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América Latina e Mundo

Congressitas dos EUA pedem a proteção dos direitos humanos dos manifestantes, líderes de movimentos sociais e líderes da oposição

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O congressita John Conyers Jr. (distrito de Michigan) liderou dezenas de membros do Congresso Norte-Americano, incluindo membros sêniores do Comitê Judiciário da Câmara, do Caucus Progressista do Congresso (CPC), e do Caucus Afro-Americano do Congresso, a enviar uma carta ao Embaixador do Brasil para os Estados Unidos, Sergio Silva Do Amaral, expressando apreensão quanto aos desenvolvimentos recentes no Brasil e instando o governo brasileiro a proteger os direitos humanos dos manifestantes, líderes de movimentos sociais e líderes da oposição.

Signatários incluem o representante John Conyers, membro do Comitê Judiciário da Câmara,  representantes Zoe Lofgren (Califórnia), Steve Cohen (Tennessee), e Sheila Jackson Lee (Texas) ― todos membros sêniores do Comitê Judiciário da Câmara. Do Caucus Progressista do Congresso, os co-presidentes Raul Grijalva (Arizona) e Keith Ellison (Minnesota), o primeiro vice-presidente Mark Pocan (Wisconsin), e a vice-presidente Barbara Lee (Califórnia) também assinaram, juntamente com outros quatro congressistas do Partido Democrata.

A carta foi aprovada pelos principais sindicatos de trabalhadores dos Estados Unidos, incluindo o AFL-CIO, United Auto Workers (UAW), American Federation of Teachers (AFT), United Steelworkers (USW), Communications Workers of America (CWA), e think tanks e organizações ativistas como o Center for Economic and Policy Research (CEPR), Friends of the Earth U.S., Center for International Policy – Americas Program.

A carta se contrapõe à crescente perseguição e violação dos direitos devidos de processo do ex-presidente Lula da Silva, que em pesquisas recentes se mostrou ser uma das figuras políticas mais populares do Brasil, em grande medida graças à criação de programas sociais que ajudaram a levantar milhões de pessoas da pobreza.

Houve detenções de lideranças de movimentos sociais e forte repressão policial sobre importantes grupos de oposição nos meses que seguiram a tomada de posse do presidente Michel Temer, seguindo o afastamento da presidenta democraticamente eleita, Dilma Rouseff, em um controverso processo de impeachment. Na terça-feira, a polícia de São Paulo prendeu o coordenador nacional do Movimento dos Trabalhadores Sem Teto (MTST), Guilherme Boulos, enquanto ele ajudava cerca de 700 famílias que estavam sendo violentamente removidas de uma ocupação.

A carta observa: “Membros do internacionalmente renomado Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), que defende a reforma agrária mandatada pela Constituição do Brasil, foram presos e acusados de integrar uma “organização criminosa”, depois de participarem de ocupações pacíficas de terrenos improdutivos”.

A carta também expressa preocupação quanto ao apoio do governo Temer no que se refere a uma emenda constitucional que, de acordo com o Relator Especial das Nações Unidas para a Pobreza Extrema e os Direitos Humanos, é uma violação das obrigações para com os direitos humanos do Brasil, e “atingirá os ​​brasileiros mais pobres e vulneráveis, [e] aumentará os níveis de desigualdade em uma sociedade já muito desigual”.

assinantes da carta incluem Representative John Conyers, Jr. (D-MI); Raúl M. Grijalva (D-AZ); Keith Ellison (D-MN); Mark Pocan (D-WI); Barbara Lee (D-CA); Lucille Roybal-Allard (D-CA); Steve Cohen (D-TN); Eleanor Holmes Norton (D-District of Colombia); Emanuel Cleaver (D-MO); Zoe Lofgren (D-CA); Frank Pallone, Jr. (D-NJ); Sheila Jackson Lee (D-TX).

