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Estado de Exceção

Policiais estupraram meninas durante intervenção militar no Rio, aponta relatório. Por Arthur Stabile

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Diario do Centro do Mundo Publicado originalmente no site Ponte Jornalismo

POR ARTHUR STABILE

Moradores de favelas do Rio de Janeiro apontam uma série de violações praticadas por militares desde o início da intervenção federal na segurança pública do Estado, assinada pelo presidente Michel Temer (MDB) em 16 de fevereiro de 2018. No relatório parcial Circuito de Favelas por Direitos, elaborado pela Ouvidoria Externa da Defensoria Pública do Rio de Janeiro, os relatos registram roubos, invasões de casa, agressões físicas e até estupros.

Para a elaboração do documento, pesquisadores visitaram 15 comunidades da capital fluminense, com um total de 30 tipos diferentes de violações. As violências são divididas em cinco pontos: violação em domicílio, abordagem, letalidade provocada pelo Estado, operação policial e impactos. O trabalho registrou casos nos primeiros cinco meses de intervenção e tem a meta de continuar até totalizar 30 favelas visitadas.

Em uma dessas invasões, teriam ocorrido os estupros, conforme conta um morador: “Eles entraram numa casa que era ocupada pelo tráfico. Lá tinha dois garotos e três meninas. As meninas eram namoradas de traficantes. Era pra ser todo mundo preso, mas o que aconteceu é que os policiais ficaram horas na casa, estupraram as três meninas e espancaram os garotos. Isso não pode estar certo”. O relatório não indica data ou local em que os crimes teriam ocorrido.

Esse não é o único caso de abuso sexual. Uma adolescente descreveu ter disso revistada com duas amigas por PMs homens, o que contraria a lei — o artigo 249 do Código de Processo Penal afirma que a busca em mulher será feita por outra mulher, se não importar retardamento ou prejuízo da diligência. “Ele vem revistar a gente, já gritando, chamando a gente de piranha, mulher de bandido, drogada. Vem empurrando e mexendo na gente. Eu sei que só mulher que pode revistar mulher, mas se nós não deixar leva tapa na cara”, relembra a jovem.

Em outro caso, um casal passou por uma abordagem e o militar revistou a garota “de forma abusiva”. Segundo ela, o policial a respondeu quando questionado da ação. “Se você fizer alguma coisa você vai presa por desacato, mas pra mim não pega nada porque eu sou autoridade”, relatou, sobre a revista em frente ao seu namorado.

Segundo Pedro Strozenberg, ouvidor-geral da Ouvidoria Externa da Defensoria Pública do Rio de Janeiro, o resultado não surpreende pela violência em si, mas pelas pequenas violações se tornarem comuns. “Não é a novidade, uma surpresa em termos do que encontrou, a surpresa são os componentes de crueldade, a dinâmica e sistemática dos fatos. Até discutimos sobre diferenciar as comunidades, mas o que mais acontece é que em qualquer um dos 30 tipos de violações acontecem em qualquer uma delas”, aponta. “Esses casos mais violentos são em geral os mais destacados, um dos resultantes que falamos do trabalho é que a letalidade, o maior e mais gave problema, ela encobre e sombreia essa quantidade de violações cotidianas”, comentando sobre o caso de estupro citado no documento.

O estudioso exemplificou como a rotina das pessoas está comprometida pela violência estatal e vira algo natural. “Conversamos com meninas de 8, 10 anos e elas narram as situações de tortura, de feridos, das mortes, onde se escondem em tiroteios com uma naturalidade… Vamos nas casas das pessoas, vemos onde ela está, as condições, é uma intrusão que fazemos. Hoje visitamos um casal jovem com 2 filhos, o mais velho com 4 anos e a menina de 2 anos, e perguntei sobre tiroteio: ‘ah, a gente vai para o banheiro onde tem mais parede, menos risco de ser atingido’. Pedi para ver o banheiro: um ambiente minúsculo, eles ficam espremidos e, quando tem tiroteio de madrugada, os pais chegam no banheiro e o filho de 4 anos já está”, explica Strozenberg.

Agressões, roubos e militares drogados

O relatório da Ouvidoria Externa traz o roubo e abordagem violentas como outros abusos sofridos por moradores, além da própria letalidade policial, como o caso de um garçom morto ao ter o guarda-chuva confundido com fuzil. Segundo o documento, a ação violenta mais comum dos militares é ofender ou dar “tapa na cara” das pessoas.

