A Prefeitura de São Paulo, sob o comando de Bruno Covas, desfechou hoje mais uma ação com o propósito de “limpar” a região conhecida como Cracolândia da presença miserável dos usuários de crack. Assim, cerca de 160 seres humanos paupérrimos, muitos idosos, vários não-dependentes químicos, foram tangidos como animais para dentro de três ônibus e despachados para a baixada do Glicério, na várzea do rio Tamanduateí. Outras 50 pessoas preferiram ir a pé, seguindo para o mesmo endereço dos primeiros: Rua Prefeito Passos, 25, em um dos bairros mais degradados da cidade, região de cortiços, alta concentração de moradores de rua, de imigrantes e refugiados. O Glicério fica a dois quilômetros de distância da atual Cracolândia.
Acabar com o constrangedor desfile dos usuários de drogas envoltos em cobertores imundos, sempre em busca das pedras de crack, tem sido uma obsessão de vários prefeitos e governadores do PSDB em São Paulo. O atual governador João Doria Jr, ainda na condição de prefeito da cidade, protagonizou em 2017 cena desastrada que por pouco não se transformou em tragédia. Deu-se que, para posar de destemido adversário do crack, Doria ordenou a derrubada de casas na região. Quase matou por soterramento três pessoas que moravam em uma delas e que ficaram feridas. Covas aproveita-se do fato de todos estarem focados na pandemia de Covid-19 para tentar mais uma vez.
Chama-se “gentrificação” o processo de transformação de centros urbanos através da mudança dos grupos sociais ali existentes. A idéia é expulsar a população de baixa renda e substituí-la por moradores de camadas mais ricas. É isso o que está em curso no centro de São Paulo: Gen-tri-fi-ca-ção.
Único lugar a prover meios de higiene, alimentação e descanso para moradores em situação de rua, o Atende-2 foi fechado hoje – Foto de Lina Marinelli
Para acabar de uma vez com a Cracolândia, a idéia dos “geniais” urbanistas que trabalham para a Prefeitura foi simples: retiraram de lá o único equipamento ainda existente para acolhimento, higiene, alimentação e encaminhamento médico para dependentes químicos vivendo em situação de rua no centro da cidade. Era chamado de Atende-2, e ficava na rua Helvétia, epicentro dos usuários de crack.
Crueldade das crueldades, fecharam o Atende-2, que atendia 185 pessoas, e fizeram isso em plena pandemia de Covid-19. Nem uma pia restou para lavar as mãos naquele pedaço. Segundo a Prefeitura, o mesmo serviço que era feito pelo Atende-2 será oferecido na Baixada do Glicério, agora rebatizado de Siat 2 (Serviço Integrado de Acolhida Terapêutica).
Resta saber se o tráfico de drogas, que acontece hoje nas barbas das polícias Civil e Militar, da Guarda Civil Metropolitana e do Corpo de Bombeiros, todos com bases no território da Cracolândia, topará também migrar seu negócio milionário para o Glicério. Se não topar, se continuar havendo oferta de drogas baratas nas ruas da Cracolândia, o fluxo de usuários certamente voltará para lá –agora, sem banho, sem lugar para dormir, sem pia, sem médicos. E isso em plena pandemia, quando se sabe que se trata de população que já é ultra-vulnerável: 9,5% têm tuberculose, 6,3% têm HIV e quase 10%, sífilis. Será morticínio certo.
Se o tráfico topar mudar o rolê para o Glicério, haverá alguma chance de que se torne realidade o sonho tucano de restaurar um pouco que seja do brilho quatrocentão do antigo bairro dos Campos Elíseos, onde viveu boa parte da elite paulistana até meados no século passado, e que é o território onde hoje se situa a Cracolândia.
Nesse caso, o bairro tentará esquecer seus dias de miséria e dará lugar a novíssimas torres de prédios, que farão a festa das empreiteiras, incorporadoras e bancos. Doria e Covas poderão usar a imagem daquelas ruas (antes, com o comércio de drogas a céu aberto, e depois, “limpinhas”) em suas propagandas eleitorais, que os apresentará como “vencedores”.