Texto completo da carta:

Estimado Embaixador Amaral:

Escrevemos para expressar nossa profunda preocupação com o estado atual da democracia e dos direitos humanos no Brasil. Como observamos durante o processo de remoção da presidenta Dilma Rousseff, aqueles que dirigiram esse processo minaram as instituições democráticas do Brasil a fim de promover seus próprios interesses políticos e econômicos às custas da proteção da democracia ou dos interesses nacionais. No período transcorrido desde então, ficou demonstrado que eles agiram para proteger figuras políticas corruptas, para impor uma série de políticas que nunca seriam apoiadas em eleições nacionais e para assediar seus adversários em movimentos sociais e partidos políticos opostos. Essas revelações aumentaram fortemente a polarização em uma sociedade já dividida e levantaram sérias dúvidas sobre a capacidade da liderança atual para mudar o curso da atual crise econômica, política e social.

A recente repressão contra manifestantes pacíficos e movimentos sociais, e as violações dos direitos e do devido processo legal do ex-presidente Lula da Silva sugerem que a democracia brasileira ainda não virou a página de seu não tão distante passado autoritário. Estamos particularmente preocupados com a perseguição do ex-presidente Lula da Silva, a qual viola normas de tratados internacionais, como as estipuladas no Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos (PIDCP), garantindo direitos básicos do devido processo legal de todos os indivíduos.

Como é sabido, as administrações de Lula da Silva (2003-2010) expandiram em muito os programas sociais que ajudaram a levantar milhões de pessoas da pobreza. Lula continua sendo uma das figuras políticas mais populares no Brasil hoje e, como tal, é visto por seus opositores políticos como uma séria ameaça nas urnas. Há meses ele tem sido objeto de uma campanha de difamação e de infundadas acusações de corrupção por grandes meios de comunicação privados, alinhados em grande parte com as elites do país.

Desde o início do ano passado, Lula tem sido alvo do juiz Sergio Moro, cujas ações tendenciosas e injustificadas comprometeram gravemente os direitos legais de Lula. Moro ordenou a conducao coercitiva do ex-presidente simplesmente para servir uma intimação, embora não houvesse indicação de que o ex-presidente estivesse negando prestar depoimento.  Os meios de comunicação já estavam no local quando a prisão ocorreu, sugerindo que o objetivo principal da detenção era criar a percepção de que Lula estaria envolvido em atividades criminosas, apesar da falta de denuncias contra ele.

Moro também divulgou interceptações telefônicas aos meios de comunicação – incluindo interceptações ilegais e não autorizadas – que incluíam conversas entre Lula e seus advogados, sua família e a então presidenta Rousseff. A condução deste tipo de vazamentos deliberados e tendenciosos é uma violação da lei brasileira e de uma decisão recente da Corte Interamericana de Direitos Humanos (Escher vs. Brasil).

Moro nem sequer fingiu imparcialidade, participando abertamente de eventos políticos que se opuseram a Lula e ao Partido dos Trabalhadores, aprovando um livro que declara Lula como culpado e, no final de setembro, endossando a acusação de que Lula liderava um grande esquema de corrupção, ainda que sem nenhuma evidência que sustentasse esta denúncia.

Mesmo após os testemunhos contra Lula, obtidos através de acordos de delação premiada, ainda não há provas críveis que envolvam Lula em atividades criminosas. Preocupa-nos que o verdadeiro objetivo do processo seja o de prejudicar gravemente a imagem de Lula e desativá-lo politicamente por quaisquer meios, como ocorreu com a ex-presidenta Dilma Rousseff. Esse seria um novo retrocesso para a democracia brasileira.

Os representantes legais de Lula interpuseram uma petição perante o Comitê de Direitos Humanos das Nações Unidas, descrevendo as violações ao seu direito ao devido processo legal  no âmbito do PIDCP (do qual o Brasil é signatário), incluindo o direito à presunção de inocência até que se prove a culpabilidade, o direito à proteção contra prisões arbitrárias, direito a um tribunal imparcial e o direito à proteção contra a interferência arbitrária na vida privada.

Estamos também profundamente preocupados com várias ações tomadas pelas autoridades do Estado brasileiro desde a remoção permanente da presidenta Rousseff do cargo no dia 31 de agosto de 2016.