“O café da manhã do trabalhador que sai de madrugada às vezes é um tapa na cara”, explica um morador. “Aqui na rua que eles torturam o menino. Do lado da minha casa. Meus vizinhos foram ver o que tava acontecendo e um deles policiais disse: ‘por isso que vocês morrem’”, conta outra.

Alguns dos relatos dão conta de uma série de violências, como a entrada de militares em uma casa para usar o ar-condicionado, tomar iogurte da geladeira e o roubo de R$ 1 mil. Outros contam que os roubos ocorrem com itens caros. “Eles [exército] ficam fiscalizando as motos, aí se tem alguém que tá sem o documento certinho eles pegam, as vezes jogam no rio. Às vezes ficam usando as motos de lá pra cá e depois a moto desaparece”, descreve.

Mais grave é o uso de drogas em trabalho, conforme registrado. “O caveira [militar] parou e colocou uma carreira de pó no capo do carro e mandou ver. Nunca vi ninguém cheirar e ficar endemoniado como aquele polícia. Antes ele estava passando sério e sem dá nem um tchum pra nós. Depois parecia um capeta”, conta um dos moradores, seguido de outro flagrante. “Ele [militar] ficava com uma garrafinha de guaraná e toda hora ficar colocando no nariz. Guaraná não se bebe pelo nariz, né, dona?”, disse.

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Censura

Militares fazem o que sabem de melhor: esconder os mortos

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Imagine uma epidemia que se alastra rapidamente e mata entre 10% e 20% dos infectados. Imagine que essa epidemia mata principalmente crianças e em especial as da periferia, com menor acesso ao saneamento básico e à saúde. Agora, imagine que por três anos os meios de comunicação sejam censurados nas reportagens sobre a epidemia, que os médicos sejam proibidos de dar entrevistas e que o Ministério da Saúde, controlado por militares, não divulgue os números corretos sobre a doença e as mortes. Isso já aconteceu no Brasil, e não faz tanto tempo assim.

Entre 1971 e 1974, pelo menos 60 mil pessoas de sete estados brasileiros (40 mil só em São Paulo, o epicentro da epidemia) foram infectadas pela bactéria causadora da meningite. Até hoje é impossível precisar quantos morreram. Mas para impedir o que achavam ser uma histeria dos médicos, os militares decidiram esconder esses fatos, e os mortos, da população. Centenas, talvez milhares de crianças, aliás, foram enterradas na mesma vala comum clandestina do cemitério de Perus, na capital paulista, onde eram jogados os corpos de dissidentes políticos torturados e mortos pelo Doi Codi.

Um ótimo vídeo curto sobre a epidemia de meningite e a maquiagem de dados da ditadura militar está disponível no canal Meteoro.doc. Ontem, o canal publicou um novo vídeo, tratando especificamente da atual maquiagem de dados e da disputa de narrativas entre o novo governo militar, que teoricamente ainda não é uma ditadura, e os meios de comunicação para se informar ou desinformar a população.

O tratamento governamental da epidemia de meningite dos anos 1970 só vai mudar em 1974, com um novo general no poder e a aquisição pelo governo de 80 milhões de doses da vacina. Sim, já havia vacina para a meningite e o governo sabia que se tivesse feito uma campanha de vacinação anos antes, teria poupado milhares de vidas. Mas pra que admitir um genocídio se podia dizer que havia um “milagre econômico”? É como disse a ex-secretária da Cultura, Regina SemArte: é muito peso carregar essa fileira de mortos.

Telegrama da Polícia Federal ordenando a censura nos dados sobre a epidemia de meningite. Fonte: Twitter do historiador Lucas Pedretti @lpedret. Como os telegramas não tinham pontuação, usavam a sigla VG para vírgula e PT para ponto final.

Assim, em julho de 1974, com a admissão oficial de que havia uma epidemia, o jornalista Clovis Rossi, então trabalhando no jornal O Estado de São Paulo, preparou uma grande reportagem de capa, intitulada Epidemia de Silêncio, na qual dizia: “Desde que, há dois anos aproximadamente, começaram a aumentar em ritmo alarmante os casos de meningite em São Paulo, as autoridades cuidaram de ocultar fatos, negar informações, reduzir os números referentes à doença a proporções incompatíveis com a realidade — ou seja, levando, deliberadamente, a desinformação à população e abrindo caminho para que boatos ocupassem rapidamente o lugar que deveria ser preenchido per fatos. Fatos que as autoridades tinham a obrigação, por todos os títulos de esclarecer ampla e totalmente”. Leia a matéria completa aqui.

