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PM assume escolas e impõe a disciplina dos quartéis

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Você sabe que alguma coisa está muito mal quando a única solução visível no horizonte é chamar a polícia.


Para um país que ousou sonhar com a educação libertadora de Paulo Freire, a tendência agora é militarizar as escolas públicas consideradas “problema”. Já existem 93 escolas públicas no Brasil em que os alunos têm de bater continência para policiais armados na entrada das aulas, o cabelo tem de ser quase raspado para os meninos, as meninas têm de prendê-lo. Maquiagem, brincos e esmalte nas unhas, nem pensar. O uniforme é como uma farda.

Namoros são proibidos. O afeto é substituído por aquela gritaria típica de quartéis: “Sim, senhor!” “Não, senhor!”

O argumento mais usado para defender a militarização é o de que a polícia põe ordem na bagunça e permite que, assim, a escola melhore sua capacidade de difundir conhecimentos.

É com base nessa idéia que o governador Marconi Perillo, do PSDB de Goiás, tem investido pesado na militarização das escolas. Goiás tem o maior número de escolas assim (26) e ele promete inaugurar mais 24 até o final do ano. Mas será que a disciplina dos quartéis é boa mesmo para a escola?

Para conhecer mais de perto essa realidade, Jornalistas Livres enviaram a repórter Isa Assumpção até Manaus, capital do Estado do Amazonas, para mergulhar na realidade do Colégio Militar Waldock Frick Lyra, que em 2012 foi entregue pelo governo para ser administrado pela PM. O Amazonas tem quatro escolas militares em funcionamento.

É bom esclarecer de cara que os métodos dos quartéis ainda não conseguiram nem começar a tirar a Waldock da rabeira do Enem. Ao contrário.

Em 2012, a Waldock estava na posição 10.537º do ranking nacional. Em 2013, caiu para a posição 10.965º. Em 2014, despencou mais um pouquinho: ficou na posição 11.065º, entre um total de 15.639 escolas que participaram do Enem. Ou seja, existem 11.064 escolas em melhores condições do que a Waldock para colocar seus alunos em uma faculdade. Mas essa não é a pior parte. Confira a seguir o relato:

“Tudo que chama a atenção, nós tentamos tirar”

Cheguei no Colégio Militar Waldock Frick Lyra pela manhã, período em que o Ensino Médio funciona, na hora do intervalo dos estudantes. A cantina estava repleta de adolescentes fardados. Uniforme em molde militar: calça cinza, e camisa marrom clara, com insígnias da escola e da PM. Todos, absolutamente todos, estavam de boina na cabeça. Boina militar.

Na escola não é permitido cabelos soltos, maquiagem, brincos. Todos têm que usar camisas para dentro das calças ou das saias. As saias das meninas são até o joelho e elas usam sapato com um pequeno salto. Todos são muito parecidos.

As vestimentas são análogas às dos policiais. Portanto, se uma policial feminina não usa brincos ou cabelos soltos por uma questão de segurança quando vai trabalhar em campo (na rua), o modelo é aplicado na escola: as garotas seguem o mesmo padrão. Padronizada também é a cabeça dos meninos. Todos com os cabelos quase raspados.

“Tudo o que chama atenção, nós tentamos tirar” explica o Major Alysson, diretor da escola, que depois de uma rápida apresentação, permitiu que eu tirasse fotos. De lá, os estudantes foram para uma quadra coberta. Esse era o primeiro dia de aula, e havia uma formalidade militar para cumprir. Os alunos formaram filas e aprumaram rigidamente seus corpos, bateram continência e gritaram em conjunto o brado da escola: “Disciplina, Honra e Educação!”

As dezenas de fileiras, milimetricamente organizadas fizeram diversos movimentos parecidos com os do Exército, saudando os militares-professores que conduziam a ação. Intercalando mecanicamente entre “descansa” e “sentido”, uma coreografia nas quatro direções (norte, sul, leste oeste) foi se passando. Ao final, os alunos saíam da quadra, ainda em fileiras, em direção às suas salas.

Só ficaram algumas turmas. Estas passaram por um ritual especial, mais rígido. De repente, o professor gritou “QUEM FOI?”. Ele exigia que um aluno, que estaria com um celular na mão, se apresentasse imediatamente. Duas meninas de cabeça baixa se apresentaram. Uma delas denunciou: “O celular é dela, professor.”

As duas foram mandadas para diretoria.

Segui para a sala do diretor Alysson. O diretor me esperava com um quase sorriso. Ele está à frente da gestão da escola desde de agosto de 2014. Chegou a dar aulas de física antes de entrar para a polícia e hoje, além de diretor, tem a patente de major.

A transformação da Waldock

Segundo o major Alysson, antes de a PM comandar a escola, os muros eram pichados, os professores não conseguiam dar aulas, os alunos eram rebeldes e havia indícios de tráfico de drogas.

De forma superficial, sem muitos detalhes, disse que nessa época houve um homicídio na região. Relacionou o crime a alunos da escola. É desse episódio nebuloso que proveio a determinação do governador do Amazonas, na época Omar Aziz (PSD-AM), para que a PM começasse a dirigir a escola.

José Melo era o vice de Omar Aziz quando a Waldock foi militarizada. Hoje governador, pelo PROS, Melo é autor de outras “obras-primas” amazonenses. Ele desmantelou a secretaria de Ciência e Tecnologia, que foi anexada à secretaria de Educação. Além disso, capitaneou a retirada da questão de gênero e LGBT do Plano Estadual de Educação. A assessoria da Secretaria de Educação afirma que o entendimento é de que esta não é uma questão para ser discutida dentro da escola.

Houve manifestação do movimento estudantil, LGTB e Trans, mas que não conseguiu fazer face à mobilização dos católicos carismáticos. Por fim, o Estado do Amazonas sofre ainda com um corte na verba destinada a apoiar e financiar o ingresso de estudantes na universidade.

Sem namoro, sem celular, sem atrasos

Voltando à Escola Waldock Fricke Lyra, o major Alysson admite que o começo da implantação da gestão militar não foi fácil. Os pais dos alunos não gostaram das novas exigências, com suas regras rígidas. É que, além da maneira de vestir, os alunos foram também proibidos de namorar ou de demonstrar algum afeto pelo sexo oposto (só podem conversar). Usar o celular é vetado absolutamente (inclusive se eles precisarem falar com os pais). Se chegarem atrasados, voltam para casa.

