunidade, o presidente da Terra Indígena Xokleng Laklãnõ, Tucun Gakran, exige a investigação da morte de Marcondes Namblá. Quatro caciques e quatro lideranças indígenas, acompanhadas do professor da UFSC Nanblá Gakran e da nora Isabel Prestes, entregaram ontem, 8/1, ao procurador-chefe do Ministério Público Federal, Darlan Airton Dias, pedido de instauração de inquérito administrativo para apurar o assassinato do educador indígena. As lideranças também querem saber por que o delegado Glauco Teixeira Barroco, levou três dias para sair em busca do culpado se já havia um mandado de prisão anterior não cumprido. “Por que ele queria um segundo mandado? Parece que para dar um tempo do criminoso fugir”, denuncia a liderança Brasilio Priprá.
Presentes no Culto Ecumênico da UFSC, os líderes Xocleng querem que a Polícia Federal apure com profundidade as denúncias de racismo, negligência e omissão de socorro por parte da Polícia Civil, dos moradores e do hospital Marieta Konder Bornhausen, que esperou a família chegar com os documentos para fazer a cirurgia, tratando o indígena como um indigente, conforme a liderança Brasilio Priprá. O presidente dos caciques, Tucun Gakran, queixou-se da ausência da direção regional da Fundação Nacional do Índio que, segundo ele, recusou todos os pedidos de apoio para que as lideranças possam acompanhar as investigações.
Na reunião, o procurador se propôs a investigar suspeitas de que o assassino identificado pelas câmeras tenha sido encomendado por mandantes do tráfico de drogas, que estava sendo expulso da reserva com ajuda de Marcondes Nambla, juiz da Terra Indígena. Conforme os caciques, o assassino, que já tinha um mandado de prisão anterior por tentativa de homicídio, foi visto na reserva em maio do ano passado. A coordenadora do Conselho Missionário Indígena em Santa Catarina, Marina de Oliveira, gravou um áudio analisando várias coincidências entre os dois casos que apontam para uma questão sistemática de racismo: os dois crimes, o do pequeno Victor Kaingang e o professor Namblá ocorreram em período de festas no Estado. Em segundo lugar, ambos foram cometidos com requintes de crueldade: o menino por degola, enquanto era amamentado no colo da mãe; e o segundo foi espancado a pauladas até perder a consciência. E, por último, ambos assassinos alegaram motivos fúteis: no primeiro, um ódio gratuito de índios; no segundo, a tentativa de atrapalhar a investigação do crime.
Por Raquel Wandelli / Jornalistas Livres
https://www.facebook.com/jornalistaslivres/videos/669426443181236/
EXPEDIÇÃO INDÍGENA CHEGANDO AO LOCAL ONDE LIDER XOKLENG FOI ASSASSINADO
Um forte temporal cai em em Santa Catarina desde o dia de ontem. Choveu torrencialmente a madrugada inteira; as estradas estão alagadas e congestionadas pelo tráfego. O ônibus que partiu de Florianópolis com 44 professores indígenas de várias etnias para se juntar ao protesto contra a morte do líder e educador Marcondes Namblá está a cerca de 40 minutos do local do protesto, na avenida Eugênio Krause, no Centro de Penha, Litoral Norte do Estado, onde o juiz da Terra Indígena Xokleng Laklãnõ foi assassinado a pauladas. Três ônibus também partiram da Terra Indígena e estão em Balneário Camboriú, se deslocando para o local da manifestação.
Por Raquel Wandelli/ Jornalistas Livres
INDIGENAS A CAMINHO DE PROTESTO CONTRA ASSASSINATO DE LIDER EM SC
Mesmo sob forte chuva e áreas alagadas, está mantido o protesto no município de Penha, onde foi espancado até a morte o líder e educador Xockleng Laklãnõ Marcondes Namblá. A manifestação ocorrerá às 14 horas, no município de Penha, na avenida Eugênio Krause, local do crime. Três ônibus estão saindo da Terra Indígena Xokleng Laklãnõ, cedidos pelo COMI e outras entidades nacionais de defesa dos povos originários.
Este ônibus com 44 professores indígenas de Santa Catarina, cedido pela UFSC a partir de pedido do Curso de Licenciatura Indígena Intercultural do Sul da Mata Atlântica, partiu de Florianópolis ao meio-dia em direção às manifestação. Leva professores das três etnias do Estado, Guarani, Kaingang e Xokleng, além de educadores de outras aldeias, como Parintintin e Sataré Mawé, que estudam na UFSC.
O ato terá um sentido politico e espiritual, explicam as professoras-estudantes da Licenciatura, Vilma Xokleng e Lilian Xokleng. Haverá uma manifestação de caráter pacífico reivindicando justiça com a prisão do assassino, que continua foragido, e investigação profunda das condições de sua morte. Em, seseguida, lideres espirituais farão uma cerimônia sagrada para que a alma do juiz da Terra Indígena moto a pauladas retorne a sua aldeia e siga em paz.
O educador Nanblá Gakran, maior autoridade no estudo cultural e linguístico da rara etnia Xokleng e parceiro de Marcondes nas pesquisas, acompanha o movimento. Acredita que o crime foi encomendado e pede, junto com os nove caciques da TI, entrou com pedido de abertura de inquérito criminal pelo Ministério Público Federal.
Acompanhe a cobertura dos Jornalistas Livres.
Por Raquel Wandelli/ Jornalistas Livres
POVO XOKLENG TRANSFORMA DOR EM GRITO DE RESISTÊNCIA
Jovens líderes da Associação dos Estudantes indígenas da UFSC querem investigação de negligência no atendimento de saúde de professor e lider Indígena Marcondes Namblá, assassinado a pauladas no primeiro dia do ano no município de Penha, no Litoral Norte de Santa Catarina.