Como discutimos em uma carta anterior, em julho de 2016, esse processo de impeachment – que foi marcado por irregularidades processuais e conduzido por políticos envolvidos em grandes escândalos de corrupção – constituiu em si uma grave ameaça às instituições democráticas do Brasil.

Em 21 de setembro, o sucessor de Rousseff – Michel Temer – declarou publicamente que Rousseff foi removida do cargo por sua oposição a um severo plano de austeridade que ele apoiou e que envolve cortes draconianos em serviços públicos fundamentais. Nas últimas semanas, o governo de Temer pressionou a implementação deste plano através da aprovação de uma emenda constitucional que vincula os atuais e futuros governos a drásticas limitações de gastos nos próximos vinte anos e suspende as exigências mínimas da Constituição para educação, saúde e assistência social. Essas medidas efetivamente reverterão anos de avanços sociais e econômicos que beneficiaram enormemente comunidades pobres, que são, por sua vez, compostas desproporcionalmente por afro-brasileiros.

Em 9 de dezembro, o Relator Especial das Nações Unidas para a Pobreza Extrema e os Direitos Humanos, Philip Alston, alertou que a emenda violará as obrigações do Brasil em matéria de direitos humanos. Alston chamou-a de “uma medida radical, carente nuance e compaixão”, e disse que “atingirá os ​​brasileiros mais pobres e vulneráveis, aumentará os níveis de desigualdade em uma sociedade já muito desigual e definitivamente sinaliza que os direitos sociais são uma prioridade muito baixa para o Brasil nos próximos vinte anos”.

Essas e outras medidas governamentais – como a proibição do discurso político nas escolas públicas brasileiras – provocaram protestos generalizados em todo o país, inclusive em mais de 1000 escolas, e representam uma ameaça aos direitos humanos fundamentais de liberdade de expressão e associação.

Além disso, os movimentos sociais brasileiros foram submetidos a duras repressões e estão sendo criminalizados. Membros do internacionalmente renomado Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), que defende a reforma agrária mandatada pela Constituição do Brasil, foram presos e acusados ​​de integrar uma “organização criminosa”, depois de participarem de ocupações pacíficas de terrenos improdutivos.

À medida que esta repressão se desenrola, o governo Temer continua a ser abalado por escândalos de corrupção que levaram à renúncia de quatro ministros nos últimos meses. Alegações de corrupção que implicam diretamente a Temer também levaram os membros da oposição do Congresso Brasileiro a apresentarem um processo de impeachment contra o chefe de Estado.

Esses e outros acontecimentos estão comprometendo seriamente as realizações sociais e democráticas que se fizeram no Brasil desde o fim da ditadura militar em 1985. Como um primeiro passo essencial para reverter esta situação, instamos as autoridades federais brasileiras a fazerem tudo ao seu alcance para proteger os direitos humanos dos manifestantes, líderes de movimentos sociais e líderes da oposição, como o ex-presidente Lula da Silva.

Ao invés de exacerbar a polarização no Brasil perseguindo adversários políticos nos níveis de liderança nacional e de base e de impor medidas políticas extremas contra aqueles que foram historicamente excluídos pelas elites, aqueles preocupados com o restabelecimento de instituições democráticas estáveis ​​e uma economia sustentável devem reconhecer a sua tênue detenção sobre os poderes Executivo e Legislativo e agir para desenvolver uma agenda de unidade nacional.

Atenciosamente,

Membros do Congresso:

Rep. John Conyers
Rep. Raul Grijalva
Rep. Keith Ellison
Rep. Mark Pocan
Rep. Barbara Lee
Rep. Lucille Roybal-Allard
Rep. Steve Cohen
Rep. Eleanor Holmes Norton
Rep. Emanuel Cleaver
Rep. Zoe Lofgren
Rep. Frank Pallone, Jr.
Rep. Sheila Jackson Lee

 

América Latina e Mundo

Chilenos enterram a Constituição de Pinochet e começam um inédito (e incerto) processo Constituinte