Cerca de 100 alunos não se adaptaram e preferiram sair da escola. Hoje, são 1.994 alunos. Mais de 10 professores pediram transferência para outra escola.

Apesar disso, a escola colheu resultados. Conquistou alguns prêmios nas Olimpíadas de Matemática e todos os dias tem pais na porta da escola, tentando vagas para seus filhos.

Perguntei qual era a estratégia motivacional para os alunos, e o major respondeu: “A mesma que a usada para os militares.” Os alunos ganham medalhas, brevês, alamares etc. se conseguirem tirar boas notas e cumprir a parte da disciplina melhor do que os outros.

Cada série tem uma patente e, a partir da sexta série, os estudantes podem concorrer às vagas de: sargento, subtenente, tenente aluno, major aluno, tenente coronel aluno, coronel aluno (igualzinho às patentes da PM). Quando um aluno é condecorado, recebe os sinais de sua diferenciação dos colegas. Seu retrato é exibido no corredor e ele passa a ostentar acessórios no uniforme.

O major Alysson diz que muitos alunos querem seguir a carreira militar, mesmo que, segundo ele, não haja esse tipo de encorajamento por parte dos policiais. Segundo ele, a escola incentiva os alunos a escolherem cursos que sejam difíceis de passar no vestibular, como engenharia, direito e medicina.

Bullyng oficial e outras humilhações

Para os alunos que não cumprem as regras da escola existem diversas formas de punição: isolamento, atividade obrigatória (como ficar lendo um determinado livro no intervalo), repreensão, suspensão e — por último — a expulsão.

Mas o major afirma que os alunos são muito bem comportados e aprenderam as respeitar as regras. “A punição é parte importante na aplicação das regras e da disciplina. Sem ela, não há como exigir o comportamento que se deseja dos alunos”, justifica.

Questionei dois alunos que estão na Waldock desde antes da intervenção da PM, sobre como era estudar ali. Mael Barbosa, 18 e Bianca Silva 18, ambos do 3o ano, responderem timidamente do mesmo modo, afirmando que a escola é ótima, e que antes era pior. Que agora eles tem uma “chance na vida” e que pensam em fazer faculdade. Bianca disse que foi difícil deixar de usar a maquiagem e o cabelo solto, mas que hoje até prefere a cara limpa e o cabelo preso — ela diz achar mais adequado. Mael tem uma namorada na escola, mas não pode demostrar nenhum tipo de afeto. Tem que “falar de longe” com ela. Perguntei se não havia nenhuma crítica à extrema rigidez. Bianca disse: “Não posso falar mal da única chance que temos aqui”.

“Única chance” é um dos discursos preferidos da Waldock, para justificar a militarização.

Devolvi a frase para a doutora Iolete Ribeiro, professora de psicologia da Universidade Federal do Amazonas, na área de educação. Ela disse que esse tipo de justificativa é de certa forma uma hipocrisia. Segundo Iolete Ribeiro, a gestão da PM numa escola é efeito colateral da falha da própria Secretaria de Segurança Pública, que não consegue garantir um ambiente adequado para a comunidade.

“Associar uma área da cidade à violência é comum, mas é um erro. A violência é fruto de toda a cidade, de um sistema maior. Faz parte de um olhar segmentado do espaço urbano o ato de responsabilizar os moradores ou a situação sócio-econômica da região pelos problemas, e corresponde a uma forma segregadora de tratar da cidade.”

Para a pesquisadora, o bom comportamento na verdade está disfarçado de obediência. Ela afirma que a educação deve ser emancipadora, e não apenas ensinar a obedecer; pois desse modo não se desenvolve o sentimento de responsabilidade nos alunos, que ficam sem autonomia e não fazem as próprias descobertas e escolhas. Pelo modelo da PM, é um agente externo quem define a referência do que é ético. “Isso é extremamente perigoso, pois se forma uma massa de seguidores.”

Segundo Iolete, a busca pelas notas altas tem um custo no cotidiano dos adolescentes. Quem não se enquadra se torna um desajustado, e acaba sofrendo grande desgaste para continuamente tentar se encaixar. Só há lugar para os melhores na concepção de educação militar; essa lógica da segregação multiplica o sentimento de não-coletividade e não corresponsabilidade.

O sistema de medalhas, brevês e títulos militares incentiva uma supervalorização da competição e da hierarquia, e pode desenvolver pequenos ditadores, na medida em que os próprios alunos têm que supervisionar e denunciar os outros. Os que não conseguem sucesso na corrida podem se tornar agressivos ou deprimidos, conclui a estudiosa.

Perguntei do Professor Maxuel da Silva Colares, 37, que dá aulas de matemática na escola Waldock e que já conseguiu várias medalhas para a escola, qual sua filosofia. Ele afirmou que “existem dois tipos de ser humano: aquele que obedece e aquele que manda”. Foi mais uma prova de que ali não existe o reconhecimento das diversidades. Os alunos são obrigados a obedecer a qualquer custo para ficar ali.

Mas, a escola busca atender a comunidade, não é? Pelo menos é isso o que diz a propaganda da Waldock…

Só que, na verdade, a Waldock acaba criando uma dose extra de segregação. Ou o modelo é aceito, ou o aluno não pode estudar ali. Isso se reflete também na metodologia aplicada para ingressar no colégio. É preciso fazer uma prova para entrar na 5ª e na 6ª séries, anos em que se iniciam os estudos ali. Quem não passar está automaticamente excluído. Isso é segregação ou não é?

O discurso de que “Não existe dificuldade de aprendizagem e sim preguiça ou falta de obediência”, ligado às formas tradicionais de ensino, endossa que o problema é sempre o aluno e não a instituição — a escola então nunca é repensada.

Ainda no Colégio Militar, conversei com o Capitão Idevandro dos Santos, 36, que está na escola desde o começo da gestão da PM. Ele trabalha armado, pois, mesmo com o cargo de coordenador pedagógico, ainda é policial, e tem que garantir a segurança da escola e das áreas ao redor.

Porém, utilizar uma arma em uma escola, segundo a doutora Iolete, pode causar uma impressão de ameaça, reforçando o ambiente de opressão. O uniforme também pode ser reconhecido como uma forma de violência, pois proíbe a manifestação de diferenças.

O major Alysson explica que a filosofia do colégio militar segue a concepção do Exército, ao incentivar a criança a querer ser “uma pessoa de bem”, a ter espírito de civismo, amor à pátria e pela família.