A venda e o consumo de crack, entretanto, continuarão com antes. Só terão mudado de endereço. Em vez do Centro, a várzea invisível. Mais do que Doria e Covas gostariam de admitir, o futuro do território onde está a Cracolândia depende muito mais do tráfico de drogas do que do poder público. E é o tráfico o próximo a jogar os dados…
EM TEMPO:
Quando essa reportagem estava concluída, a juíza Celina Kiyomi Toyoshima decidiu liminarmente impedir o fechamento da unidade Atende-2, situada na rua Helvétia. Ela determinou o restabelecimento das atividades na unidade fechada. A Prefeitura ainda pode pedir a revisão dessa decisão.
Aqui a decisão da juíza:
“Tendo em vista que o estabelecimento em questão é o único ponto de atendimento na região central da cidade, que concentra uma grande parte de pessoas vulneráveis, e tendo em vista o perigo da demora, já que a medida está prevista para a data de hoje, defiro por ora a liminar, para que não sejam tomadas quaisquer medidas visando o fechamento da unidade ATENDE, localizado na Rua Helvétia, nº 57. Caso já tenha se iniciado o fechamento, as atividades deverão ser, por ora, reestabelecidas. Oficie-se. Após a vinda da contestação, a medida poderá ser revista.”
“Nasci no escadão da Vila Solange, Guaianazes e tudo que sei sobre a vida aprendi aqui.”
Assim começa o bate papo online que tive, na tarde desta sexta (19/06), com Pamela Vieira, bióloga e gerente de baladas que encontrei num grupo de Whatsapp.
A postagem que estimulou esse contato trazia uma série de fotos de crianças da zona Leste de São Paulo estudando juntas, dentro de uma casa simples, como se fosse uma sala de aula improvisada. As imagens, em ampla maioria, mostravam mulheres negras da comunidade orientando as crianças em atividades recreativas e educacionais. Vi ali um cenário tão organizado – ou até melhor – que uma sala de aula de escola particular de um bairro de classe média da capital. O post havia sido publicado no grupo pelo professor de artes negro João Tody.
Imediatamente, lembrei do Ensino à Distância tão vangloriado por João Doria, governador de SP, e que tem sido seriamente criticado não só por pais e professores como, também, por estudantes que desde o início da pandemia do novo Coronavírus denunciam dificuldades absurdas para acessar as aulas.
Além do improviso pedagógico e da falta de estrutura para amparar educadores nessa nova modalidade de ensino, não foram levados em consideração problemas inerentes à uma proposta de ensino universal; como a falta de acesso a computadores pelos alunos ou as péssimas conexões de internet, especialmente, em bairros das periferias de São Paulo.
Tudo feito pela comunidade
Aquelas fotos que retratavam a iniciativa em Guaianases me emocionaram. Resolvi saber mais sobre aquelas crianças e os métodos de organização das atividades. De cara, descobri que tudo é completamente autônomo, sem o incentivo de nenhuma empresa e subsidiada pelos próprios moradores do local. Algumas doações de materiais escolares vieram de pessoas próximas ao bairro.
A bióloga, Pamela Vieira é a idealizadora do projeto
Quando perguntei a Pamela o porquê de ter iniciado a atividade, ela trouxe a realidade de sua infância. “Parei um dia para observar a vida das crianças ao meu redor, inclusive do meu filho, e vi que por mais que ainda existam as brincadeiras, faltava educação de escola mesmo. Lembrei que quando pequena eu sempre brincava de escolinha com minhas primas e assim aprendia muitas coisas. No início dessa pandemia, me sentia muito triste e para não me entregar a uma depressão, decidi me ocupar dando amor e atenção a essas crianças e recebendo em dobro.“
A iniciativa educativa atende cerca de 25 crianças e adolescentes que vivem nessa região da cidade e muitas ainda não são alfabetizadas. Algumas famílias têm mais de 5 filhos, todos crianças pequenas e muitos pais não conseguem, durante a pandemia, manter em seus lares o ritmo de aprendizado das escolas onde estudam. Assim, Pamela conta que o intuito do projeto é fazer com que esse tempo fora das “salas de aula oficiais” seja produtivo. Ela acha imprescindível ensinar e reforçar de forma divertida e criativa o papel da escola. As aulas acontecem entre 10h e 14h, de segunda a sexta.