Associação dos Estudantes Indígenas da Ufsc – Aeiufsc Ufsc
Licenciatura Intercultural Indígena do Sul da Mata Atlântica
Conselho Indigenista Missionário – Cimi
O Indigenista Articulação dos Povos Indígenas do Brasil – Apib Estudantes indígenas da UFSC Mobilização Nacional Indígena
Entrevista a Carl Gakran, Xokleng, estudante de Medicina, Isabel Prestes, estudante de Fonoaudiologia e Jafe Sateré, estudante de Direito da UFSC, dirigentes do AEIUFSC.
Raquel Wandelli/ Jornalistas Livres
INDÍGENAS DE SANTA CATARINA PEDEM APOIO CONTRA CRIMES RACISTAS
Em frente ao Curso de Licenciatura Indígena Intercultural da UFSC, educadores das etnias que compõem a nação indígena em Santa Catarina, falam sobre o assassinato do líder Xokleng, companheiro de magistério Marcondes Namblá na virada do Ano Novo. Eles pedem apoio das entidades, empresas e população solidária para patrocinar o transporte e alimentação dos habitantes das aldeias da Terra Indígena Laklãnõ Xokleng para um protesto contra os assassinatos bárbaros de indígenas ocorridos no Sul do Brasil recentemente. O protesto organizado pelos professores de todas as etinias ocorrerá na quarta-feira, as 14 horas, na avenida Eugenio Krause, em Penha, no local onde o educador e líder indígena foi assassinado a golpes de porrete. Pedem apuração aprofundada do crime e o fim à violência.
Entrevista ao doutor em linguística Nanblá Gakran, parceiro de Namblá no registro da língua Laklãnõ Xokleng, Isabel Prestes Munduruku, Jozileia Danuzia Kaingang, Laura Parintintin, Marco Karaí Guarani, Marcos Kaingang, Vilma Xockleng, Aline Ramos Francisco e Liliam Xockleng.
Doações e patrocínio de transporte ou aluguel de ônibus podem ser encaminhadas pelo telefone do cacique presidente da Terra Indígena Laklãnõ Xokleng, Tucun Gakran: 47 – 984264439.
Por Raquel Wandelli/ Jornalistas Livres
Conselho Indigenista Missionário – Cimi Articulação dos Povos Indígenas do Brasil – Apib O Indigenista Aba Antropologia
https://jornalistaslivres.org/…/lideres-xokleng-acreditam-…/
TRIBUTO A MARCONDES NAMBLÁ
DEPOIS DE VELAR REITOR SUICIDADO, UFSC FAZ CULTO DE ALUNO INDÍGENA ASSASSINADO
Três meses depois de celebrar o culto em homenagem ao reitor suicidado, o Templo Ecumênico – UFSC recebe comunidade indígena para a cerimônia fúnebre do aluno mais brilhante da primeira turma do Curso deLicenciatura Intercultural Indígena do Sul da Mata Atlântica, assassinado a pauladas na madrugada do Reveillon. Professores do Curso, alunos e educadores indigenas da UFSC fazem um Ato Cerimonial Tradicional Para Marcondes Namblá, educador Xokleng Laklãnõ, morto no município dePenha, no “Vale Europeu” de Santa Catarina, onde trabalhava durante a temporada vendendo picolé para ganhar um dinheiro extra nas férias não-remiuneradas como professor Admitido por Caráter Temporário daSecretaria de Estado da Educação. A cerimônia fúnebre é celebrada pelo cacique presidente da Terra Indígena, Tucun Gakran e por seu sobrinho Carl Gakran, estudante do Curso de Medicina da UFSC e presidente daAssociação dos Estudantes Indígenas da Ufsc – Aeiufsc Ufsc, melhor amigo de Namblá, com apoio de Isabel Prestes Munduruku e Jafe Sateré, estudante de Direito.
Juiz da Terra Indígena, em José Boiteux, no Alto Vale do Itajaí, Marcondes Nambla foi assassinado por Gilmar César de Lima, identificado pelas câmeras de vigilância do comércio vizinho, mas fugiu após a expedição do mandado de segurança. “Condoídos pela tristeza da perda de nosso ex-aluno Marcondes Nanblá e indignados pelas circunstâncias cruéis e desumanas do seu assassinato, convidamos para uma cerimônia em sua homenagem”, diz o convite do Curso de Licenciatura Intercultural Indígena onde ele se formou em maio de 2015. A ideia é celebrar a memória deste jovem líder Laklãnõ-Xokleng, que vinha trabalhando com afinco para melhorar as condições de vida de seu povo, assim como vinha despontando como um brilhante intelectual indígena. Pela universidade, a cerimônia é conduzida pela coordenadora do Curso de Licenciatura, Antonella Tassinari, e pelo chefe de gabinete Aureo Moraes, que comparou o assassinato do líder indígena ao suicídio do reitor Luiz Carlos Cancellier, ambos mortos por abuso de poder e crueldade. No enterro do reitor, os mesmo líderes da Associação dos Estudantes Indígenas da Ufsc – AeiufscUfsc realizaram uma cerimônia de agradecimento e de despedida a quem chamaram de um pai para os povos indígenas em Santa Catarina. A professora Dorothea Post Darella leu um poema feito para Marcondes Namblá por um ex-professor que está vivendo na Espanha e relacionou o crime à disputa do território indígena.
Manifestações de Nanblá Gakran e o presidente da Terra Indígena Tucun Gakran, e outras lideranças e professoras indígenas.