Indaguei sobre aulas de orientação sexual. “Normal”, ele disse. Elas são realizadas na aula biologia e na aula de religião.

Depois completou: “A gente trabalha muito nessa área, mas é coisa de brasileiro mesmo, tem duas alunas grávidas (antes era muito mais). Isso apesar de elas andarem com os vestidos aqui em baixo… Imagina se elas andassem com as calças apertadinhas [que se vê nas ruas]?”

Conversando com o Secretário de Educação sobre a situação, ele disse que o ideal não é militarizar uma escola. Apesar disso, defende o que foi feito com a Waldock. A mudança também teve o objetivo de testar tipos de ensinos diferenciados em determinadas comunidades. Ele afirma que no caso da Waldock foi necessário “algo mais forte”, por conta da violência. Explicou que normalmente escolas que possuem regras, tem resultados melhores.

Apesar da metodologia rígida da PM na escola ter suas vantagens (os alunos da Waldock realmente estudam e têm uma infra-estrutura melhor à disposição), ainda considero que a escola deveria ser um espaço onde uma criança ou adolescente possa se reconhecer e valorizar sua cultura local. Uma escola que trabalhe as diferenças, que traga as vozes da comunidade para assim reconstruir a história. Educação pela libertação. Gosto disso.

E lá fui eu visitar uma escola em que a diferenciação é uma vantagem.

Lenda do Boto

Fui para a comunidade do Fundo do Paracuúba, a 20 minutos de barco de Manaus, conhecer a Escola Municipal Nossa Senhora da Conceição.

Fica numa região que tem seis meses no seco, e seis meses sob as águas do rio, que transforma completamente a paisagem. As casas são de palafitas. Durante o período da cheia, são ligadas por pequenas pontes. Nesse período, o meio de transporte é a canoa ou os barcos.

Seu Joaquim, o diretor da escola, me contou brevemente sua história. Ele foi doado pela mãe para uma família, que morava na região. Frequentou a escola até a quarta série e começou a trabalhar no roçado aos 6 anos. Mais velho, foi para Manaus e trabalhou em diversos empregos (camelô, padeiro, barqueiro etc.). Uma vez, quando foi visitar a família na comunidade, uma representante da secretaria de educação pediu a ele que se transformasse em professor na escola.

Ele disse que não poderia, pois só tinha estudado até a 4ª série, mas insistiram no pedido.

Como a prefeitura de Iranduba lhe oferecia a possibilidade de continuar os estudos, Seu Joaquim não conseguiu recusar a oferta. Escolas ribeirinhas normalmente têm dificuldades para contratar e manter seus professores por mais do que alguns poucos anos.

Em sua primeira aula na Escola Nossa Senhora da Conceição, havia 70 alunos, do Ensino Infantil à 4ª série, com idades entre 7 e 20 anos. Para dar conta da grande diversidade, Seu Joaquim encontrou, em um só texto, atividades para todos. O texto era uma lenda sobre o boto…

Geralmente contada para justificar gravidez fora do casamento, a lenda fala que o boto rosa aparece transformado em um rapaz elegantemente vestido para seduzir as mocinhas. Os mais novos desenhavam a figura do animal, enquanto os mais velhos trabalhavam na redação.

Esse tipo de aula é comum em escolas pequenas, em que não existem professores suficientes. Mas Seu Joaquim não se intimidou e foi em frente. Descobriu-se um ótimo contador de histórias. “A criança ouve, entra na imaginação”.

Quando se trata de disciplina, ele afirma: “Só com o diálogo as coisas funcionam.” Ele não admite expulsar um aluno, tem que fazer com que ele fique na escola. Ele também tem problemas mais complicados, como o uso e tráfico de drogas por alunos, mas é conversando com eles que vai resolvendo a questão. Ele já foi ameaçado de morte por traficantes da região, mas continua lá, e nem se preocupa com isso.

Seu Joaquim está lutando por melhorias na escola. Precisa de uma reforma no piso, que por causa das cheias, começa a ficar desgastado. Precisa trocar a fiação de energia, além de investir na manutenção dos equipamentos que já tem. Ele ganhou vários computadores, mas não pode usá-los. A prefeitura não manda nenhum técnico pra instalar as máquinas, que enquanto esperam pela burocracia, vão se deteriorando.

No dia em que fui conhecê-lo, havia poucos alunos nas classes — faltou gasolina na prefeitura de Iranduba. Para que as crianças possam ir à escola nesta época do ano, elas precisam do transporte, feito de barco. Essa é uma das maiores dificuldades das escolas de comunidades isoladas: às vezes, os alunos moram a mais de uma hora de barco da escola mais próxima.

Com as cheias, muitas escolas param de funcionar pois ficam parte debaixo d’agua. Falta investimento para fazer com que as escolas possam funcionar o ano inteiro. Mas, Seu Joaquim, com diálogo e liberdade, consegue fazer o milagre de dar aulas no ano todo. E ainda colhe resultados. Muitos dos seus alunos fizeram faculdade, e muitos se tornaram professores. A lenda do boto se perpetuará ali. Mais do que a cultura do “Sim, senhor!”, “Não, senhor!”

 

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O caso Mariana Ferrer, por Honoré de Balzac

Enfim, “de todas as mercadorias deste mundo, a mais cara é sem dúvida a justiça”.

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O caso Mariana Ferrer por Honoré de Balzac

Por Dirce Waltrick do Amarante*

Quando o escritor francês Honoré de Balzac teve acesso ao vídeo da audiência de Mariana Ferrer, ele decidiu escrever o Código dos homens honestos, isso nos idos de 1875, mas só agora estou tornando públicas suas palavras, que estavam sob segredo de justiça.  

Em uma análise bastante rigorosa, Balzac lembra, em primeiro lugar, que sabemos perfeitamente bem que “em princípio, ficou estabelecido que a justiça seria para todos, mas […]” . A tradução é de Léa Novaes, pois Balzac tinha dificuldade em escrever em português.

Dito isso, ele fala da figura do procurador. Em tempos idos, diz Balzac, os procuradores “levavam tão a sério o interesse de um cliente que chegavam a morrer por eles”. Além disso, eles “nunca frequentavam a sociedade”, e se a frequentassem eram vistos como “monstros”, mas hoje, “hoje tudo está monetarizado: já não se diz que Fulano foi nomeado procurador-geral, vai defender os interesses de sua província […]. Não, nada disso; o senhor Fulano acaba de conquistar um belo posto, procurador-geral, o que equivale a honorários de vinte mil francos […]”.