Carta Magna produzida em 1980 era a base do modelo neoliberal chileno, que destruiu a Saúde, a Educação e a Previdência públicas

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Estátua equestre do general Manuel Baquedano, que liderou expedições contra os indígenas do sul, pintada de vermelho - Bárbara Carvajal (@barvajal)

A data 25 de outubro ficará marcada para sempre na história do Chile. Em 2019, foi o dia em que mais de 1,2 milhão de pessoas saíram às ruas para exigir um país mais digno. Um ano depois dessa manifestação, a maior do país, no dia 25 de outubro de 2020 os chilenos decidiram enterrar o último legado da ditadura de Augusto Pinochet: a Constituição de 1980.

Por Amanda Marton Ramaciotti, jornalista brasileira-chilena

No domingo, milhões de chilenos votaram em um plebiscito sobre escrever ou não uma nova Carta Magna, uma medida que nasceu como uma saída política à crise social iniciada em 2019. O resultado foi avassalador: 78,27% da população aprovou a iniciativa, contra 21,73% que a rejeitou.

Além disso, 78,99% dos votantes disse que quer que a nova Constituição seja redigida por uma Convenção Constituinte formada por 155 membros eleitos pela sociedade; versus um 21,01% que expressou que preferia uma Convenção Mista, formada por 172 membros, a metade deles legisladores e o restante constituintes. 

A comemoração durou horas. Em Santiago, milhares de pessoas foram a pé, de carro e de bicicleta em caravana até a avenida principal da capital e à praça central (antes conhecida como Praça Itália e agora, pelas manifestações, chamada popularmente de “Praça Dignidade”). Bandeiras do Chile e cartazes com as palavras “adeus, general” (em referência ao Pinochet) eram vistos em várias ruas.

Nova Constituição: chance de o Chile renascer - @delight_lab_oficial
Nova Constituição: chance de o Chile renascer – @delight_lab_oficial

A sensação era de um êxtase coletivo. “Ainda não consigo acreditar no que está acontecendo… Mais do que isso, é impossível dimensionar tudo que conseguimos”, me disse uma manifestante. Em um dos edifícios emblemáticos de Santiago, foi possível ler uma grande projeção com a palavra “Renasce”.  

“Para mim, é o começo de uma nova era”, comentou um jovem que estava comemorando os resultados do plebiscito.

Ele tem razão. Apesar de que a Carta Magna “do Pinochet” —escrita pelo advogado constitucionalista e ideólogo da direita chilena Jaime Guzmán, sofreu alterações durante a democracia, manteve vários dos seus aspectos principais. Ela continuou sendo a base do modelo neoliberal chileno que se adentrou na saúde, educação e sistema de aposentadoria, e também impedia grandes reformas estruturais pela exigência de um quórum de dois terços ou três quintos que, na prática, sempre foi muito difícil de ser alcançado.  

O novo ciclo

A decisão de escrever uma nova Carta Magna encerra um ciclo doloroso para milhares de pessoas que foram vítimas da ditadura do Pinochet, uma das mais sangrentas na América Latina, e também para tantas outras que até agora vivem em um país desigual devido, em grande parte, às disposições da atual legislação. O ciclo que começa agora é cheio de esperanças, mas também repleto de desafios.

O presidente Sebastián Piñera, quem em nenhum momento do processo deixou claro qual era o seu voto, disse domingo de noite que o plebiscito “não é o fim, é o começo de um caminho que juntos deveremos percorrer para escrever uma nova Constituição para o Chile. Até agora, a Constituição nos dividiu. A partir de hoje todos devemos colaborar para que a nova Constituição seja o grande marco de unidade, de estabilidade e de futuro do país”.

Ainda são poucas as definições que já foram tomadas sobre como será a assembleia constituinte. Sabemos que, em abril de 2021, os chilenos voltarão às urnas para escolher os 155 cidadãos que serão parte do processo. Sabemos que ela estará formada de forma paritária por homens e mulheres (algo inédito no país). Mas ainda falta uma série de decisões, como se poderão participar do processo pessoas que não estejam associadas a partidos políticos e se o órgão terá assentos reservados para os povos originários.