Mas, claro, militares não gostam que digam quais são suas obrigações e publiquem que estão desinformando a população. Assim, a matéria de Rossi foi censurada e em seu lugar o Estadão publicou um trecho do poema Os Lusíadas, de Luís de Camões.

Por causa da Lei da Anistia, de 1979, os militares jamais foram responsabilizados criminalmente pelas mortes na pandemia e nem pelas torturas, mortes, desaparecimentos e ocultação de cadáveres de dissidentes políticos. Mas talvez a história não se repita com a pandemia de coronavírus. Ontem, o Supremo Tribunal Federal, atendendo a uma ação dos partidos Psol, PCdoB e Rede Sustentabilidade, determinou a divulgação diária das informações sobre os dados de Covid-19 até às 19h30, pelo Ministério da Saúde. E também ontem, o Tribunal Penal Internacional de Haia, na Holanda, decidiu analisar a denúncia do PDT de genocídio promovido pelo Governo Bolsonaro. Esse é um caso raro, já que normalmente o TPI só julga ex-governantes acusados de crimes contra a humanidade.

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Brasília

Manifestações mostram que Bolsonaro desliza sem volta para o precipício

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Manifestações em todo o Brasil comprovam que o povo está farto da necropolítica do miliciano no Poder - Foto: Felipe Corvello

Por Ricardo Melo*

Que me perdoe Dacio Malta, um dos mais destacados jornalistas do país e produto de uma linhagem que vem de Octavio Malta, co-fundador da Última Hora e um dos mais brilhantes profissionais da grande imprensa quando ela podia ser chamada deste nome.
Mas o último artigo de Dacio aqui publicado, sobre o impeachment de Bolsonaro, ficou no meio do caminho.

Ele tem toda razão ao afirmar que Bolsonaro merece o impeachment diante da atitude do genocida, expulso do exército como terrorista, frente à Covid-19. Mas oscila quando diz que seus outros crimes foram “absolvidos” porque foi eleito em 2018.

Ora, Bolsonaro não foi eleito sob regras democráticas. Primeiro, beneficiou-se do impeachment irregular de uma presidenta legitimamente eleita. Depois, contou com o apoio sórdido de uma ação judicial conduzida contra Lula pelo seu futuro ministro, hoje “desafeto”, o infecto Sérgio Moro. Qualquer dúvida a respeito desaparece quando se consultam os diálogos trazidos a público pelo “The Intercept Brasil”. Lá se revela o caráter criminoso e parcial com que o Marreco de Curitiba manipulou o processo. Não bastasse isso, Bolsonaro beneficiou-se de uma máquina milionária de mentiras, orientada por assessores americanos e financiada por empresários brasileiros para espalhar fake news contra seus adversários.

Não fosse tudo isso, Lula teria ganho as eleições com folga ainda no primeiro turno. Até a rampa do Planalto sabe disso.

Bolsonaro é um presidente fraudulento, ilegítimo, com ou sem covid-19. Um usurpador. Sua trajetória neofascista, misógina, homicida, armamentista, desenvolvida durante 30 anos no Congresso, só se tornou “maioria nominal” graças a expedientes liberticidas e, sobretudo, porque contou com o apoio da elite apodrecida que prefere qualquer coisa, menos governos com algum viés social.

Sim, estes traços tenebrosos ganham tintas mais carregadas quando ele age como homicida assumido diante de uma pandemia devastadora. Transformou o Ministério da Saúde dirigido por militares desqualificados em um esconderijo de cadáveres.

Mas isso é apenas o ápice da trajetória de um desequilibrado a serviço do grande capital e seus asseclas na grande mídia, nas Forças Armadas, no Judiciário e no Legislativo. Bando de acólitos anti-Brasil. O conjunto da obra já é mais do que suficiente para expulsar Bolsonaro e sua gangue do poder que ele e sua turma de milicianos tomaram de assalto, pisoteando meios democráticos elementares.

Paradoxalmente, esse alucinado só está de pé por causa do isolamento que ele tanto ironiza. Estivesse segura de sair às ruas sem colocar em risco a própria vida, a população já teria dado cabo deste excremento. Isto já começou a mudar como mostraram as manifestações de domingo.   

Este será o curso inevitável dos próximos momentos.