Balzac ia falar da figura do juiz e do defensor público, mas depois de tudo que assistiu ficou sem as palavras justas para descrevê-los.

Então, o escritor francês decidiu se debruçar sobre o papel do advogado, que “frequenta bailes, festas […] despreza tudo o que não é elegante”. E, diz Balzac, “Justiça seja feita aos advogados […]! São os decanos, os chefes, os santos, os deuses da arte de fazer fortuna com rapidez e com uma sagacidade que os torna merecedores de muitos elogios”.

Enfim, “de todas as mercadorias deste mundo, a mais cara é sem dúvida a justiça”.

Não citei na íntegra o texto do Balzac, porque foram esses os únicos fragmentos aos quais tive acesso, os outros foram apagados.  

*Formada em Direito, em 1992, na Universidade Federal de Santa Catarina

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O show de Trump: renovação ou cancelamento?

A eleição nos EUA e o destino da democracia na condição atualista

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Nos EUA voto popular não significa vitória. Biden terá mais votos do que Trump e ainda assim o resultado da eleição continuará indefinido por algum tempo. Apesar dos descalabros que marcaram a gestão Trump antes e durante a pandemia, o seu desempenho na atual corrida eleitoral será muito forte.

Mateus Pereira, Valdei Araujo e Walderez Ramalho, professores da Universidade Federal de Ouro Preto (UFOP) em Mariana, MG

A disputa está sendo muito mais acirrada do que era inicialmente previsto pela maior parte dos institutos de pesquisa e da mídia americana, embora a cautela e o medo nunca deixaram de estar presentes. Sob esse ponto de vista, as eleições deste ano são como uma repetição do que vimos em 2016, ainda que o resultado possa ser a derrota eleitoral para Trump. Em 2016 foram os democratas que denunciaram a interferência russa, agora é o presidente-agitador que se apressa em questionar a legitimidade do pleito, sem mostrar nenhuma prova. Sabemos que no ambiente do atualismo provas têm como base apenas convicções.

Um sistema eleitoral que sobreviveu por séculos, sem grandes mudanças, pode ter se tornado obsoleto desde a eleição de Bush, em 2000. Um lembrete do possível declínio da democracia americana: das últimas oito eleições presidenciais desde 1992, os democratas venceram no voto popular as últimas sete, mas em apenas quatro ocasiões ganharam o colégio eleitoral e fizeram o presidente.

Acreditamos que as eleições nos EUA são um exemplo do confronto entre duas estratégias e duas concepções sobre fazer política: de um lado, Trump e sua promessa de eterna atualização da atualidade em modo nostálgico; e Biden, com sua aposta moderada no cansaço na agitação atualista que seu adversário republicano encarna e radicaliza, e a retomada da política em moldes liberais. Essa retomada é feita sem uma crítica efetiva ao modelo neoliberal abraçado pela cúpula do partido democrata. Uma aposta radical, como Sanders, teria se saído melhor? É difícil dizer, mas tudo leva a crer que não, tendo em vista o complicado xadrez do voto estado a estado.

A escolha entre as duas estratégias/concepções se mostrou muito mais difícil e apertada do que se imaginava. A tal “onda azul” anunciada por parte da imprensa estadunidense esteve longe de acontecer. De fato, Trump se mostrou eleitoralmente muito mais forte do que os analistas supunham. Considerando que esta não é a primeira vez que os institutos de pesquisa falharam em captar esse movimento no eleitorado americano, e considerando também que fenômeno semelhante ocorreu no Brasil em 2018, coloca-se a questão de saber se as tradicionais pesquisas de opinião tornaram-se de alguma forma obsoletas em um mundo atualista. Esse quadro muda pouco, mesmo com uma  eventual vitória de Biden ou pior, com uma inconveniente reeleição de Trump.

São vários fatores que devem ser considerados para avaliar essa questão. Os próprios institutos se apressaram a ensaiar algumas explicações ao público. O diretor da Trafalgar Group, Robert Cahaly, afirmou que muitos eleitores “esconderam”, como já havia acontecido, sua preferência por Trump por algum receio ou constrangimento social.[1] Não podemos desconsiderar algum tipo de boicote/sabotagem dos eleitores republicanos, já que na retórica do trumpismo as pesquisas de opinião fazem parte da mídia vendida. Outros recorreram à justificativa de que as pesquisas anteriores representavam apenas fotografias do momento específico em que as entrevistas foram feitas, e não o que se poderia esperar na eleição propriamente dita. Isso poderia ter sido de fato observado pela tendência de redução da vantagem de Biden nos últimos 15 dias. Afinal, o episódio da contaminação de Trump e sua rápida recuperação pode ter tido um saldo positivo, ao menos na mobilização de sua base, como já havíamos especulado em coluna anterior.

Aceite-se ou não essas justificativas, fato é que os institutos de pesquisa sairão dessas eleições com sua credibilidade e imagem pública mais arranhadas, sobretudo diante das especificidades do sistema eleitoral americano. Como afirmamos, muitos fatores concorrem para esse desgaste. Um deles está relacionado à condição atualista que caracteriza o nosso presente e como cada um dos candidatos se coloca frente a tal condição.

Trump é um político bastante sintonizado com o ambiente da comunicação atualista onde as provas dispensam comprovação factual. Seja nas redes sociais, seja em seus concorridos comícios, o presidente se revela um comunicador difícil de ser batido. Dentre os aspectos associados à condição atualista, destacamos a intensidade e velocidade sem precedentes do fluxo de notícias, em detrimento dos protocolos de verificação e checagem da informação veiculada. Esse ambiente infodêmico[2] é particularmente fértil para a produção de desinformação e sua disseminação como misinformação.[3] Além das informações imprecisas, para não dizer apenas falsas, que a infodemia trumpista ajuda a difundir, é preciso levar em consideração a agitação/ativação que produz. É como se a oposição se agitasse confusamente e a base trumpista se ativasse a cada um de seus comentários polêmicos. Assim, o uso constante das redes sociais para disseminar fake news ou comentários faz com que, seja de modo positivo ou negativo, o presidente esteja sempre no foco da mídia. O acúmulo de notícias sobre suas falas ou atos inconsequentes faz com que seja difícil recuperar qual foi o absurdo dito ou feito na semana anterior. Na condição atualista há um valor excepcional em estar mais atualizado (e exposto) que o seu adversário. 