Por Raquel Wandelli / Jornalistas Livres
UNIVERSIDADE HOMENAGEIA EDUCADOR INDÍGENA ASSASSINADO NO ANO NOVO
Continua foragido até as 17:50 de hoje o homem apontado como assassino de Marcondes Namblá, 38 anos, líder e juiz da Terra Indígena Laklãnõ/Xokleng, de Santa Catarina. O primo e doutor em línguas indígenas, Nanblá Grakan, que está acompanhando as investigações da Delegacia de Polícia Civil do Balneário de Piçarras, comandadas pelo delegado Douglas Teixeira Barroco, afirma que não se trata de um crime comum. “Faz parte de um processo histórico em que o povo Xokleng é vítima de agressões e extermínio”, diz ele, afirmando que devem ser investigadas suspeitas ligadas a conflitos de terra.
Flagrado pelas câmaras de monitoramento de lojas do local do crime, em Penha, no Litoral Norte, e identificado através de testemunhas, Gilmar César de Lima, um homem branco de 22 anos, espancou o educador indígena com um porrete de madeira até causar-lhe traumatismo craniano encefálico. Embora tenha sido identificado logo no dia da morte do indígena e o juiz tenha expedido seu mandado de prisão ja no dia 3, ainda não foi preso. A família alega que ele teve tempo de se evadir porque a ordem de prisão preventiva do juiz demorou a ser cumprida. “Ele foi visto ontem em Rio do Sul”, lamentou Gakran. A hipótese sobre a qual trabalha o delegado, de que o crime brutal teve motivo fútil, não convence a família.
Entidades de apoio aos povos indígenas também pressionam para o aprofundamento das investigações e organizam homenagens ao grande líder, educador e juiz da Reserva Indígena de Ibirama, no município de José Boiteux, no alto Vale do Itajaí (SC). O Curso de Licenciatura Indígena intercultural do Sul da Mata Atlântica, onde Namblá se formou, está preparando uma homenagem para a terça-feira, dia 9/1, na UFSC, que deverá ser assistida por uma grande parte da aldeia, onde ele era adorado por cerca de 2.500 habitantes.
Em homenagens seguintes, os professores também se deslocarão para a aldeia, informou a estudante de Fonoaudiologia da UFSC, Isabel Preste, que é casada com o primo do Indígena assassinado e vive na mesma aldeia. Na aldeia onde ele nasceu, viveu com a esposa e os cinco filhos e onde foi enterrado a desolação e o inconformismo com a perda cruel do líder permanece.
Veja a nota publicada pelo Curso de Licenciatura Indígena da UFSC:
“Condoídos pela tristeza da perda de nosso ex-aluno Marcondes Nanblá e indignados pelas circunstâncias cruéis e desumanas do seu assassinato, convidamos para uma cerimônia em sua homenagem, a ser realizada na terça-feira, dia 9 de janeiro de 2018, às 9 horas, no Templo Ecumênico da UFSC.
Será uma ocasião para celebrar a memória deste jovem líder Laklãnõ-Xokleng que vinha trabalhando com afinco para melhorar as condições de vida de seu povo, assim como vinha despontando como um brilhante intelectual indígena.”
Acompanhe as investigações dos Jornalistas Livres durante o dia.
(Raquel Wandelli)

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Por Sonia Coelho*
O caso de André de Camargo Aranha veio à tona nas redes sociais por conta de sua absolvição pela denúncia de estupro de vulnerável. Segundo o The Intercept Brasil, durante o processo o promotor Thiago Carriço de Oliveira apresentou a tese de que não se pode comprovar, na conduta do acusado, a intenção de estuprar, a capacidade de perceber que Mariana não poderia consentir.
A audiência foi gravada e mostra como as vítimas de violência são revitimizadas pela Justiça que deveria acolhê-las. O tratamento à denúncia de estupro feita por Mariana Ferrer escancarou o que nós do movimento feminista temos denunciado sistematicamente: o quanto o Judiciário brasileiro é machista, misógino, patriarcal.
O advogado de defesa de André Aranha, Cláudio da Rosa Filho, armou um show contra Mariana, chegando a falar de sua roupa e de sua conduta para “justificar” o estupro. Expondo e julgando fotos que nada tinham a ver com o caso, e usando uma série de questões morais, tentou justificar que Mariana tivesse consentido com o estupro. É inaceitável que juiz e promotor presenciem a humilhação e o assédio moral proferidos pelo advogado de defesa em relação à vítima e não façam nada, não se pronunciem nem interrompam o advogado.

Não existe estupro “sem querer”
A interpretação do caso pela promotoria afirmou, segundo citação da Folha de São Paulo, que “não restou provada a consciência do acusado acerca de tal incapacidade, tendo-se, juridicamente, por não comprovado o dolo do acusado”– o que o portal The Intercept Brasil resumiu como “estupro culposo” em sua reportagem. O caso revela a dificuldade que as vítimas de crimes de estupro enfrentam para ver os agressores punidos, especialmente quando eles são brancos e ricos. O que Mariana relata é que o estupro aconteceu numa situação em que estava absolutamente vulnerável, sem condições de tomar qualquer decisão. Estupro não é acidente e a palavra da vítima deve prevalecer.
Embora a sentença não tenha citado a classificação do “estupro sem intenção” ou “estupro culposo”, a discussão do tema é essencial para evitar que mais uma tese seja emplacada no Judicário para absolver estupradores no Brasil. Teses machistas estão sendo retomadas no Judiciário, como as de “defesa da honra” e “violenta emoção”. São muitas as teses que o Judiciário brasileiro tem aceitado para manter a impunidade dos agressores no Brasil. Isso só fortalece a cultura do estupro.
O estupro não é um exercício da sexualidade. O estupro é o exercício do poder dos homens sobre as mulheres. Serve para colocar as mulheres no lugar de subordinação, e foi isso que essa audiência tentou: colocar Mariana Ferrer num lugar de subordinação.