A assembleia contará com até 12 meses para redigir uma nova Carta Magna, cujas normas deverão ser aprovadas por dois terços dos integrantes. Esta será submetida a outro plebiscito, cuja participação será obrigatória.

Esse ponto é o que desperta mais dúvidas na sociedade. É que o plebiscito do domingo passado foi de caráter voluntário, e acudiram às urnas um total de 7,5 milhões de chilenos dos mais de 14 milhões habilitados para votar. Apesar de ter sido a participação mais alta da sociedade desde 2012, quanto o sufrágio começou a ser optativo no país, a votação do dia 25 de outubro não deixa claro qual será o resultado final se as 6,5 milhões de pessoas que não participaram no domingo votarem em 2022.

Mas, como dizem por aqui, isso é uma decisão para o Chile do futuro. O Chile do presente quer comemorar. E tem motivos de sobra para isso.

O estádio nacional, um dos maiores centros de tortura durante a ditadura, neste domingo foi um dos lugares que recebeu mais votantes - Bárbara Carvajal (@barvajal)
O estádio nacional, um dos maiores centros de tortura durante a ditadura, neste domingo foi um dos lugares que recebeu mais votantes – Bárbara Carvajal (@barvajal)

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Chile

Chilenos se preparam para um plebiscito histórico sobre manter ou dar adeus à “Constituição do Pinochet”

Chilenos estão ansiosos para o plebiscito, adiado desde abril por conta da pandemia

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Era uma demanda colocada por alguns setores da sociedade chilena há anos, mas foram os protestos de 2019 os que voltaram exigir a derrubada da Constituição de 1981, imposta pela ditadura militar de Augusto Pinochet. Agora, no domingo 25 de outubro, mais de 14 milhões de chilenos acudirão às urnas em um plebiscito histórico que decidirá se o país “aceita” (aprueba) ou “rejeita” (rechaza) uma nova Carta Magna. A votação foi pensada como um caminho político para aplacar a crise social que o Chile enfrenta.

Por: Amanda Marton Ramaciotti, jornalista brasileira-chilena

Os ânimos estão à flor da pele. Nos muros, nas redes sociais, na mídia praticamente não se fala de outra coisa. Não é para menos, já que o plebiscito, inicialmente marcado para o dia 26 de abril, foi atrasado pelo governo devido à pandemia. Além disso, acontecerá somente uma semana depois do primeiro aniversário do chamado “estallido social”, iniciado em 18 de outubro de 2019, quando milhões de pessoas saíram às ruas para exigir um país mais igualitário. Mas a sociedade chilena -como tantas outras na América Latina e no mundo- está profundamente polarizada e, apesar de as pesquisas dizerem que a maioria votará pelo “aceita”, nada está definido.

Foto: Pablo Gramsch / Instagram: @active_grounds


Por um lado, o “apruebo” reúne intenções diversas, que vão desde exigir uma mudança no modelo neoliberal chileno até entregar mais direitos às mulheres, aos índios e às diversidades sexuais.

Alejandra Saez, uma trabalhadora independente, me disse que vai aprovar porque “se necessita uma mudança imediata, apesar de que o resultado chegue com o tempo, tomar a decisão de transformar o sistema já é um grande avanço”. “Quero que as novas regras validem o bem-estar das pessoas e não os cofres dos outros. Que não nos sintamos atacados pelo sistema”, afirmou.

Já o bioquímico Francisco Pereira me explicou que votará “apruebo” porque considera que é necessária uma “mudança drástica na atual Constituição, já que apesar de que outorga direito a serviços básicos, em nenhum momento garante o acesso a esses serviços, deixando muitos recursos principalmente nas mãos do mundo privado. Além disso, foi escrita para um contexto de desenvolvimento de país determinado muito diferente do atual, e é bastante rígida, o que dificulta que ela seja adaptada às atuais necessidades do Chile”.