Ainda assim, a manipulação das fake news como ferramenta política supõe uma linguagem organizada para se tornar eficaz. Essa afirmação pode soar chocante à primeira vista: como podemos atribuir coerência a um discurso fundamentado em desinformação e que frequentemente e sem o menor pudor afirma hoje o contrário do que disse ontem, como o exemplo do uso de máscaras na pandemia?[4] O ponto aqui é que a condição atualista coloca muitos obstáculos para que o passado, mesmo o mais recente, seja trazido à reflexão. Assim, quando confrontados com suas próprias contradições, políticos atualistas como Trump e Bolsonaro simplesmente atualizam suas narrativas e afirmações quando as anteriores se tornam insustentáveis. Com muita frequência, os seus discursos mudam em função da conveniência da atualidade, sem a mínima necessidade de se prestar conta da contradição com o que eles mesmos diziam no dia anterior.

Essa estrutura atualista do discurso político só se torna eficaz, porém, no interior de uma linguagem organizada e facilmente identificável pelo público que a compartilha, no interior de uma condição material de reorganização do mundo do trabalho e do capital. A crise de 2008, concentração de renda, neoliberalismo, capitalismo de vigilância e a formação do atual “precariado” são elementos, dentre outros, fundamentais para entender a emergência de líderes que governam e são eleitos por pequenas maiorias mobilizadas pela historicidade e ideologia atualista. Só assim podemos entender a força de Trump na eleição independente do resultado final, ainda que sua derrota  interesse a todos os democratas do mundo.

Trump lança mão de artifícios retóricos quando confrontado com suas afirmações evidentemente baseadas em mentiras e contradições, de tal maneira que ele consegue, mesmo em tais situações, transmitir e reforçar o código entre o seu público. O código se estrutura em uma lógica antagonista, na qual o portador é sempre vítima de perseguição por parte do establishment e da imprensa vendida para a “esquerda corrupta” ou as corporações globalistas.

O ponto principal a ser considerado é que para ser politicamente eficaz não é necessário que o código seja compartilhado por todos; mas que seja continuamente ativado junto aqueles que já o compartilham. Por mais que esteja sustentado em desinformações, o fato é que o código é bastante poderoso na ativação de afetos políticos centrais como o medo, ódio e ansiedade, vetores de forte engajamento e agitação política que Trump e Bolsonaro sabem tão bem promover.

O sucesso dessa estratégia se coaduna com a popularização das redes sociais e dos smartphones, bem como das novas tecnologias de processamento de dados manipulados para fins políticos. Nesse contexto, tornou-se possível criar e difundir mensagens sob medida para cada tipo de público, cada indivíduo ou grupo formula suas próprias percepções sobre o mundo a partir de narrativas (códigos) que não mais precisam ser expostos publicamente a todos para serem eficazes. Após alguns reconhecimentos iniciais, os algoritmos se encarregam de abastecer-nos das notícias que nos mobilizam, sempre com o mesmo teor e formato. Reforça-se, assim, o fenômeno das “bolhas”.[5] Esses códigos podem circular de forma subterrânea, de tal modo que o que parece absurdo e chocante para uns, é perfeitamente aceitável e normalizado para outros.

Esse ambiente de circulação de notícias e códigos é condizente com a ordem atualista de nosso tempo e, ao nosso ver, é um fator importante a ser considerado no desempenho surpreendente de Trump nestas eleições. E um dos preços a se pagar para tal sucesso é a radicalização do clima de agitação que tem marcado a nossa época. Esse quadro tem resultado inclusive em distúrbios psicológicos cada vez mais comuns, como o “transtorno do estresse eleitoral”, que segundo estimativas afeta sete em cada dez cidadãos estadunidenses.[6]

Os políticos atualistas claramente não se importam em pagar esse preço, na verdade eles têm lucrado com isso. Mas, ao fim e ao cabo, eles não podem evitar completamente os efeitos colaterais de suas apostas. Agitação e dispersão geram também cansaço no eleitorado. Biden e os democratas tomaram esse efeito como vetor de suas estratégias para estas eleições. Frente à irrefreável agitação de Trump, Biden se vendeu como a opção mais “centrista”, de moderação e convergência. A divergência entre as duas estratégias foi mais uma vez demonstrada logo após o fechamento da votação: enquanto Trump se apressou em declarar-se vencedor e dizer que irá judicializar a eleição em caso de derrota, Biden classificou tal postura como “ultrajante” e pregou calma aos seus apoiadores[7].

Mesmo que a vitória do democrata seja confirmada, é inegável que o preço desse lance foi bastante alto. A imprensa americana noticiou como parcelas importantes do eleitorado negro, que o próprio Biden afirmou ser “a chave para a vitória”, relataram estarem pouco motivados a votarem no candidato democrata.[8] O mesmo ocorreu entre parte do eleitorado hispânico, em especial na Flórida e no Texas. O conservadorismo nos costumes, a adesão a denominações evangélicas que tem crescido entre hispânicos e a tradição anticomunista dos cubanos, e agora também venezuelanos, na Flórida, são fenômenos a serem considerados. Enquanto fechamos essa coluna Trump ainda lidera na Pensilvânia, estado no qual o operariado branco migrou dos democratas para o trumpismo. No último debate, Biden acabou por reconhecer que teria que acabar com a exploração do altamente poluente gás de xisto, o que foi imediatamente explorado por Trump: “Eis uma declaração importante”, ironizou o presidente. Caso perca por margem apertada na Pensilvânia, onde os trabalhadores dessa indústria são amplamente sensíveis ao tema, talvez essa declaração tenha custado a eleição.

Para entender melhor essas flutuações teríamos que fazer algo pouco praticado durante a campanha, uma avaliação retrospectiva fundada em boa informação acerca das políticas públicas implementadas por democratas e republicanos, em especial nos governos Obama e Trump. O apoio ao republicano não é apenas resultado da mágica da comunicação, deriva também da tibieza das políticas democratas e dos acertos de Trump. Reforma do sistema criminal, política externa menos intervencionista, foco na economia e na criação de empregos, com bons resultados, ao menos até a pandemia.