O recente caso do jogador de futebol Robinho apresenta uma situação semelhante: ele mesmo dizia que a mulher sequer tinha condição de ficar em pé ou se expressar, mas continuou dizendo que ela quis, e que aquilo não era problemático porque “nem era sexo”. Essa é a tese machista de que os homens não têm essa capacidade de discernir, e é muito perigosa porque aceita como consentimento situações em que o consentimento é impossível. Na nossa sociedade, há um acobertamento dessas situações de violência, propondo uma aceitação como se fosse “algo da vida”. Isso é a banalização do estupro.
Os dados recentes do Fórum Brasileiro de Segurança Pública são alarmantes: em 2015, acontecia um estupro a cada 11 minutos, um dado já muito preocupante; em 2019, a situação piorou muito, passando a um estupro a cada oito minutos. Além disso, nesse período de pandemia que nos exigiu aumentar o isolamento social, vimos diversos estudos apontando um aumento ainda maior dos números de estupro e violência contra a mulher no Brasil. O que o Estado tem feito para se responsabilizar por essa calamidade?

Denunciar não pode acarretar em mais violências
A situação de Mariana Ferrer escancara uma realidade gravíssima. Oestupro já é um crime subnotificado, pela dificuldade de denunciar e ser ouvida. Muitas meninas e mulheres sentem vergonha de denunciar e expor sua intimidade, sua vida pessoal, seus traumas. A dificuldade aumenta quando não há confiança com a Justiça. O que aconteceu com a Mariana é uma prova dessa dificuldade: a vítima torna-se ré, torna-se culpada e é exposta, enquanto o violador sai impune e preservado, porque a palavra dele detém mais poder e confiança.
São várias mulheres e meninas que passam a vida convivendo com o fantasma do estupro que viveram sem conseguir denunciar, exatamente por medo e por vergonha. É por isso que muitas mulheres só conseguem falar sobre o que viveram depois de muitos anos. A desresponsabilização do Estado gera ciclos profundos de violência, anos de silêncio e dor, e afeta até mesmo a saúde mental das mulheres.
No Judiciário, a injustiça tem gênero, classe e raça. É bastante perceptível que a Justiça hoje criminaliza e ataca aqueles que oferecem algum risco ao sistema, ao mesmo tempo que permite a violência contra esses setores. O sistema que protege André de Camargo Aranha (um empresário branco que pode pagar por um dos advogados mais caros de Santa Catarina) é o mesmo que permite que a Polícia Militar assassine e encarcere a população negra, violando de forma brutal os direitos humanos.
Os homens poderosos acusados de estupro têm uma segurança de que as mulheres não vão ter coragem de denunciar e que, mesmo que denunciem, seu dinheiro e posição social são argumentos suficientes para jogar a culpa nas mulheres, dizendo que elas que “não se comportaram como deveriam”. Esse tipo de postura conivente do Judiciário dá a certeza para esses homens de que eles podem continuar estuprando e violentando as mulheres. E esse é um problema da Justiça brasileira e de toda a sociedade.
Isso significa que a Justiça só irá se mexer se nos mobilizarmos. Até 2005, por exemplo, o casamento do estuprador com sua vítima anulava o crime no Brasil. Não fosse o avanço do movimento feminista sobre esse tema, talvez isso ainda vigorasse até hoje. São diversos os casos de violência contra a mulher em que a manifestação do movimento feminista foi crucial para que a Justiça avançasse e a violência recuasse.

Só o feminismo pode mudar a nossa realidade
Graças à luta do movimento feminista, temos avanços importantes para que haja justiça diante de casos de violência e estupro.
Já tivemos muitos avanços, como a aprovação da Lei Maria da Penha em 2003, que possibilitou toda uma gama de políticas públicas de enfrentamento à violência. Ainda assim, precisamos de uma série de políticas que consigam concretizar o que está escrito nas leis, e isso só é possível com o movimento feminista organizado e com a responsabilização do Estado. No período dos governos do PT na Presidência da República, tivemos uma Secretaria de Política para as Mulheres responsável por políticas e programas muito importantes contra a violência e por ampliação da autonomia das mulheres. Infelizmente, muitas delas foram desmontadas pelo governo golpista de Temer ou pelo Ministério da Família de Damares e Bolsonaro.
Todas essas experiências nos mostram que, além de um sistema de justiça efetivo, é preciso uma série de políticas públicas para combater a violência. Essas políticas precisam ser permanentes, e se concretizar na vida das pessoas: serem acessíveis em todos os cantos das cidades, terem orientação feminista, combaterem a violência de forma integral. Para isso, não basta a política nacional. Políticas no âmbito estadual e municipal são cruciais, tanto para garantir a efetivação das políticas e dos serviços públicos, quanto para relacioná-las com a realidade de cada território, enfrentando os desafios próprios e se articulando com as organizações de mulheres e comunitárias em cada lugar.
O caso de Mariana Ferrer é mais um que mostra a necessidade da luta feminista e a necessidade de pensarmos em políticas para o combate à violência contra a mulher, incluindo aí um amplo debate sobre como esses casos são tratados pela Justiça brasileira. Precisamos nos manifestar e exigir que esses casos sejam tratados com a seriedade que lhes é devida. Temos que lutar para denunciar esse caso, fazê-lo retornar para um novo julgamento, onde haja respeito e o combate à violência seja levado a sério. Não iremos aceitar teses machistas, criadas para manter a impunidade do estupro no Brasil.
(*) Sonia Coelho é militante da Marcha Mundial das Mulheres, assistente social e candidata a vereadora em São Paulo.