Nas campanhas eleitorais, também é possível ver que muitos dos que pedem uma nova Constituição querem reformar as instituições encarregadas da segurança pública, já que, em 2019, pelo menos 30 pessoas morreram, milhares ficaram feridas e o Chile foi cenário de graves violações aos direitos humanos no marco dos protestos sociais, segundo Human Rights Watch, a ONU, entre outros. De acordo com o Instituto Nacional de Direitos Humanos, 460 pessoas sofreram lesões oculares durante as manifestações devido ao uso excessivo da força policial. Delas, pelo menos duas ficaram completamente cegas.

Por outro lado, Natalia C. (que pediu não ser identificada) aposta pelo “rechazo” porque considera que “não há necessidade de escrever uma nova Constituição inteira para realizar as reformas que o país precisa”. Nas redes sociais, as pessoas que chamam a votar por essa alternativa também dizem temer que o Chile se transforme em um país “caótico” e/ou “esquerdista”.

Além disso, muitos sinalizam que votar “apruebo” seria dar um aval à destruição de patrimônio que ocorreu no marco das mobilizações sociais. É que o metrô de Santiago, várias igrejas, ruas e estátuas foram parcialmente destruídos e/ou incendiados desde outubro de 2019, mas não há informação detalhada disponível sobre quem foram os responsáveis de cada um desses atos.

Foto: Pablo Gramsch / Instagram: @active_grounds


Muitos ainda estão indecisos. O microempresário Javier Baltra comentou que achava melhor votar nulo porque “ambas as opções estão cheias de problemas. Aprovar pode ser sinônimo de um Estado maior, e eu acho isso problemático para a economia. E rejeitar é deixar tudo como está até agora e não sei se isso é uma boa ideia”.

Além de escolher entre as opções “apruebo” ou “rechazo” uma nova Constituição, os chilenos devem votar se desejam que a eventual Carta Magna seja escrita por uma Convenção Constitucional formada por 155 constituintes eleitos ou por uma Convenção Mista de 172 membros (metade legisladores e metade cidadãos eleitos).


A LEI ATUAL


Qualquer pessoa que não conheça a história do Chile provavelmente se surpreenderá ao saber que um país como este tenha ainda uma Constituição que foi escrita na época da ditadura militar. “Nossa, mas é um país tão desenvolvido”; “como assim?”; “sério?” foram alguns dos comentários que recebi de amigos brasileiros quando contei sobre o que está acontecendo agora.


A Constituição atual foi aprovada em um questionado plebiscito realizado no dia 11 de setembro de 1980, em plena ditadura do Pinochet, quando milhões de chilenos viviam sob o medo da repressão, sem registros eleitorais e com os partidos políticos dissolvidos.
O texto foi escrito pelo advogado constitucionalista Jaime Guzmán, um dos maiores ideólogos da direita chilena, e que foi assassinado por um comando de ultraesquerda em 1991.

Ele foi escolhido por uma comissão designada pela ditadura. Posteriormente, a redação contou com a revisão e o apoio do Conselho de Estado e a Junta Militar, composta pelos máximos chefes do Exército e o diretor da polícia, que exercia como “poder legislativo”. Guzmán criou uma série de regras muito difíceis de alterar para perpetuar seu modelo econômico e político.

Como ele mesmo disse quando escrevia a Constituição, sua ideia era que, se os adversários chegassem a governar, eles se veriam “obrigados a seguir uma ação não tão distinta ao que alguém como nós gostaria (…) que a margem seja suficientemente reduzida para fazer extremamente difícil o contrário”.

Foto: Pablo Gramsch / Instagram: @active_grounds


Para realizar reformas à Carta Magna, Guzmán detalhou que é necessário alcançar um quórum de dois terços ou três quintos, segundo o caso, algo que, na prática, tem sido praticamente impossível de conseguir, porque nem o oficialismo nem a oposição conta com essa quantidade de votos.

Essa Constituição também instaurou um modelo econômico, político e social neoliberal, que se adentrou na educação e na saúde privada e um sistema de aposentadoria conhecido como AFP baseado na poupança individual e que no ano passado entregou aposentadorias pelo valor de 110.000 pesos chilenos (uns US$ 140). Esse sistema, hoje sumamente questionado pela população chilena, foi elogiado pelo Ministro de Economia do Brasil, Paulo Guedes, em várias ocasiões.

