Os meios de comunicação, os políticos e os economistas conservadores, até mesmo o incrível Gilmar Mendes, tentaram te convencer de que os gastos do governo com educação, saúde e outros devem diminuir. Conseguiram?
Se você ainda tem dúvidas, temos alguns dados aqui para você avaliar.
A tese do grupo conservador que tomou o governo é a de que o país está quebrado: o governo está gastando mais do que está arrecadando, por isso a economia entrou numa recessão.
A tese que aqui propomos é que o país não está quebrado e que a causalidade está invertida: o país entrou em recessão e, por isso, a arrecadação de impostos é menor do que os gastos. Vamos tentar clarear essa tese.
1 Um país quebrado não tem dólares. Quanto o Brasil tem de reservas em moeda estrangeira?
No dia 07/10/2016, o Brasil possuía 376 bilhões de dólares de reservas cambiais. As reservas são compostas, especialmente, de títulos do governo americano e dólares e euros depositados em bancos centrais, no BIS e no FMI.
Supondo o dólar custando R$ 3,20 e multiplicando pelos 376 bilhões das reservas chegamos ao valor de um trilhão e duzentos bilhões de reais.
Você acha que um país que tem R$ 1.200.000.000.000 de reservas está quebrado? A visita do FMI não tinha, de forma alguma, objetivo de avaliar empréstimos ao Brasil. As conversas com o FMI podem até ter girado em torno de nós emprestarmos algum para eles.
Não acredita nesse dado das reservas? Veja em http://www.bcb.gov.br/?rp20161007
2 O preço do dólar dispara quando o país está quebrado. A cotação atual do dólar indica desespero e fuga para o exterior?
Há um ano o dólar estava cotado a R$ 4,20. Ontem, 10/10/2016, estava R$ 3,21 por dólar. Se estivéssemos, realmente, na crise que você lê e ouve todos os dias, a cotação teria caído de um ano para cá?
No relatório Focus, em que são ouvidos diversos economistas do mercado financeiro, a expectativa para a cotação do dólar para o final do ano que vem, 2017, está em R$ 3,40 por dólar. Você vê sinais de turbulência na previsão desses economistas, que prevêem o dólar saindo de R$ 3,21 e chegando a R$ 3,40?
Você pode ver essa e outras previsões em: http://www.bcb.gov.br/pec/GCI/PORT/readout/R20161007.pdf
3 Estamos em recessão. A culpa não é do excesso de gastos sociais?
Há pelo menos três causas importantes para a recessão.
A primeira é que a economia mundial não está bem. Basta ver o preço do petróleo, que ficou muito acima de 100 dólares o barril e hoje gira na casa dos 50 dólares. Há excesso de produção de aço no mundo e muitas commodities estão com preços muitos inferiores aos de dois anos atrás.
A segunda causa é a enorme instabilidade política criada pelo grupo que tomou o poder no Brasil. Desde a posse de Dilma em 2015, o Congresso, o Judiciário, o empresariado e os meios de comunicação não pararam um minuto sequer de bombardear seu governo. Não há economia que resista a um ataque como este perpetrado em bloco contra o governo Dilma.
A terceira causa é a política recessiva adotada por Dilma, no início de 2015 e continuada agora pelo governo golpista. Taxas de juros altíssimas e restrição de investimentos públicos constituem a contribuição do governo para essa recessão que vivemos.
4 E o excesso de gastos? E o déficit do governo?
Quando a economia de um país entra em recessão, ou seja, quando cai a quantidade de bens e serviços que a economia produz, temos uma diminuição muito forte dos impostos que os governos arrecadam. Veja que as receitas do governo brasileiro caíram aceleradamente e os gastos caíram só um pouquinho ou quase nada. O governo tem um déficit nesse caso, arrecada menos do que tem de pagar.
Nesse ano de 2016 até agosto, o governo foi obrigado a gastar R$ 59 bilhões a mais do que arrecadou de impostos. Como esse valor não considera o gasto do governo com juros, dizemos que o país teve um déficit primário de R$ 59 bilhões até agosto.
Para termos uma ideia de o quanto as contas do governo pioraram de um ano para cá, vejamos que o déficit primário de 2015, também considerado até agosto, foi de apenas R$ 1,1 bilhão. E agora saltou para R$ 59 bi. É possível dizer que até agosto do ano passado o orçamento estava equilibrado, pois R$ 1,1 bi de déficit é desprezível.
A situação fica bem pior depois de agosto de 2015 e se complica mais ao juntarmos os gastos com juros. O déficit nominal, que é a soma do déficit primário com os gastos com os juros, chegaram a R$ 313 bilhões acumulado no ano até 2016. O número é assustador, não é?
Quer dizer que o que gastamos com juros é quatro vezes o déficit do que gastamos com todo o resto, incluindo saúde, educação, assistência social? Sim, é isso mesmo. Nosso déficit primário foi R$ 59 bi e o gasto com juros foi R$ 255 bi, praticamente quatro vezes.