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Amazônia
Morte de líder Kumaruara revela a falta de assistência a indígenas no baixo Tapajós (PA)
Publicadoo
5 anos atrásem
16/10/20
Picado por cobra, Alberto Castro Bispo só foi socorrido 6 horas após o comunicado à Secretaria Especial de Assistência Indígena de Santarém-PA
Reportagem originalmente publicada por Amazônia Real
Por: Tainá Aragão
Fotos: Leonardo Milano

Santarém (PA) – “Perdemos mais um Kumaruara por negligência do desgoverno”. A frase em tom de desabafo faz parte da carta-manifesto publicada em 4 de outubro, dia em que morreu o líder Alberto Castro Bispo, 47 anos. O indígena foi picado por uma serpente surucucu e foi a óbito durante a travessia fluvial pelo rio Tapajós por falta do soro antiofídico e assistência médica. A morte causou revolta ao povo Kumaruara, que há anos reivindica acesso à saúde na região da Reserva Extrativista Tapajós- Arapiuns, no Pará, inclusive na pandemia do novo coronavírus.
Por estar no meio da floresta e pelo alto grau de envenenamento, Alberto só conseguiu chegar na aldeia Mapirizinho, na Resex Tapajós-Arapiuns, às 11 horas do mesmo dia, sendo duas horas após ter sido picado. Naquele momento, a comunidade se mobilizou para tentar a sua remoção por meio da Secretaria Especial de Saúde Indígena (Sesai) e o Serviço de Atendimento Médico de Urgência (Samu), ambas com sede em Santarém. Mas a lancha da Sesai levou cerca de 6 horas para chegar e Alberto não resistiu ao translado, vindo a óbito nos braços de sua companheira. Eles estavam a caminho de Alter do Chão, no Baixo Tapajós, onde uma ambulância terrestre ainda o levaria para Santarém.
“Ele me olhava e dizia: ‘Minha velha, eu não vou resistir, não’. Se fossem buscar, eu tenho certeza que ele ia escapar. A ambulancha chegou e quando deu umas 18h15 ele deu o ataque no meio do caminho. Aí botei a mão no nariz dele e estava seco, eu estava ali do lado dele, sozinha, e falei para o motorista: ‘Ele já se foi’”, lembra Renita Melo, viúva de Alberto e mãe de seus seis filhos. “Tenha fé em Deus”, ouviu em resposta. Ela chegou a pedir soro aos socorristas, mas só ouviu: “Não temos. [Então] viemos na ‘tora’”, referindo-se a uma expressão local que quer dizer “sem resitar”.
Após o falecimento, parentes e parte da comunidade, em luto, fizeram uma manifestação no dia 5 em frente a Casa de Saúde Indígena (Casai) do município de Santarém. A líder indígena Luana Kumaruara explica que se houvesse mais infraestrutura, mortes poderiam ter sido evitadas. “Estamos em um período de pandemia, além de sofrermos com os impactos dos grileiros, ‘sojeiros’ e madeireiros, também temos que lidar com esse descaso com a saúde, porque dentro da Amazônia não termos esse soro pra picada de cobra. É absurdo, e isso tem que ser prioridade. Já perdemos dois Kumaruara no último mês [setembro] e não dá pra fazer vistas grossas por tudo que estamos passamos”, enfatiza.
As mortes que Luana se refere são a dois idosos. Eles morreram em consequências de problemas cardíacos. Segundo ela, a comunidade Kumaruara também enfrentou problemas na liberação e remoção dos corpos.
A pandemia de Covid-19, que também não dá tréguas, já registrou 1.414 casos confirmados entre os indígenas e 17 mortes de Covid-19 na Resex Tapajós-Arapiuns. Os dados são do Distrito Sanitário Especial Indígena (Dsei) Guamá Tocantins, ligado a Secretaria Especial de Saúde Indígena (Sesai), do Ministério da Saúde. Não há registro de mortes pelo vírus entre os Kumaruara.
Na Resex Tapajós-Arapiuns, além dos Kumuruara, vivem também as etnias Tupinambá, Munduruku, Apiaká, Borari, Maytapu, Cara Preta, Arapium, Jaraqui, Tapajó, Tupaiu e Arara Vermelha e comunidades ribeirinhas tradicionais. A Resex fica na região conhecida como Baixo Tapajós, no ponto de encontro entre os rios Tapajós, Arapiuns e Amazonas. Os Tupinambá são os mais atingidos pela pandemia da Covid-19.
Uma lancha para atender a todos

(Foto: Leonardo Milano/Amazônia Real)
O corpo de Alberto Castro Bispo foi levado à comunidade para o enterro ainda no dia 5, após 12 horas. Houve uma burocracia para liberação do corpo por parte do Instituto Médico Legal (IML), pois Alberto faleceu em trânsito e não havia um médico na ambulancha para atestar o óbito. Um médico de Santarém teve que fazer a perícia. O velório aconteceu na comunidade Mapirizinho, por volta das 15h, e o enterro entre 17h e 18h.
A Sesai justificou à comunidade que não teria disponibilidade de horário de voo para fazer remoção de helicóptero e tampouco contava com o serviço de um marinheiro para conduzir a ambulancha. O transporte fluvial foi adquirido em julho pela Sesai, mas está parado. “Estamos há meses esperando que a Sesai faça a contratação dos barqueiros. O Samu respondia que a ambulancha da Secretaria Municipal de Saúde estava fazendo outro serviço de remoção na região do Lago Grande, e que só iriam ser possível buscá-lo às 17 horas. Ou seja, apenas uma ambulancha disponível para fazer socorro em uma extensa região de rios”, diz a carta-manifesto dos Kumaruara.