Se bem que o texto legal não estabeleça especificamente que a saúde, a educação ou o sistema de aposentadoria devam ser privados, na prática, sim, impõe princípios que limitam a ação do Estado e promove a atividade privada nesses setores. Por exemplo: não existe no Chile nenhuma universidade que seja gratuita.

Segundo analistas, a Constituição atual também é hierárquica e desconecta a cidadania do poder político, porque não inclui muitos mecanismos de participação.

Ao longo da sua história, sofreu duas modificações: a primeira, em 1989, ano do fim da ditadura, quando foi derrogado um artigo que declarava “ilícitos” a grupos que realizassem “violência ou uma concepção da sociedade do Estado ou da ordem jurídica de caráter totalitário ou fundada na luta de classes”. Outra, em 2005, quando depois de um grande acordo político o presidente socialista Ricardo Lagos conseguiu alterar outros aspectos, como que os comandantes em chefe das Forças Armadas passassem a estar subordinados ao poder civil, e a eliminação de senadores designados e vitalícios. Isto permitiu que em 2006 (há 14 anos!) o Senado fosse totalmente conformado por membros de eleição popular.

Agora, se a opção “apruebo” ganhar o plebiscito, o texto não só será modificado: a sociedade poderá dar adeus à chamada “Constituição do Pinochet”. Sem dúvidas, uma decisão histórica.

Veja também: Chileno preso no RIR: desembargador reconhece ilegalidade da prisão

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Bolívia

Veja a tradução da declaração de Evo Morales

Declaração de Evo Morales, ex-presidente da Bolívia, dada em 18 de outubro, dia da eleição presidencial após o golpe.

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DECLARAÇÃO DE IMPRENSA DO EX-PRESIDENTE EVO MORALES
Buenos Aires, 18 de outubro de 2020

  1. Desde a cidade de Buenos Aires, neste dia histórico, domingo, acompanho nosso povo em seu compromisso com a pátria, com nossa democracia e com o futuro de nossa amada Bolívia, de exercer seu direito ao voto em meio aos acontecimentos em nosso País.
  2. Saúdo o espírito democrático e pacífico com que se desenvolve a votação.
  3. Diante de tantos rumores sobre o que vou fazer, venho declarar que a prioridade é exclusivamente a recuperação da democracia.
  4. Quero pedir a vocês que não caiam em nenhum tipo de provocação. A grande lição que nunca devemos esquecer é que violência só gera violência e que com ela todos perdemos.
  5. Por este motivo, conclamo as Forças Armadas e a Polícia a cumprirem fielmente o seu importante papel constitucional.
  6. Diante da decisão do Tribunal Supremo Eleitoral de suspender o sistema DIREPRE (Divulgação de Resultados Preliminares) para ir diretamente para a apuração oficial, informo que, felizmente, o MAS possui seu próprio sistema de controle eleitoral e que nossos delegados em cada mesa irão monitorar e registrar cada ato eleitoral.
  7. O povo também nos acompanhará nesta tarefa de compromisso com a democracia, como o fez tantas vezes, situação pela qual somos gratos.
  8. É muito importante que todas e todos os bolivianos e partidos políticos esperemos com calma para que cada um dos votos, tanto das cidades como das zonas rurais, seja levado em conta e que o resultado das eleições seja respeitado por todos.
  9. Neste domingo, no campo, nas cidades, no altiplano, nos vales, nas planícies, na Amazônia e no Chaco; em cada canto de nossa amada Bolívia e de diversos países estrangeiros, cada família e cada pessoa participará com alegria e tranquilidade na recuperação da democracia.
  10. É no futuro que todos os bolivianos, inclusive eu, nos dedicaremos à tarefa principal de consolidar a democracia, a paz e a reconstrução econômica na Bolívia.
    Viva a Bolívia!
    Evo Morales

Tradução: Ricardo Gozzi /Jornalistas Livres

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