A maioria das crianças vive o dia inteiro em seus quintais, algumas são órfãs de pai ou mãe ou às vezes dos dois. Algumas moram com avós. O perfil predominante é daqueles que não têm o pai presente e, neste caso, suas mães trabalham em casa mesmo. Em tempos de pandemia, crise e fome crescentes, a situação anda cada vez mais trágica.
A bióloga defende que o projeto vai fortalecer a educação dessas crianças, não só no tema da alfabetização, mas filosoficamente, pois uma visão sobre quem eles são e tudo que podem ser começa a ser ampliada.
O professor João Tody vai doar para as crianças suas experiências na arte
O professor João Tody, que me alertou sobre a iniciativa, também vai se juntar às crianças e na próxima semana, iniciará aulas de artes para a molecada por lá. “Antes nós achávamos que a revolução seria feita quando algum senhor de terno, barba e óculos aparecesse na quebrada e criasse um projeto social, mas ninguém com essas características chegou por aqui e percebemos que a revolução teria de ser uma iniciativa de nós mesmos.” diz, Tody
Importante dizer que além de aprender, as crianças recebem o lanchinho todos os dias. “A gente faz um pão com manteiga e nescau, ou bolacha com suco. A maioria das coisas que eles comem eu mesma compro e outros doam bolachas e doces. Para arrecadar algum dinheiro eu vendo geladinhos aqui em casa. As vezes, acham que somos salvadores dessas crianças, mas são elas é quem nos salvam.” Finaliza, Pamela
Importante: no retorno às suas casas, crianças e pais cumprem rigorosamente todos os protocolos de assepsia e cuidados contra o COVID-19
Financiamento coletivo emergencial para apoiar mestres de cultura popular durante a pandemia
A iniciativa “Salve Mestras e Mestres!” é uma campanha de financiamento coletivo que tem como objetivo auxiliar mestras, mestres, brincantes e espaços de cultura popular de diversas localidades do Brasil. Devido à COVID-19, esses fazedores de cultura ficaram impedidos de realizar seus trabalhos e festividades, o que significa praticamente a paralisação total de suas atividades, bem como de toda a cadeia produtiva em volta destas manifestações. Associado a isto, observa-se uma lacuna estrutural no processo de inclusão digital de diversas comunidades, o que dificulta ou torna inexistente a realização de atividades online que possam prover alguma renda, como lives, ou inscrição em editais.
A iniciativa “Salve as Mestras e Mestres!” pretende juntar R$ 36.000 (incluindo taxas da vakinha e transações bancárias), para serem distribuídos da seguinte forma:
R$ 500 para 20 mestras e 20 mestres;
R$ 300 para 10 brincantes da cultura popular;
R$ 1.000 para 10 espaços de coletivos de cultura tradicional.
O projeto foi lançado na última quarta-feira (27) e contará com atividades online em suas redes sociais, como Instagram e Facebook, incluindo lives com artistas e fazedores de cultura de diversas partes do país durante as sextas, sábados e domingos do mês de junho. As atrações confirmadas para este final de semana são Marcelo Jeneci (SP), (sábado, 30/5 às 20h) e Bumba Boi da Floresta de Mestre Apolônio (MA) (domingo, 31/5 às 17h e às 20h) . A Programação completa será informada em nossas redes sociais ao longo do mês.
O movimento é uma iniciativa autônoma independente de brincantes envolvidos em diversas manifestações populares. “Se para toda sociedade esse é um momento difícil, como estão nossos mestres, que tanto nos ensinaram, que tanto podem ensinar e tem se dedicado a manter as tradições populares pelo país por toda suas vidas? Esse foi o pensamento que gerou este projeto e que conta com a sensibilidade de todos os que puderem contribuir para ajudar nossos mestres”.
Idealização: Juba Carvalho, Luiza Fernandes, Juliana Bueno, Leandro Dias, Júlia Coelho, Savana Regina, Telita Arantes, Sofia Fajersztajn e Daniel Brás.
A que ponto chegamos. Em meio a uma praga que diariamente fulmina milhares de vidas mundo afora, lemos, ouvimos, assistimos __até pelo confinamento compulsório__, supostos luminares preocupados com o que virá depois.
Uma pergunta: e o que está acontecendo agora?