Em nota à Amazônia Real, a Sesai, órgão subordinado ao Ministério da Saúde, por meio do Dsei Guamá Tocantins, diz “lamentar” o falecimento do indígena e se justifica: “Há seis Equipes Multidisciplinares de Saúde Indígena (Emsi) na região, atuando de forma volante, levando atendimento de saúde para as aldeias”. Mas admite que faltam profissionais contratados. “O Dsei adquiriu oito novas embarcações fluviais para atendimento da região e os barcos já estão operando no transporte de urgência e emergência de pacientes e equipes de saúde. Os processos de contratação de barqueiros e horas-vôo encontram-se em tramitação, em data anterior ao acidente”, diz a nota.
Segundo Jean Cunha, coordenador do Samu em Santarém, há duas ambulanchas do município, que atuam na região ribeirinha da bacia de três grandes rios: Amazonas, Tapajós e Arapiuns. Apesar da equipe reduzida e da falta de infraestrutura adequada, o Samu alega que se tenta dar suporte às comunidades indígenas. “A Sesai está há um tempo muito grande esperando pra fazer contratação da equipe e isso sobrecarrega o Samu, pois a gente dá suporte para todas as comunidades vizinhas e também às indígenas. Eles não podem colocar as demandas só para o Samu; eles têm hora de helicóptero e uma ambulancha equipada, se a gente tivesse esse material faríamos muitas remoções. Ter o material e não saber usar, fica difícil”, enfatiza o coordenador.
Na Resex, são 75 comunidades, entre indígenas e não-indígenas, e apenas 10 Unidades de Saúde. As mais próximas da comunidade indígena Mapirizinho são Suruacá e Parauá, a cerca de 15 quilômetros de distância. Mas nenhuma das unidades possui o soro antiofídico, específico para conter o veneno da serpente, como explica o agente de saúde do posto de Suruacá, Djalma Lima.
“Não existe soro nem para picada de cobra, nem de aranha, nem de lacraia, porque não tem energia elétrica no posto, e não tem como armazenar. Além disso, para se ter esse soro dentro das comunidades, precisa de um médico, de uma infraestrutura adequada, com geladeira e não temos”. Djalma enviou, por intermédio de seu filho, um punhado de medicina natural para tentar amenizar a dor de Alberto. “Mandei pra ele uxi [fruto nativo] para conter o veneno, mas já era tarde”, diz o agente de saúde.
Para Roselino Kumaruara, cacique da comunidade Mapirizinho e genro do falecido, o descaso com a população tradicional, indígenas e pescadores, que vivem no outro lado do rio é constante. “Essa situação é ruim. Perdemos um parente e não podemos mais trazer ele de volta, já houve outros casos como esse. Quando a gente liga, não tem. A gente fica triste, mas fica com raiva também. A gente tem muitas barreiras pela frente”, protesta o cacique.
Luta pelo acesso à saúde

(Foto: Leonardo Milano/Amazônia Real)
O caso de Alberto Castro Bispo não é isolado. Desde 2015 os povos indígenas do Baixo-Tapajós, por meio do Conselho Indígena Tapajós e Arapiuns (Cita), reivindicam acesso à saúde indígena. Em 2016, houve a ocupação do Polo Base da Sesai, em Santarém. Após a ocupação, as comunidades indígenas obtiveram acesso ao direito da saúde por meio de uma decisão judicial a partir de uma ação civil pública do Ministério Público Federal (MPF).
Mesmo com o reconhecimento, a principal luta dos indígenas nos municípios de Aveiro, Santarém e Belterra continua sendo a mesma de cinco anos atrás: a criação de um novo Distrito Sanitário Especial Indígena (Dsei) para a região. Atualmente, Santarém está incluído no Dsei Guamá-Tocantins, com sede em Belém, a 1.375,8 quilômetros do município. Ou seja, cerca de 22 horas por transporte terrestre, o que dificulta ainda mais o acesso aos atendimentos.
“Não dá pra gente ficar vinculado ao Dsei-Guamá-Tocantins que está em Belém, o que dificulta o diálogo. Por isso, estamos entrando com um documento no MPF para pressionar mais uma vez a criação do Distrito”, explica a líder Luana Kumaruara.
O Dsei Guamá Tocantins atende a uma população de 17.198 indígenas de 42 etnias, que vivem em 186 aldeias. O órgão conta com 31 Unidades Básicas de Saúde e oito polos bases, além de cinco Casas de Saúde Indígena (Casais).
Cortes na Saúde Indígena

(Foto: Leonardo Milano/Amazônia Real)
A saúde indígena funciona por meio de um Subsistema de Atenção à Saúde dos Povos Indígenas (SasiSUS), coordenado pela Sesai. Articulado com o SUS, descentralizado, e com autonomia administrativa, orçamentária e financeira, o SasiSUS é organizado em 34 Dseis, distribuídos em todo o território nacional. Os distritos são responsáveis por prestar atenção primária em saúde aos povos que moram nas Terras Indígenas. Na Amazônia Legal, são 25 Dseis que dão assistência para uma população de 433.363 pessoas.
Conforme o relatório “O Brasil com baixa imunidade – Balanço do Orçamento Geral da União 2019”, publicado pelo Inesc, Instituto especializado em orçamento público e Direitos Humanos no Brasil, a política de saúde indígena foi um capítulo significativo na ofensiva aos direitos destes povos.
“Em 2019, a execução do orçamento foi de R$ 1,48 bilhões contra R$ 1,76 bilhões em 2018, cerca de R$ 280 milhões a menos. Isto certamente compromete o atendimento deste grupo da população, que tem diversos indicadores de saúde piores que a média brasileira, como suicídio, desnutrição e mortalidade infantil e algumas doenças infecciosas, como a tuberculose”, informa o relatório.
