O dia amanheceu chuvoso em Mariana, MG. Não saia da memória a data fatídica: em 5 de novembro de 2016 completa-se um ano do crime da Samarco (Vale e BHP Billinton).
Um ano de impunidade, pode-se assim dizer com toda certeza.
Os participantes do 1° Encontro Nacional dos Atingidos, que aconteceu na Arena de Mariana entre os dias 3/11 e 5/11, acordaram cedo. Era preciso chegar até Bento Rodrigues, primeiro distrito destruído pelo rompimento da barragem de rejeitos de minério. O número oficial de vidas humanas é 19, mas movimentos sociais e ativistas contabilizam 21 mortes: do filho que a mãe abortou na lama e do atingido que morreu por depressão depois que perdeu tudo. Como alguém bem lembrou durante o ato em Bento Rodrigues, a lama segue matando, segue matando, segue matando…
Um ano de impunidade
Impunidade porque hoje já se sabe que a barragem romperia. O risco era real. Por isso, para a empresa Samarco, Bento Rodrigues seria perfeito para a construção de uma barragem de contenção. Isso ela quer fazer agora, com a construção do Dique S4 sobre o que restou do povoado. O possível enterro de vez da memória de quem nasceu e viveu ali até aquele fatídico de novembro, foi mencionado hoje com revolta. Realmente um escárnio para quem perdeu tudo e ainda está com a alma cheia de lama.
“Tomamos banho, mas a lama não sai”. Era o que se via nas camisetas de ex-moradores de Bento Rodrigues. Muitos deles foram visitar o local da tragédia hoje, acompanhados por movimentos sociais e militantes, além da imprensa.
Dona Ermínia, ex-moradora, andando pelo povoado destruído, se lembrou de quem eram as casas ali debaixo de escombros e lama, de quem era os pés de jaboticaba. O filho tinha dito para ela não ir até Bento Rodrigues, ficar em Mariana, onde ela diz que não está vivendo e sim acabando com o resto dos dias. Dona Ermínia perdeu, além da casa, a neta de 5 anos, que foi arrastada pela lama. “Se a gente vir ou não vir, não sai da cabeça”.
Em Bento, as casas que não foram destruídas, estão abandonadas. O ato de hoje serviu para cobrar justiça pelo crime cometido pela Samarco e também para lembrar que água e energia não são mercadorias.
“Águas para vida, não para a morte”.
A Samarco segue impune enquanto os atingidos são responsabilizados pelo desemprego em Mariana. Os atingidos que tiveram de ir para cidade são olhados com preconceito pelos moradores. A empresa não parece levar a culpa e tampouco faz algo para melhorar a situação. Apenas 1% de lama foi removida. O rastro de destruição ainda é visível. Rio morto. Pessoas sem terra, sem casa, sem água, doentes.
1 Ano de Lama e Luta
21 cruzes. 21 mudas de árvores. Cruz e árvore plantadas juntas, próximas ao que já foi a escola da comunidade. Cada cruz representou uma vida que se foi e cada árvore representou uma nova vida, a ressureição que os atingidos esperam para Bento.
Hoje, pode -se dizer, Bento foi tomado pelo povo ! Um povo de luta , que não vai esquecer o crime da Samarco. A lama nos corpos é pra mostrar que ela ainda está impregnada, não só em Bento e em todo o leito do rio Doce, mas na memória de todos que viram aquele rompimento como ele deve ser considerado: um crime.
Na volta de Bento Rodrigues, os atingidos pararam na porta da Samarco e deixaram um recado: “não ficará impune. O povo está acordando. O povo está vendo que essa empresa vai pagar. Vai pagar centavo por centavo, o que deve às vidas que foram ceifadas. Deve ao rio inteiro que foi contaminado”, disse um interlocutor do MAB no portão de acesso à empresa.
Os trabalhadores prostrados na porta da empresa, protegidos por uma grade de segurança, também foram lembrados de como são explorados por uma empresa que lucra muito e é assassina. Antes de partir, tocou-se uma sirene, sirene que não existia no dia do rompimento…