A decisão das eleições primárias do Partido Democrata em nomear um candidato “centrista” para concorrer nessas eleições – ao contrário de uma opção mais radical do populismo de esquerda como Bernie Sanders – foi importante para unificar o partido (em especial o seu establishment) e angariar o apoio do eleitorado “cansado” da agitação radicalizada. Por outro lado, a figura moderada de Biden não se mostrou capaz de promover um grau de engajamento e mobilização do público à altura do seu adversário agitador, nem está claro ainda se seu discurso de união nacional conseguiu atrair eleitores de Trump. Essa diferença é importante em um contexto onde o voto não é obrigatório e, no caso particular das eleições deste ano, ainda mais desencorajado pela pandemia do coronavírus.

Mesmo assim, a moderação pode ter sido eficaz para para derrotar a agitação, mas não para desativá-la. E ainda não podemos assegurar como os EUA sairá dessas eleições, pois Trump continua sendo quem é. Há ainda o risco de o agitador perder e não aceitar sair, e as consequências disso poderão ser catastróficas. E mesmo que ele saia, o trumpismo – o negacionismo, o anti-esquerdismo, o desejo de retorno a um passado glorioso e mítico – ainda permanecerá em parcelas consideráveis da população.

O que tudo isso ensina para o campo democrático brasileiro, que tem de enfrentar a sua própria versão de agitador atualista? Desde o início da votação nos EUA, Bolsonaro disparou freneticamente uma série de tweets ressoando as alegações infundadas de seu ídolo sobre as eleições serem “fraudadas” a favor dos democratas, o que seria um risco para a “liberdade” e para o Brasil. Afinal, nosso agitador atualista tupiniquim sabe bem que a permanência de Trump é uma força de sustentação fundamental para ele. As relações entre EUA e Brasil deixaram de ser uma relação entre Estados, mas sim uma relação de “amizade” (leia-se emulação e, do nosso ponto de vista, subserviência) entre os chefes de turno da Casa Branca e do Palácio do Planalto.

Assim, e seguindo o estilo atualista de fazer política, Bolsonaro ressoa as afirmações sem fundamento de Trump, sem se preocupar com a veracidade e desprezando o princípio diplomático básico da impessoalidade. Mas Bolsonaro também tem seu próprio código “alternativo”, cujo enfrentamento é a tarefa prioritária das forças democráticas no Brasil, que deverá avaliar e tomar suas próprias escolhas para vencer o confronto. Assim como o trumpismo, nos Estados Unidos, o bolsonarismo é um fenômeno que não necessariamente depende da permanência de Bolsonaro no poder: ele mobiliza parcelas consideráveis da população através de seus discursos, que defendem o conservadorismo nos costumes, o liberalismo na economia, a luta contra “o sistema”, a religião e a admiração pelo militarismo.

Será que a aposta moderada e centrista será suficiente para derrotar o bolsonarismo aqui? Mesmo que por pouco? Ou, em nosso contexto particular, faz-se necessário redobrar a aposta na radicalização pela via da esquerda? Mesmo que a vitória de Biden seja confirmada, ainda não está claro qual das duas vias parece a mais indicada para o Brasil. Enfim, tudo indica um destino trágico da democracia liberal de “pequenas maiorias” em tempos de agitação atualista. Sem negar a nossa atual realidade, cabe a nós pensar e imaginar alternativas, por mais difícil que pareça ser em nosso atual nevoeiro e impregnados por uma sensação de asfixia. Além disso, a lentidão com que a apuração avança em alguns estados decisivos promete nos deixar hipnotizados pelos mapas eleitorais na expectativa da atualização decisiva.

(*) Mateus Pereira e Valdei Araujo escreveram o Almanaque da Covid-19: 150 dias para não esquecer ou o encontro do presidente fake e um vírus real com Mayra Marques. Ambos são professores de História na Universidade Federal de Ouro Preto, em Mariana (MG). Também são autores do livro Atualismo 1.0: como a ideia de atualização mudou o século XXI e organizadores de Do Fake ao Fato: (des)atualizando Bolsonaro, com Bruna Klem. Walderez Ramalho é doutorando em História na mesma instituição. Agradecemos à Márcia Motta e ao grupo Proprietas pelo apoio e interlocução nesse projeto.


[1] https://noticias.uol.com.br/colunas/thais-oyama/2020/11/04/o-eleitor-oculto-de-trump-e-o-novo-erro-dos-institutos-de-pesquisa.htm

[2] PEREIRA, Mateus; MARQUES, Mayra; ARAUJO, Valdei. Almanaque da COVID-19: 150 dias para não esquecer, ou a história do encontro entre um presidente fake e um vírus real. Vitória: Editora Milfontes, 2020.

[3] Usamos aqui um neologismo para dar conta da diferença que em inglês é mais clara entre a produção deliberada de notícias falsas (disinformation) e sua disseminação involuntária (misinformation).

[4] https://noticias.uol.com.br/internacional/ultimas-noticias/2020/07/20/trump-muda-discurso-e-agora-diz-que-usar-mascara-e-patriotico.htm

[5] EMPOLI, Giuliano Da. Os engenheiros do caos: como as fake news, as teorias da conspiração e os algorítimos estão sendo utilizados para disseminar ódio, medo e influenciar eleições. São Paulo: Vestígio, 2019.

[6] https://www1.folha.uol.com.br/mundo/2020/10/quase-sete-em-cada-dez-americanos-relatam-transtorno-do-estresse-eleitoral.shtml

[7] https://br.noticias.yahoo.com/em-pronunciamentos-biden-prega-calma-e-trump-faz-acusacao-de-roubo-065922289.html

[8] https://www.aljazeera.com/news/2020/9/12/biden-battles-trump-lack-of-enthusiasm-among-black-voters

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Geral

Mulheres candidatas discutem violência jurídica e estupro em Florianópolis

Julgamento que humilhou vítima de estupro na capital está no foco do “Democracia e cidades: eleições 2020 em Santa Catarina” desta sexta-feira, 6, às 20 horas, que entrevista mulheres.

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Julgamento que humilhou vítima de estupro na capital está no foco do “Democracia e cidades: eleições 2020 em Santa Catarina” desta sexta-feira, 6, às 20 horas, que entrevista mulheres.