É impressionante ver “especialistas” contabilizarem mortos “inevitáveis”. Chegou-se ao cúmulo de uma assessora de Bolsonaro, Solange Vieira, registrar que os óbitos de agora são velhos em sua maioria e aliviam as contas da Previdência.Assim informam os noticiários, embora ela agora tente desesperadamente desmentir.
Justiça seja feita, não se trata apenas do Brasil. Na maioria dos países dominados pelo grande capital, a grande preocupação é com o fim dos isolamentos, das quarentenas, com a reabertura do comércio, a reativação da indústria e a “retomada da economia”.
Mortos? E daí?
Detalhe: briga entre Moro e Bolsonaro, ambos walking deads, rusgas com o Supremo, Congresso, embates com governadores, claro, têm sua importância. Mas o que o povo quer e precisa saber é o seguinte:
Cadê o auxílio miserável de R$ 600 que 1 em cada três brasileiros ainda não recebeu? Cadê os testes? Cadê os leitos de UTI? Cadê os respiradores? Cadê a esperança? Cadê?
Tantas perguntas sem respostas criam fogueiras de angústia e desassossego: Quem vai morrer amanhã? Qual parente ou amigo vou ver num caixão à distância? E quando for comigo? Com as pessoas que amo?
É uma vergonha.
Poucos dos endinheirados se importam com as mortes que se acumulam HOJE. Em plena avenida Brasil, em São Paulo, o drive thru do chiquérrimo Laboratório Fleury tem fila de carros de luxo na porta. Dentro deles, pessoas que fazem os testes para Covid-19: R$ 450 para saber se você está com o vírus agora; R$ 420 para saber se você já foi contaminado e, portanto, tem anticorpos para a doença. Total: R$ 970 por cabeça. Enquanto isso, os pobres morrem sufocados, afogando-se no seco, sem nem ao menos terem confirmada a causa de tanto sofrimento. É por essas que a doença hoje está matando o povo mais carente na imensa maioria dos casos.
Porta-vozes dos tubarões do 1% mais rico da população nem enrubescem ao afirmar que, não fossem as favelas, a situação já estaria sob controle (Guilherme Benchimol, sócio do Itaú, criador da XP investimentos, o caça níqueis dos incautos, milionários lavadores de dinheiro e que tem como garoto propaganda gente como Luciano Huck).
Sei que prego no deserto dominado pela mídia oficial e seus comparsas. Mas a verdade tem que ser dita.
Os bilhões e bilhões de dólares nas mãos de uns poucos seriam mais do que suficientes para socorrer os milhões que hoje estão à míngua, sem direito a um tratamento digno.
Tem mais: a tecnologia high tech, capaz de tantas proezas, certamente tem condições de encontrar em tempo recorde uma vacina contra um vírus que não passa de uma sequência de outros que já surgiram.
Mas não. O que se observa é uma disputa entre laboratórios farmacêuticos poderosos para ver quem chega primeiro a um remédio ou a uma vacina eficaz para, assim, disparar nas bolsas de valores. Pura especulação. Não há colaboração entre cientistas de ponta. Tampouco os grandes conglomerados multinacionais sentem-se obrigados a reorientar sua produção para equipamentos voltados a salvar as milhares de vida perdidas diariamente. Estão mais preocupados em demitir e cortar salários sob o argumento de que “a economia parou”.
Agora, virou moda falar em “novo normal”. Uma estupidez à altura dos cínicos que engordam seus cofres à custa das vidas dos mais pobres e do sucateamento dos sistemas públicos de saúde promovido pelo neo-liberalismo atroz.
O que precisamos é inaugurar um tempo em que a solidariedade e o respeito aos desvalidos falem mais alto que a ganância desmedida imposta pelo capitalismo imperialista.
*Ricardo Melo, jornalista, foi editor-executivo do Diário de S. Paulo, chefe de redação do Jornal da Tarde (quando ganhou o Prêmio Esso de criação gráfica) e editor da revista Brasil Investe do jornal Valor Econômico, além de repórter especial da Revista Exame e colunista do jornal Folha de S. Paulo. Na televisão, trabalhou como chefe de redação do SBT e como diretor-executivo do Jornal da Band (Rede Bandeirantes) e editor-chefe do Jornal da Globo (Rede Globo). Presidiu a EBC por indicação da presidenta Dilma Rousseff.