O relatório do Inesc aponta, ainda, que os cortes orçamentários demonstram que há uma violação de direitos direta sobre essas populações: “As medidas legislativas e executivas de iniciativa do governo demonstram que está em curso uma política de destruição intencional e sistemática dos modos de vida e da cultura dos povos indígenas.”
Neste ano atípico, em meio à pandemia, as vulnerabilidades e os abismos sociais se mostram ainda mais profundos. Com o congelamento dos gastos públicos por 20 anos, por meio da PEC 241 – também chamada de PEC 55, no Senado – e implementada por Michel Temer (2016-2019), a tendência é que as comunidades mais vulneráveis, incluindo os povos tradicionais, populações amazônidas, ribeirinhas, agroextrativistas, indígenas, quilombolas e agricultores, continuem sendo impactadas pelos déficits na saúde e na educação.
“Não suportamos mais viver, vendo os parentes morrerem em nossos braços. Queremos ser olhados e assistidos de forma digna como seres humanos. Vidas Indígenas Importam!”, afirma a última linha da carta-manifesto do povo Kumaruara.
A Amazônia Real entrou em contato com a Secretária de Saúde do Pará para buscar informações sobre óbitos por animais peçonhentos na região, mas até o dia 13 não obteve resposta.

(Foto: Leonardo Milano/Amazônia Real)
Índios
Povos indígenas do Xingu estão em situação crítica
Movimentos sociais do campo popular de Mato Grosso lançam campanha conclamando sociedade para apoio a 10 aldeias da região do baixo Xingu
Publicadoo
5 anos atrásem
07/10/20
Por: Gislayne Figueiredo e Rosa Lúcia Rocha – Consulta Popular – MT
Desde a chegada dos primeiros homens brancos no Brasil, o povo indígena vem sofrendo com a violência, o genocídio, os ataques à suas formas de vida e de cultura, tudo isso para se apropriar de suas terras e disponibilizá-las para aqueles que a utilizam segundo a lógica do lucro.
A mesma lógica utilizada – de apropriação da terra mediante o genocídio e etnocídio de povos inteiros – continua sendo utilizada como forma de expansão das fronteiras agrícolas e sob o discurso do desenvolvimento nacional: citamos algumas dessas violências cometidas em período não tão distante, entre as décadas de 1940 a 1960, que foram ricamente documentadas em 1967 pelo próprio Estado brasileiro por meio do chamado “Relatório Figueiredo”, um documento de mais de 7 mil páginas que está disponível na página do Ministério Público Federal e que merece ser conhecido por todos os brasileiros. No documento produzido pelo então procurador Jader de Figueiredo estão descritas inúmeras atrocidades praticadas por latifundiários brasileiros e funcionários do Serviço de Proteção ao Índio contra índios brasileiros naquele período, como assassinatos individuais e coletivos, torturas, prostituição de índias, trabalho escravo, usurpação do trabalho, apropriação e desvio de recursos oriundos do patrimônio indígena, venda de artesanato indígena, venda de produtos de atividades extrativas e de colheita, arrendamento de terras, venda de gado, venda de madeiras, exploração de minérios, doação criminosa de terras, omissões dolosas, dentre outras.
Essas violências continuam até hoje e centenas de povos indígenas que procuram viver em harmonia com a mãe-terra, respeitando-a e preservando-a, têm seus territórios constantemente invadidos por garimpeiros, madeireiros, fazendeiros e pelo agronegócio que, de forma predatória, queimam e arrasam as florestas, as águas e os animais.
Os povos indígenas foram sendo cada vez mais expropriados e confinados em pequenos espaços de terra, os chamados Territórios Indígenas que, em geral, são cercados de fazendas por todos os lados e, muitas vezes, não possuem terras suficientes para garantir a sobrevivência com dignidade desses povos.
A história mostra que uma das estratégias mais utilizadas para matar os indígenas com o fim de tomar as suas terras é a contaminação de grupos com doenças vindas dos brancos, como a varíola, tuberculose e a epidemia de gripe e sarampo que dizimou diversas etnias no século XX.
O Estado brasileiro de hoje, sob o comando de Bolsonaro, impõe um governo de direita (tendendo para a extrema direita) que é declaradamente a serviço dos maiores inimigos dos povos indígenas, ou seja, grandes produtores do agronegócio, latifundiários, madeireiros e mineradoras. Assume uma postura ativa de incentivo e apoio àqueles que invadem e cometem violências contra os indígenas, não apenas se omitindo quanto ao seu papel de fiscalizador, mas propondo ações que violam cotidianamente os direitos constitucionais dessa população, reforçando práticas e discursos genocidas.
De modo muito conveniente aos interesses desses grupos que dão sustentação ao governo Bolsonaro, o vírus Covid-19 chegou rapidamente aos povos indígenas, tal como pavio de pólvora, com evidentes indícios de negligência para com essa população, sabidamente mais vulnerável a doenças infecciosas.
Diante da pandemia que avança sobre seus territórios, muitos povos indígenas têm se organizado para sobreviver e resistir como podem para impedir a infecção pelo coronavírus, criando barreiras sanitárias nas aldeias, evitando ir às cidades e contando com a solidariedade dos amigos da causa indígena para acessarem produtos de higiene e ferramentas para a pesca, haja visto que o Estado não tem garantido as condições mínimas para a sobrevivência, para evitar o contágio e cuidar daqueles indígenas que foram contaminados.
No estado de Mato Grosso, de acordo com a contabilização feita pela Associação de Povos Indígenas do Brasil, em 11/09 já eram mais de 1600 indígenas contaminados e 73 mortos.