Quatro mulheres candidatas pela Frente Democrática por Florianópolis a uma vaga na Câmara Municipal são as entrevistadas desta sexta-feira, 6 de novembro, às 20 horas, no quadro “Democracia e cidades: eleições em Santa Catarina”. Na quarta rodada da série, Jornalistas Livres enfocam especialmente o tema da violência jurídica contra a mulher a partir da denúncia do julgamento (assista aqui o júri completo) que absolveu André de Camargo Aranha, acusado de estuprar Mariana Ferrer na festa de abertura do verão do Café de la Musique, em Jurerê Internacional, onde ela teria sido dopada. Discutem ainda a reação da denúncia de estupro e assédio sexual apresentada por umaex-servidora contra o prefeito Gean Loureiro, candidato favorito à reeleição.Acompanhe as entrevistas pelas plataformas dos Jornalistas Livres no Youtube, Facebook, Instagram e Twitter.

Participam da entrevista quatro mulheres, as candidatas feministas, Cirene Cândido, militante em defesa dos direitos da mulher negra pelo PT; Elaine Sallas, professora e artivista negra e lésbica, militante popular do PSoL; Fafá Capela, socióloga e cientista política da UFSC, militante do PCdoB e Júlia Andrade, psicóloga, jovem integrante do Movimento pela Moradia e presidenta da Unidade Popular (UP).Dois fatos tornaram a capital o epicentro das discussões feministas: há uma semana, o prefeito Gean Loureiro, candidato favorito à reeleição, foi denunciado por sua ex-subalterna, a servidora Rosana Ferrari por estupro e assédio sexual. Nesta semana, viralizou em todo o Brasil o vídeo completo com o julgamento em primeira instância de André Aranha, 43 anos, empresário paulista do ramo de esporte, acusado de estupro de incapaz. O júri ocorreu em setembro passado, mas só agora o conteúdo misógino da sessão saiu do âmbito da imprensa local, depois de reportagem de Shirlei Alves publicada pelo The Intercept .

Manifestação da Fetafri – MG – Federação dos Trabalhadores do Ramo Financeiro de Minas Gerais

Enfrentada por um júri formado por quatro homens, o promotor do Ministério Público, o juiz, o advogado de defesa eo réu, Mariana Ferrer viu seu acusado ser absolvido pelo juiz Hudson Marcos, sob a alegação sem precedentes de que “se houve estupro foi sem a intenção de estuprar”, embora as perícias tenham comprovado a sêmen de Aranha na vítima. O réu Aranhafoi tratado com toda deferência pelo júri, tendo tempo livre para lançar suposições não provadas contra Mariana e lamentar livremente as consequências da denúncia em sua vida profissional e pessoal. Enquanto isso, Mariana Ferrer, 23 anos, foi psicologicamente torturada, intimidada, insultada e humilhada pelo advogadode defesa Carlos Gastão da Rosa Filhoe proibida de fazer avaliações subjetivas pelo juizRudson Marcos, da 3ª Vara Criminal de Florianópolis.

Foto: reprodução do julgamento por teleconferência em que André Aranha, acusado de estuprar Mariana Ferrer, foi absolvido sob a alegação de estupro sem intenção

Entidades de defesa dos direitos humanos assinalaram a conivência do juiz e do próprio promotor público Thiago Carriço de Oliveira, que deveria defendê-la e não tentou impedimento do advogado nem mesmo quando ele a tratou como uma vagabunda fingida e golpista, mostrando fotos sensuais que justificariam o estupro e foram apagadas do seu Instagram. Diversas autoridades jurídicas do país, como o ministro Gilmar Mendes do STF do país, CNJ, OAB, Conselho Nacional do Ministério Público e até o Ministério da Cidadania, se manifestaram pela anulação do júri e pediram esclarecimentos ao Ministério Público. Uma das sentenças do advogado não impedidas pelo juiz que barbarizaram a opinião pública foram: “Deus me livre ter uma filha do seu nível”. Ele também implorou a deus que nunca seu filho se envolva com alguém da laia dela.

Enquanto o caso de Mariana Ferrer, que era virgem e tinha 21 anos quando foi estuprada, ganhou ampla comoção nacional, com engajamento de mulheres em atos públicos que começam a se espalhar por todoo país, a denúncia de Rosana Ferrari se voltou contra ela. Fotos e vídeo do flagrante, que deveriam ser mantidas em sigilo, vazaram da Delegacia da Mulher, onde a queixa foi apresentada, expondo a mulher e o acusado no encontro com o prefeito durante o erário público e no gabinete da Prefeitura.

Em vez de prevalecer a falta de decoro no exercício de cargo público, que seria motivo para impeachment, as cenas viraram alvo de um coliseu que não cessa de apedrejar a servidora. Nas redes sociais, Rosana éxingada moralmente, difamada e agredida pelos defensores do prefeito Gean Loureiro e acusada de golpe por ter flagrado com o celular o que seria o próprio estupro. Até mesmo opositores do prefeito consideram que as fotos demonstram que houve relação sexual com o seu consentimento. Em seu depoimento à delegacia, aex-servidoraargumenta que fez o flagrante porque já era assediada há dois anos e armou a câmera quando foi avisada de que o prefeito estava chegando ao gabinete da Secretaria de Turismo, onde estava encarregada de fazer a arrumação da sala.

A diferença de repercussão entre os dois casos na opinião pública de Santa Catarina, o primeiro da vítima perfeita, da menina virginal, o segundo da mulher de meia idade, casada, que não corresponde ao imaginário coletivo de inocente, será avaliada pelas candidatas feministas. Estão em questão a incidência de crimes de gênero – ou crimes da ordem política do patriarcado, como prefere a socióloga Rita Segatto -, no Estado e na capital e as propostas para combater a violência contra a mulher. Inclusive a avalanche de testemunhos de jovens que sofreram estupro ou ameaças a partir do golpe do Boa noite Cinderela na mesma boate onde Mariana trabalhava como influencer, espécie de promoter que faz a recepção dos convidados.

Com esses quadros de entrevistas que compõem o programa geral “Eleições 2020: o que está em jogo”, os Jornalistas Livres pretendem contribuir para o processo democrático municipal em todo o Brasil.Até o dia 12 de novembro, a equipe de profissionais dos JL de todo o país estará ajudando seu público a ter acesso a informações, posicionamentos ideológicos, projetos para a cidade e perfis políticos que o qualifiquem melhor para exercer o direito de escolha de seus candidatos. Acompanhe as entrevistas pelas plataformas dos Jornalistas Livres no Youtube, Facebook, Instagram e Twitter.