 

*Ricardo Melo, jornalista, foi editor-executivo do Diário de S. Paulo, chefe de redação do Jornal da Tarde (quando ganhou o Prêmio Esso de criação gráfica) e editor da revista Brasil Investe do jornal Valor Econômico, além de repórter especial da Revista Exame e colunista do jornal Folha de S. Paulo. Na televisão, trabalhou como chefe de redação do SBT e como diretor-executivo do Jornal da Band (Rede Bandeirantes) e editor-chefe do Jornal da Globo (Rede Globo). Presidiu a EBC por indicação da presidenta Dilma Rousseff.

Leia mais Ricardo Melo em:

 

Pandemia: 1% mais rico do País não está nem aí para as mortes dos pobres

 

RICARDO MELO: BRASIL À DERIVA, SALVE-SE QUEM PUDER!

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#EleNão

Os camisas negras de Bolsonaro

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Mais de 1 milhão de crianças, 2 milhões de mulheres e 3 milhões de homens foram submetidos ao assassinato e à tortura de forma programada pelos nazistas com o objetivo de exterminar judeus e outras minorias. Nos primórdios da Itália fascista, os camisas negras – milícias paramilitares de Mussolini – espancavam grevistas, intelectuais, integrantes das ligas camponesas, homossexuais, judeus. Quando a ditadura fascista se estabeleceu, dez anos antes da nazista, Mussolini impôs seu partido como único, instaurou a censura e criou um tribunal para julgar crimes de segurança nacional; sua polícia secreta torturou e matou milhares de pessoas. Em 1938, Mussolini deportou 7 mil judeus para os campos de concentração nazista. Sua aliança com Hitler na 2ª Guerra matou mais de 400 mil italianos.

Perdoem-me relembrar fatos tão conhecidos, ao alcance de qualquer estudante, mas parece necessário falar do óbvio quando ser antifascista se tornou sinônimo de terrorista para Jair Bolsonaro. Os direitos universais à vida, à liberdade, à democracia, à integridade física, à livre expressão, conceitos antifascistas por definição, pareciam consenso entre nós, mas isso se rompeu com a eleição de Bolsonaro. O desprezo por esses valores agora se explicita em manifestações, abraçadas pelo presidente, que vão de faixas pelo AI-5 – o nosso ato fascista – ao cortejo funesto das tochas e seus símbolos totalitários, aqueles que aprendemos com a história a repudiar. Jornalistas espancados pelos atuais “camisas negras” estão entre as cenas dessa trajetória.

A patética lista que circulou depois que o deputado estadual Douglas Garcia(PSL-SP) pediu que seus seguidores no Twitter denunciassem antifascistas mostra que o risco é mais do que simbólico. Depois do selo para proteger racistas criado pela Fundação Palmares, e das barbaridades ditas pelo seu presidente em um momento em que o mundo se manifesta contra o racismo, e que lhe valeram uma investigação da PGR, essa talvez seja a maior inversão de valores promovida pelos bolsonaristas até aqui.

A ameaça contida na fala presidencial e na iniciativa do deputado, que supera a lista macartista pois não persegue apenas os comunistas, tem o objetivo óbvio de assustar os manifestantes contra o governo e de açular as milícias contra supostos militantes antifas, dos quais foram divulgados nome, foto, endereço e local de trabalho.

É a junção dos “camisas negras” com a Polícia Militar, que já se mostrou favorável aos bolsonaristas contra os manifestantes pela democracia no domingo passado em São Paulo e no Rio de Janeiro. E que vem praticando o genocídio contra negros impunemente no país desde sua criação, na ditadura militar, muitas vezes com a cumplicidade da Justiça, igualmente racista.

Como disse Mirtes Renata, a mãe de Miguel, o menino negro de 5 anos que foi abandonado no elevador pela patroa branca de sua mãe, mulher de um prefeito, liberada depois de pagar fiança de R$ 20 mil reais, “se fosse eu, a essa hora já estava lá no Bom Pastor [Colônia penal feminina em Pernambuco] apanhando das presas por ter sido irresponsável com uma criança”. Irresponsável. Note a generosidade de Mirtes com quem facilitou a queda de seu filho do 9º andar.

Neste próximo domingo, os antifas vão pras ruas. Espero não ouvir à noite, na TV, que a culpa da violência, que está prestes a acontecer novamente, é dos que resistem como podem ao autoritarismo violento. Quem quer armar seus militantes, e politizar forças de segurança pública, está no Palácio do Planalto. É ele quem precisa desembarcar. De preferência de uma forma mais pacífica do que planejam os fascistas para mantê-lo no poder.

Por: Marina Amaral, codiretora da Agência Pública

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