Um apelo por solidariedade aos povos do Xingu
Do Baixo Xingu, pelo whatsapp, chega um apelo por solidariedade pela voz de um jovem indígena, dirigido aos movimentos sociais do campo popular de Mato Grosso:
“Companheiro, estou sem acesso a internet, a gente está isolado. Devido a pandemia, nós mudamos do polo central onde estávamos residindo até o ocorrido, nós perdemos uma família devido às complicações da Covid 19. Na nossa cultura, quando acontece alguma coisa, a gente busca outros lugares para estar com a família. E aí, a nossa família está construindo uma comunidade lá, um lugar pra gente, então não estamos tendo acesso à internet, por enquanto. Mas buscando apoio para em breve ter uma instalação lá pra gente, porque a gente precisa para dar continuidade ao nosso trabalho. Estamos agora bem próximos de um outro povo indígena, eu agora estou tendo bastante contato com eles e pretendo colocar eles em contato com vocês, acho importante a gente socializar, para que o povo branco possa entender como estamos organizados. Então, a gente tem bastante demanda aqui no nosso povo, aqui do Xingu e acredito que tem outros povos indígenas que também têm demandas devido a pandemia… Porque mudou totalmente nossos hábitos. Tem chegado apoio, não muito, algumas coisinhas. O que o pessoal mais oferece é cesta básica, só que a gente precisa mais do que a cesta básica, como ferramentas, sabão, isqueiro, sabonete, produtos de higiene, faca, facão, lima, essas coisas. Já faz aproximadamente seis meses que a gente está parado aqui… A gente não consegue ter acesso fora da TIX (Terra Indígena Xingu). Daí eu gostaria de ver se vocês conseguem mobilizar aí alguns parceiros, pegar carona, para que possam nos ajudar, mobilizar, articular para adquirir essas coisas e mandar pra gente também. A gente ficaria muito feliz com isso, as comunidades, que realmente estão precisando. Eu não procurei você antes porque eu também sei que vocês tem a demanda de vocês aí… Mas é que eu vejo aqui, as comunidades super precisam dessas coisas. E não é só cestas básicas. A gente tem alimento da gente aqui também, que a gente consome. Não quer dizer que a gente não precisa também das cestas. Mas não tanto quanto os materiais que as comunidades estão precisando para trabalhar e para dar continuidade no trabalho de roçada. Daí já passa um tempo, aí posteriormente ver o tempo da queimada pras roças, e depois vem o período do plantio das roças… Então a gente vai precisar de bastante material. Eu aguardo posicionamento seu, uma resposta sua para ver o que que você me fala, tá bom? Um abraço até mais.”
Diante da resposta positiva, o reforço:
“Obrigadão aí pela força companheiro, pela parceria também e pela compreensão também. A gente está há seis meses sem sair. Como você sabe o Xingu é muito extenso, são 16 povos. Tem chegado apoio, mas não atende todo mundo, não consegue atender todo mundo, então por isso eu estou falando com vocês. Eu conversei aqui com uns povos parentes, que tem mais ou menos duas ou três aldeias, e tem o meu povo também, né? Então como a gente está em várias aldeias, então o que que foi a metodologia que eu montei lá. Eu achei que daria para gente dividir os trabalhos com outros parceiros. Então, aqui, a gente conversando, o pessoal aqui e o cacique lá de outra aldeia que fica na região onde a gente mora, a gente decidiu buscar algum tipo de apoio para 10 aldeias que são Parureda, Caiçara, Tuba-tuba, Maidicá, Camaçari, Aiporé, Paranaíta, Castanhal, Três Patos e Ciato. Dessas aldeias, a gente já fez um pequeno levantamento também, a maior população aqui é o povo Yudjá, dá um total de 150 famílias nas 10 aldeias. Então as ferramentas para trabalho, produto de higiene que não falei, o sabão, sabonete, bombril de lavar panela também, creme dental, escova de dentes, essas coisas também são bem vindo. Botinas, chinelos havaianas. Que a gente precisa além das cestas, né? Assim, que nem eu falei, a gente tem a comida nossa que é farinha, bijú, caça… A gente precisa também de óleo de comida, sal, açúcar também que a gente consome hoje, né? Não muito, mas a gente consome para adoçar algumas coisas. Então, por isso a cesta também é fundamental pra gente, é importante também, porque tem algumas coisas também que a gente usa também no nosso dia a dia. Então é isso!”
Essa é a história que motivou os movimentos sociais do campo popular de Mato Grosso – MST, Consulta Popular e Levante Popular da Juventude, em parceria com a Associação dos Docentes da Universidade Federal de Mato Grosso (ADUFMAT) lançarem uma campanha conclamando toda a sociedade para doar ferramentas para trabalho na roça, pesca e materiais de higiene e limpeza para atender as necessidade de 10 aldeias da região do baixo Xingu.
Nesse momento, onde a existência concreta desses povos está mais uma vez ameaçada, é importante nos atentarmos para a importância de fortalecermos a luta pela defesa de suas formas de vida, pela preservação de suas múltiplas e diversas culturas e de seus territórios. Não obstante, para além de apoiarmos a luta, é preciso que nossa relação com os povos originários seja de aprendizagem, que a gente possa aprender com a riqueza de suas culturas e com sua relação de respeito para com a natureza e com outros seres humanos.
As organizações conclamam toda a sociedade a se juntar a essa causa e contribuir com a preservação das comunidades indígenas do baixo Xingu, em Mato Grosso, doando produtos de limpeza, material de trabalho na roça e para pesca (vide lista abaixo).
As doações podem ser entregues na sede da ADUFMAT, em Cuiabá, ou por meio de depósito na conta abaixo. Mais informações no face da AAMOBEP – https://www.facebook.com/aamobep/ – pelo email aamobep@gmail.com ou pelo telefone (65)981094569.
Nome: AAMOBEP (Ass. Amigas/os do Centro de Formação e Pesquisa Olga Benário Prestes)
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