CANDIDATOS ENTREVISTADOS NESTA SEXTA-FEIRA (6de novembro)

CIRENE CÂNDIDO, candidata a vereadora pelo PT, número 13456, é formada em Gestão Ambiental, técnica em Segurança do Trabalho e militante feminista pelos direitos das mulheres negras. Já atuou como assessora parlamentar, agente comunitária de saúde, empregada doméstica, trabalhadora rural (boia fria), atendente de loja e telefonista. É empreendedora, colunista,mãe solo e eventualmente trabalha como diarista.

ELAINE SALLAS, candidata a vereadora pelo PSoL, número 50333, é mestre em teatro pela UDESC e especialista em Arte no Campo, é militante popular, periférica, negra, gorda, a(r)tivista, professora, arte-educadora, lésbica e umbandista. Foi conselheira no Conselho Municipal de Políticas Culturais e tem uma expressiva trajetória de luta pela educação gratuita, pública e de qualidade, pela cultura, por políticas públicas que são nossas por direito.

FAFÁ CAPELA, candidata a vereadora pelo PCdoB, número 65650, tem 28 anos, nasceu e cresceu em Florianópolis. Graduada em Ciências Sociais pela Universidade Federal de Santa Catarina, mestre em Sociologia e Ciência Política e doutoranda em Ciência Política, também pela UFSC. O feminismo abriu seus olhos para a necessidade de mudança: em quase 300 anos de existência da Câmara Municipal, apenas 7 mulheres foram eleitas. Por isso se dispôs a ser candidata a vereadora e a apresentar perspectivas que sorriam para todas e todos.

JÚLIA ANDRADE écandidataa vereadora pela Unidade Popular em Florianópolis (UP), número 80.000.Psicóloga formada pela UFSC, militante popular em organizações como o Movimento de Luta nos Bairros Vilas e Favelas (MLB) e o Movimento de Mulheres Olga Benario.Júlia é Presidenta Estadual da UP, o partido mais jovem registrado no TRE, que trabalha com os movimentos populares em período eleitoral ou fora dele.

#JustiçaParaMariFerrer

MANIFESTAÇÃO POR ESTADO:

Em reunião virtual organizada pelo 8M Santa Catarina, uma rede nacional de mulheres definiu o desencadeamento de atos #JustiçaParaMarianaFerrer em todo o país sob o lema do “Fim da Cultura do Estupro” e “A culpa não é da vítima”. Em Florianópolis, vários atos já foram realizados e o próximo está marcado para o dia 7 de novembro, sábado, às 14 horas, no Centro de Florianópolis.

SÃO PAULO – SP

  • 08/11 (domingo)
  • 13hrs
  • Vão Livre do MASP

BRASÍLIA – DF

  • 04/11 (quarta-feira)
  • 19h
  • Praça dos 3 poderes

RIO DE JANEIRO – RJ

  • 08/11 (DOMINGO)
  • 14 horas
  • Cinelandia

BELÉM DO PARÁ – PA

  • 08/11 (domingo)
    -14 hrs
    -Can (em frente a basílica de Nazaré)

BELO HORIZONTE – MG

  • 07/11 (Sábado)
  • 15:00
  • Praça 7 de Setembro

MANAUS- AM

  • 08/11 (domingo)
  • 13:00
  • TEATRO AMAZONAS

RIBEIRÃO PRETO /SP

  • 06/11 (sexta-feira)
  • 13:00
  • TEATRO PEDRO II

UBERLÂNDIA – MG

  • 08/11 (domingo)
  • 13:00
  • PRAÇA TUBAL VILELA

SÃO JOSÉ DOS CAMPOS – SP

  • 07/11 (sábado)
  • 10h
    Praça Afonso Pena

PORTO ALEGRE – RS

  • 08/11 (domingo)
  • 15h
    Redenção

CURITIBA – PR

  • 07/11 (sábado)
  • 14:30
  • Santos Andrade

FLORIANÓPOLIS – SC

  • -04/11 (quarta-feira) -17h -Em frente ao Tribunal de Justiça de SC e
  • dia 07/11 (sábado)
  • 15h
  • Beira mar

BALNEÁRIO CAMBORIÚ – SC

  • 08/11 (domingo)
  • 13h
  • Ponto de encontro R. 1500 esquina com a praia, saída até a praça Tamandaré

CRICIÚMA – SC

07/11 (sábado) – 10h – Pça Nereu Ramos -08/11 (domingo) -14:30 -Forum

ITAJAÍ – SC
Local: Igreja Matriz de Itajaí
Data: 08/11/2020
Horário : 13hrs

SALVADOR – BA

  • 07/11 (sábado)
  • 15h
  • OAB BA, rua portão da piededade

FORTALEZA – CE

  • 07/11 (sábado)
  • 15h
  • Praça da OAB/CE

JUIZ DE FORA – MG

  • 07/11 (sábado)
  • 15h
  • Parque halfeld

VITÓRIA – ES

  • 08/11 (domingo)
  • 15h
  • Em frente à Assembleia Legislativaj Teresina – Piauí
    Dia: 07/11
    Local: Parque da Cidadania
    Horário: 16hs Natal- RN*
  • 07/11 (sábado)
  • 15:00h
  • Mydway Mal (shopping)

Veja a nota do 8M Brasil – SC

JUNTAS PELO FIM DA CULTURA DO ESTUPRO!

Chega! Não aceitamos essa cultura que nos explora, oprime e violenta nossos corpos. Não naturalizamos a impunidade seletiva e culpabilização das vítimas!As imagens da audiência que inocentou André de Camargo Aranha com o argumento absurdo de “estupro culposo” alegando falta de provas, são revoltantes. As agressões do advogado, promotor e juiz contra Mari Ferrer, escancaram de que lado está a justiça e por que é tão difícil para as mulheres denunciarem. Sabemos que provas é o que não faltam! Não existe estupro culposo! Repudiamos a exposição e culpabilização das mulheres vítimas de violência sexual. Como no caso da denúncia contra o Prefeito Gean Loureiro por estupro. Para ele, a consequência até agora foi zero, não foi afastado do cargo até que o caso seja julgado e segue na corrida pela reeleição, condenando a vítima publicamente.Chega! Queremos dignidade e respeito!Vamos pra rua!Próximo sábado, dia 07/11 #JustiçaPorMariFerrer e por todas nós!Exigimos a anulação dessa sentença e punição a todos os agressores.#DeuPraTiGeanA culpa nunca é da vítima!É pelo fim da cultura do estupro!#EleNão#ForaBolsonaro#NossasVidasImportam

Evento no FB do ato dia 07/11:
https://fb.me/e/1CH1B9k56

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