Mas, então por que ninguém fala nada dos juros? Ora, os juros vão para bolsos já endinheirados, melhor esquecê-los. Entende?
De todo modo, é muito fácil assustar todo mundo com o resultado desse último ano, mas não se pode dizer que esse mesmo resultado vai se repetir nos próximos anos.
Mesmo assim, compare os R$ 313 bilhões de déficit com os R$ 1,2 trilhão que ainda temos de reservas. Dá para enfrentar a briga por um tempo razoável, não é? Além disso, o país ainda pode aumentar sua dívida.
Os dados do Banco Central, sobre a política fiscal até agosto de 2016, estão nesse link: http://www.bcb.gov.br/htms/notecon3-p.asp
5 O que quer dizer dívida pública e quanto, afinal, a gente deve?
Todos os países têm dívidas. O que arrecadam nunca é suficiente para os gastos e, principalmente, para os investimentos que precisam fazer no desenvolvimento do país. Então, o país emite títulos que são vendidos para quem tem dinheiro, investidores nacionais e estrangeiros, fundos de investimentos, bancos, etc. Esse dinheiro que o governo toma emprestado é usado para seus gastos e investimentos. Os investidores, por sua vez, recebem juros do governo e o dinheiro de volta no vencimento dos títulos.
Como os tamanhos das economias dos países são muito diferentes, um dos dados geralmente usados para ver se um país está muito endividado ou não, é comparar o tamanho de sua dívida com tudo àquilo que sua economia produz que é o Produto Interno Bruto, PIB.
Na tabela abaixo, percebemos que o Japão, que é o país com maior dívida pública em relação ao PIB, deve duas vezes e meia o que produz em um ano.
Veja a posição do Brasil entre os 20 países com maiores dívidas públicas em relação ao PIB.
Engraçado, não é? A economia do país está se desmantelando e, no entanto, não estamos entre os 20 maiores devedores em relação o PIB. Ah, já sei! No futuro, entraremos nessa lista. Claro, quando não temos dados para provar o que estamos falando recorremos ao futuro para reforçar a ideia que precisamos incutir na população: os gastos sociais estão levando o país para o buraco.
O Brasil deve 43,3% (*) do PIB (agosto/2016, segundo o Banco Central). Essa é a dívida líquida, que soma tudo o que o país está devendo e excluí tudo o que o país tem a receber. Por exemplo, para calcularmos a dívida líquida excluímos as reservas cambiais, que é dinheiro que o país tem a receber.
No conceito de dívida bruta, que só leva em conta o quanto devemos e despreza o quanto temos de reservas e de recursos a receber, estávamos com uma dívida 74% do PIB, de acordo com os dados do FMI, na mesma avaliação da tabela acima.
Esses tamanhos de dívidas líquida e bruta não têm nada de anormal. Mesmo que tenhamos que tomar mais dinheiro emprestado nos próximos anos não teremos problemas. Já enfrentamos situações muito piores. Por exemplo, quando FHC entregou o governo a Lula, a dívida líquida que hoje é 46,5% do PIB estava em 60% do PIB.
6 Como os economistas ouvidos pelo Banco Central estão vendo o ano de 2017?
No mesmo relatório Focus do Banco Central, veja a tabela abaixo, os economistas afirmam esperar que a inflação fique próxima de 5% em 2017, que a taxa de juros básica da economia termine 2017 em 11%, que nossa balança comercial seja positiva em 45 bilhões de dólares e que vamos atrair 65 bilhões de dólares de investimentos diretos estrangeiros.
Não precisa ser economista para perceber que os economistas ouvidos pelo Banco Central não estão prevendo um desastre ferroviário na economia brasileira, não é mesmo? Esperam até um crescimento de 1,3% do PIB para o próximo ano.
7 Por que ouvimos e lemos o contrário? Por que os “nossos analistas” falam em fim do mundo?
Bem, a disputa pela arrecadação dos governos sempre foi muito dura. As elites política e econômica (em certos casos até as elites de outros países) têm conseguido dominar a distribuição dos recursos públicos brasileiros conforme seus interesses. Eles perderam o domínio sobre o orçamento brasileiro por breve espaço de tempo, mas conseguiram tomar as rédeas de novo. Reduzir gastos com saúde, educação e outros gasto sociais, faz sobrar recursos para outros fins de maior interesse da elite brasileira aliada à elite internacional. Afinal, desde sua promulgação afirmam que a Constituição de 1988 não cabe no orçamento. O alvo do golpe era destruir a Constituição cidadã e a PEC 214 é uma machadada.
(*) Esse percentual foi corrigido pelo autor em 12/10/2016. O percentual anteriormente divulgado (46,5%) referia-se à dívida mobiliária interna, fora do Banco Central.